Em meio a protestos em Brasília, que reúne 6 mil indígenas, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar nesta quarta-feira (25) se demarcações de terras indígenas devem seguir o chamado ‘Marco Temporal’. Por esse critério, povos originários só podem reivindicar a demarcação de terras nas quais já estivessem estabelecidos antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
A mobilização nacional ‘Luta pela Vida’ começou no último domingo (22), com a montagem de um acampamento na capital federal organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A vigília pede ao STF que diga não ao Marco Temporal.
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“A nossa expectativa é que o Supremo Tribunal Federal respeite os direitos dos povos indígenas. Porque no passado se matava índio à bala. E agora eles vão nos matar na caneta. A aprovação é o assassinato dos povos indígenas, o assassinato da floresta brasileira, de toda água, dos animais. Nós estamos lutando por respeito e preservação” declara Brasilio Pripra Xokleng, liderança da comunidade Xokleng.
Foram colhidas mais de 160 mil assinaturas em uma carta que será entregue para Corte, que reivindica a garantia do direito dos povos indígenas às suas terras. Neste processo, será analisada a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, em que vivem também os povos Guarani e Kaingang.
“O tratamento que a Justiça Brasileira tem dispensado às comunidades indígenas, aplicando a chamada ‘tese do marco temporal’ para anular demarcações de terras, é sem dúvida um dos exemplos mais cristalinos de injustiça que se pode oferecer a alunos de um curso de teoria da justiça. Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre alguma sombra de justiça e legalidade”, afirma trecho da carta.
De acordo com o artigo 231, a Constituição Federal reconhece os povos indígenas como uma organização social, com costumes, línguas, crenças e tradições, e garante os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Uma decisão do STF em favor do marco temporal poderia romper com essas garantias.
“Este Supremo Tribunal tem em suas mãos a oportunidade de corrigir esse erro histórico e, finalmente, garantir a justiça que a Constituição determinou que se fizesse aos povos originários”, afirma a carta.
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Como surge o debate
O Marco Temporal é uma tese que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu em 2013 ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antiga Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma) reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na ocasião, o TRF-4 manteve decisão tomada em 2009 pela Justiça Federal em Santa Catarina.
Rejeitado por organizações ligadas à causa indígena, o Marco Temporal entrou na pauta do STF em junho. A análise foi interrompida por um pedido do ministro Alexandre de Moraes. Nas instâncias anteriores, o governo catarinense obteve ganho da causa. O território é habitado por mais de 2.000 indígenas, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).
“Para o povo Xokleng o julgamento tem diversos significados e, a depender do resultado, poderá significar a segurança necessária para permanecerem em suas terras e a certeza de que foram ouvidos pela mais alta Corte do país”, afirma Paloma Gomes, assessora jurídica do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
De acordo com líderes indígenas, a pauta discutida pelo STF é de extrema gravidade. Todas as terras que estão em processo de demarcação podem sofrer com a tese do Marco Temporal.
“A sociedade precisa saber que o marco temporal é inconstitucional, ele afronta o direito originário dos povos indígenas por serem os primeiros habitantes do Brasil. Os povos indígenas foram expulsos dos territórios por fazendeiros, bandeirantes, por isso eles não estavam na terra” afirma Eliane Franco Martins, coordenadora do Cimi Goiás Tocantins.
A quem interessa
O marco regulatório foi proposto pela bancada ruralista no Projeto de Lei (PL) 490, que proíbe que terras demarcadas anteriormente sejam ampliadas. Proprietários rurais argumentam que há necessidade de se garantir segurança jurídica e apontam o risco de desapropriações caso a tese seja derrubada.
“Temos um congresso anti-indígena no Brasil. O processo de demarcação deve ficar explícito ao poder executivo brasilieiro, e não ao legislativo do congresso nacional, com deputados e senadores”, declara Eliane.
A coordenadora cita outros projetos de lei que estão em discussão e que são de interesse político e econômico, como o PL 1610/96, de autoria do Senador Romero Jucá, que pretende regulamentar a mineração em terras indígenas; além da PEC 187, que prevê o arrendamento da terra indígena para o agronegócio, com plantio em grande escala.