O secretário de Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, xingou a chef de cozinha negra, Angeluci Figueiredo, após ter a reserva cancelada no restaurante dela, o Preta, localizado na Ilha dos Frades, em Salvador. As ofensas foram divulgadas pela própria chef de cozinha, que expôs um print da conversa no WhatsApp em que o secretário a chama de “vagabunda”.
O ataque à chef aconteceu após Fábio Vilas-Boas encontrar o restaurante fechado no domingo. Ele, que fazia uma excursão, fez uma reserva no estabelecimento para almoçar com familiares e amigos estrangeiros. No entanto, o estabelecimento, que funciona na Ilha, teve que ser fechado por causa das más condições climáticas e de navegação diante de uma recomendação da Capitania dos Portos, órgão da Marinha. Por causa disso, o restaurante foi fechado e os atendimentos foram cancelados.
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O secretário, então, proferiu ofensas à chef Angeluci Figueiredo e ameaçou usar veículos de imprensa da Bahia para fazer comentários negativos sobre o restaurante Preta, um dos mais famosos da Bahia e frequentado por artistas como Gilberto Gil, Ivete Sangalo, André Marques e outros. Na mensagem, Fábio Vilas-Boas escreveu: “Esqueça de me ver de novo aqui. E ainda paguei 350 reais pra desembarcar”, disse o secretário, que também acusou a chef de receber dinheiro de um empresário para não trabalhar.
Em um longo desabafo, a chef Angeluci Figueiredo fez uma reflexão sobre a misoginia e racismo cometidos pelo secretário estadual de Saúde e reforçou o tratamento cordial que ele sempre teve no restaurante Preta.
“Pergunto-lhe: o que autoriza uma autoridade, no exercício de uma função pública das mais relevantes do estado – a de secretário de Saúde do Estado da Bahia, e durante uma pandemia, o que torna a sua função sinhá mais responsável – chamar uma mulher de VAGABUNDA? O senhor admite algum senso de possibilidade de razoabilidade no seu gesto, no uso dessas palavras? E como se fosse insuficiente essa ofensa, o senhor me ameaça, de queixar-se a empresários e de me expor nos meios de comunicação, secretário”, diz a chef em um trecho da mensagem.
“Reflita sobre a gravidade das duas palavras e sobre a inadequação e a vulgaridade delas. Como lhe disse, a roda da história gira, e, nesse giro, me desculpe, mas parece não ter lhe beneficiado. Veja bem em que lugar as circunstâncias históricas NOS COLOCARAM: o secretário, um médico bem sucedido, empresário, agropecuarista, homem branco, de família tradicional, etc, etc, alimentando a cultura da intolerância e dos tais privilégios ditos brancos, ofendendo moralmente uma mulher negra, chamando-a diretamente de vagabunda, e por quê? Pelo fato de razões climáticas terem lhe impedido um domingo de bem estar num restaurante localizado numa ilha sujeita a intempéries, como qualquer local no meio do mar. O senhor sabe o que é ser misógino, secretário? Sabemos que sim, o senhor sabe. Mas sabemos que nesse país ninguém é racista, ninguém é misógino. Aqui não há nunca vítimas, só vitimismo e mimimi, afinal devemos garantir que autoridades se sintam à vontade para sacar o telefone e chamar uma mulher de vagabunda, simplesmente porque pode, porque um desejo foi frustrado pelo tempo”, completa Angeluci.
Repercussão
A conduta do secretário Fábio Vilas-Boas causou repercussão entre autoridades e famosos. A jornalista baiana Rita Batista se disse “chocada” com as ofensas vindas do secretário e, em uma rede social, escreveu: “Ao secretário @fabio_vboas, a lembrança de “quem convida dá banquete” e como dizia meu avô Arlindo e como diz meu mentor profissional @mariokertesz: a bofetada dada, a pedra atirada, a flecha lançada e a palavra (mal) dita não voltam atrás. “Na boca de quem não presta, quem é bom não vale nada”.
A deputada Olívia Santana também prestou solidariedade à chef Angeluci Figueiredo e ressaltou: “É preciso banir das relações sociais toda forma de violência contra as mulheres. Vindo de um agente público, a responsabilidade é maior ainda. Inaceitável!”.
A Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher da OAB-BA e a Comissão da Mulher Advogada da OAB-BA repudiaram a postura machista e racista de Fábio Vilas-Boas.
“Toda a situação em torno da ofensa, constrange não apenas Preta, mas também a toda sociedade, além de ganhar contornos ainda mais explícitos pela clara certeza de impunidade que motiva o agressor, que não se melindrou em ofender uma mulher negra, empresária, com demonstração explícita de preconceito e violência, revestidos por uma aura de superioridade por ser homem branco, de família tradicional além de estar ocupando cargo de expressão política no estado”, diz um comunicado assinado pelas presidentes das Comissões, Renata Deiró e Daniela Portugal, respectivamente.
A Secretaria de Mulheres do PT Bahia compartilhou uma nota em solidariedade à empresária e destacou que “O fato ocorrido traz para o centro problemas estruturais que fazem vítimas todos os dias em nosso estado e em nosso país, do qual nós, mulheres, somos obrigadas a lidar em nosso cotidiano, seja no campo pessoal ou profissional. Portanto, repudiamos atitudes como esta, sobretudo quando praticadas por um gestor público, que tem o dever de combater todo tipo de opressão”.
Em uma rede social, o secretário fez um pedido de desculpas à chef Angeluci e tentou argumentar que “uma enorme frustração momentânea me levou, tomado de emoção, a dizer o que disse”. Nos comentários, internautas o chamaram de “desequilibrado” e “arrogante”. Alguns também pediram providências do governador da Bahia, Rui Costa, e exoneração do secretário público.
“Lastimável o racismo e a misoginia da sua fala…O fato é que pode até demorar, mas não tarda para a branquitude escravocrata despejar sua arrogância”, escreveu uma internauta. “Como a gente se engana com seu jeito doce de falar na TV. Quando não pôde ter seus desejos atendidos, agiu de forma machista e racista pra cima de uma mulher. Porque uma mulher e ainda preta tem que estar a todo momento a serviço do homem branco. Lamentável”, comentou outro perfil.
Nem o governador Rui Costa nem o prefeito de Salvador, Bruno Reis, se manifestaram em relação ao caso.