“O futebol sempre esteve presente dentro da minha casa. Bem antes de eu estar prestes a realizar o sonho de disputar uma Olimpíada, representando o povo brasileiro e as cores do meu país. Na verdade, bem antes de eu nascer”, relata Paulinho. O jogador, de 20 anos, foi convocado para a Seleção Brasileira masculina de futebol, que disputará as Olimpíadas de Tóquio. O atacante do Bayer de Liverkusen escreveu em primeira pessoa sobre sua trajetória na coluna Carta Para Mim Mesmo, da plataforma The Players Tribune, nesta terça-feira (20).
Paulo Henrique Filho, em homenagem ao pai, foi a escolha da mãe logo quando seus pais tiveram o primeiro filho. Mas como ocorre em diversos casos de família, quem vai ao cartório segue em vantagem. E a certidão de nascimento do primogênito veio a título de Romário, homenageando o jogador que tinha jogado pelo Flamengo.
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“Cara, aí brincou com o perigo… Ela é vascaína fanática! Como o Romário tinha jogado no Flamengo, esse nome não estava nem de longe entre os seus preferidos para batizar um filho. Ela ficou bolada, passou um mês sem falar com meu pai por causa disso”.
Na segunda gravidez, ela quis homenagear outro nome do futebol, Edmundo, um dos maiores ídolos do Vasco. Nos anos 2000, Romário e Edmundo jogavam juntos pelo time. Porém, a contragosto, novamente o pai mudou de opção, e deu teu nome na certidão do filho, atual atacante da seleção: Paulo Henrique, o Paulinho.
“O pessoal soube da história e só me chamava de Edmundo. Na minha infância, a gente ficou conhecido no bairro como Romário e Edmundo. Desde moleques, nosso programa favorito era acompanhar meu pai nos campinhos de pelada”.
Paulo nasceu e foi criado na Vila da Penha, Zona Norte, do Rio de Janeiro. E foi nas quadras do bairro que começou a se destacar. O futebol de salão foi a sua principal escola de formação. Ao completar 8 anos, passou em um teste de futsal para jogar no Vasco. Por ser fim de ano, foi encaminhado para jogar temporariamente no Madureira.
“Criamos uma conexão perfeita entre jogadores, pais e o pessoal do clube. Família Madureira. Era assim que a gente se referia ao nosso grupo. Jogávamos de igual pra igual com qualquer equipe. Os adversários nos respeitavam. Mas aí os pais do Vasco, que me conheciam do campo, começaram a perturbar meu pai dizendo que eu também precisava jogar pelo futsal deles. Uma vez fui campeão pelo Vasco e, no dia seguinte, teria uma semifinal pelo Madureira. Contra o Vasco!”, conta o atleta.
Só aos 11 anos, passou a vestir a camisa do Vasco, no time de futsal. Sua estreia foi marcada por um gol de título em pleno Maracanãzinho.
“Se eu senti a pressão? Vishhh, a minha pressão foi enfrentar o meu irmão. Ele jogava pelo Mello Tênis Clube, um time lá da nossa área, na Vila. E o Vasco caiu na mesma chave deles no campeonato. Ou seja, pela primeira vez, teríamos Romário x Edmundo na família. Foi o grande evento do bairro”, afirma.
Paulinho conta que tudo aconteceu muito rápido em sua vida, o reconhecimento e o sucesso. Ele jogava no Sub-20, aos 16 anos, quando o Milton Mendes chegou para comandar o time principal do Vasco.
Quando Mendes organizou um treino coletivo de profissional contra sub-20, aos 10 minutos de jogo, o técnico pediu para Paulinho trocar de time. Na troca ele marcou um gol de cabeça pelo time profissional. Nesta mesma noite, recebeu uma mensagem, via Whatsapp, de Milton Mendes, que dizia: “Apresentação no treino amanhã, às 8h!”.
“Contra o Vitória, me tornei o jogador mais jovem a atuar profissionalmente pelo Vasco. O primeiro da geração 2000 a disputar o Brasileirão. Entrei no finalzinho, dei uma assistência e ganhei moral com o grupo. No entanto, para mim, tão jovem, foi um choque estar naquele ambiente. Num dia eu tava treinando na base. No outro, entrando em campo em jogo da TV para o país inteiro. Precisei amadurecer nessa convivência com atletas consagrados. Mas é fácil notar a diferença entre um recém-chegado da base e um profissional”, descreve o atleta.
Em sua primeira vez como titular, vestiu a camisa 7 do Vasco, contra o Atlético Mineiro de Fred e Robinho, ídolos de sua geração em disputas de campo e videogame. Paulo retrata a sensação como uma viagem no tempo. Ao mesmo tempo um choque.
A religiosidade de Paulinho
Dentre suas passadas de bola, recursos de agilidade, drible em espaço curto, e raciocínio rápido, sua base sempre foi a família e a religião.
“Minha família tem ligação forte com o candomblé e a umbanda. Minha avó, minha mãe, minha tia… É algo que passa de geração para geração. Tenho muito orgulho da minha religião. Prefiro chamar de filosofia de vida. Uma coisa bem pessoal, que toca o meu coração. Sou eu comigo mesmo, entende? Cultuar essa filosofia me traz muita energia boa, muito axé. Como assentado e praticante, vou ao meu pai de santo sempre que estou no Brasil e peço proteção aos orixás, principalmente ao meu Pai Oxóssi e à minha Mãe Iemanjá”, diz Paulinho.
Na coluna, o atleta menciona o orixá popularmente conhecido como o dono do mercado: “Exu é o caminho. Procuro saudá-lo antes de cada obrigação, de cada partida. Laroyé!”.
A carta de Paulinho também retrata a indignação do atleta com o governo Bolsonaro, que na avaliação do jogador negligencia a saúde e a pandemia da Covid-19.
“Se sou crítico do atual Governo, é porque eu confio na ciência. Todo mundo enxerga o que se passa durante esse um ano e meio de pandemia, todo o descaso com a saúde. Mesmo vivendo em outro continente, tenho pessoas queridas que moram no Brasil. Elas precisam de segurança, de amparo, de vacinas”, considera.
Por fim, o jogador fala sobre a emoção da família com a convocação para os Jogos de Tóquio:
“Adivinha de quem foi o primeiro abraço me parabenizando? Dele mesmo: Romário. Meu irmão não virou jogador, mas se tornou meu maior incentivador. É o cara que analisa as partidas comigo, puxa minha orelha, a pessoa que mais pega no meu pé. Dentro de casa, a dupla Romário e Edmundo nunca se desfez” explica.
De forma muito corajosa, faz seus pedidos aos guias orixás em busca não só da medalha de ouro, e por seus caminhos, mas pelo Brasil.
“Rezo todos os dias para que Exu ilumine o Brasil e os nossos caminhos. Que os orixás nos deem forças pra buscar essa medalha de ouro. O brilho dela seria um alento para o povo brasileiro após tantos meses de caos no país”, conta.
“A cada novo desafio, eu acredito ainda mais que nada acontece por acaso. Se estou aqui, é porque fui bem guiado pela minha família, pela Família Madureira, pela formação que tive no Vasco, pela receptividade que encontrei na Seleção… Pela filosofia de vida que eu escolhi seguir. Nunca foi sorte, sempre foi Exu. Axé”, finaliza o atleta.
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