A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina, desde 2014, organiza o Setembro Amarelo, para disseminar uma campanha nacional de prevenção ao suicídio. Hoje, profissionais e estudiosos da área da saúde mental buscam introduzir à agenda do Setembro Amarelo um aparato preventivo direcionado para o tratamento da saúde mental da população negra.
“Para sanar a precarização da saúde mental é preciso pensar em criação de políticas públicas que estudem o mapa populacional de vulnerabilidades. E no âmbito nacional é necessário fazer um recorte racial. Pois vemos a cada dia mais corpos pretos mortos, digo, mortes biológicas e sociais”, afirma o psicólogo Nelson Gentil.
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Dados levantados pelo Ministério de Saúde juntamente à Universidade de Brasília apontam um risco de suicídio 45% maior entre a população negra em relação à branca. De acordo com a pesquisa, o racismo é o principal agravante.
“O adoecimento da saúde mental do nosso povo tem como problema primário o racismo. Muitas vezes nascemos em meio à violência, considerando que as mães negras são alvos da violência obstétrica. Somos colocados em um lugar subalterno, no qual a nossa psique é precarizada”, reflete Gentil.
Outros fatores que impactam a saúde de negras e negros são: um não lugar social, ausência de sentimento de pertença, sentimento de inferioridade, rejeição, negligência, maus tratos, abuso, violência, inadequação, inadaptação, sentimento de incapacidade, solidão e isolamento social.
Segundo o índice do Ministério de Saúde, jovens negros, entre 10 a 29 anos, configuram o maior número das vítimas de suicídio no país. Para Nelson Gentil, isso é um reflexo do período escravagista, em que negros e negras trazidos para o Brasil acabavam com suas vidas por não suportarem o lugar de subalternidade.
“O Setembro Amarelo precisa ser racializado, mostrando quais corpos são esses que estão sendo acometidos pelo suicídio. Todas as vidas são importantes, porém, precisa ficar evidente a cor destas vidas ceifadas em massa pelo suicídio”, completa o psicólogo.
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Subjetividade
“Somos seres enraizados na nossa história e nossa subjetividade se constrói a partir do que viveram os nossos pais e avós. Através do ambiente que nos cerca e da cultura que emergimos. A população negra parte de uma herança de muita dor psíquica e social. Lidamos com um legado marcado pela ideologia racista e idealização da brancura. E o que isso produz na pessoa?”, reflete Miriam Rosa dos Santos, psicóloga psicanalítica e doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).
Para ela, esses aspectos subjetivos surgem desde o nascimento de uma criança. E o racismo representa as cicatrizes do imaginário social, o que indica que a pessoa negra se constitui a partir de um referencial que é como um espelho distorcido. Isso faria a pessoa negra se ver a partir de um lugar de inferioridade, o que traria um sofrimento psíquico inegável.
“A prevenção em relação ao suicídio não pode se restringir a uma campanha que acontece somente no mês de setembro. É preciso que sejamos muito honestos em reconhecer o racismo da sociedade, sendo assertivos na formação de profissionais da saúde mental e pensando em políticas públicas que considerem a questão étnico-racial”, afirma a doutora.
A psicóloga considera que o sujeito negro deve reconhecer que parte daquilo que ele sente foi formado pela sociedade e que o sofrimento psico-emocional vem de um olhar racista sobre ele.
Para explicar isso, Rosa cita a frase do psiquiatra e filósofo político, Frantz Fanon, autor de “Pele Negra, Máscaras Brancas”: “O racista que cria o inferiorizado” e reitera “a prevenção do suicídio tem a ver com o desmonte da ideologia racista e do ideal da brancura de uma maneira sistemática. Vivemos em uma sociedade racista e adoecedora. Para que a saúde mental da população negra seja elevada em uma perspectiva de melhora e menor adoecimento, o sujeito negro tem que ser atendido nas suas necessidades que são atravessadas pelo racismo”.