Um encontro virtual de mais de seis horas de duração reuniu representantes das forças de segurança pública e de entidades da sociedade civil organizada para debater o racismo e a brutalidade nas abordagens policiais no Estado de São Paulo. Ativistas relataram casos de violência policial e destacaram ainda a impunidade nos crimes de racismo, além da dificuldade para registrar denúncias.
“Faz 15 anos dos crimes de maio de 2006, o maior massacre do estado. Os nossos filhos morreram sem saber o motivo. As mães estão no front para parir uma sociedade sem racismo. O Estado precisa ouvir as mães, são elas que têm os filhos mortos e encarcerados pelo racismo estrutural”, afirmou Débora Maria Silva, fundadora do movimento Mães de Maio.
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Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, pelo menos 564 pessoas foram mortas no estado de São Paulo, em uma sequência de assassinatos que ficaram conhecidos como “Crimes de maio”. Segundo levantamento da Universidade de Harvard, a maioria desses óbitos indicam a participação de policiais. Os pesquisadores ainda apontaram que mais da metade dos casos fazia parte de uma ação de vingança dos agentes de segurança do Estado contra os chamados ataques da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), que se concentraram nos dois primeiros dias do período.
A chacina foi a maior do século 21 e talvez a maior da história do país. O gritante número de assassinatos e o desinteresse da Justiça em punir os responsáveis deu origem ao movimento Mães de Maio, formado principalmente por familiares das vítimas do massacre, como Débora, que participou do evento online, no último 25 de maio.
Participaram também o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, que é ex-delegado de polícia, e o ouvidor da polícias do Estado de São Paulo, doutor Elizeu Soares Lopes. Os dois foram os responsáveis pela organização do evento, que faz parte das atividades do conselho criado pela Ouvidoria para combater o racismo institucional.
“Hoje faz um ano da morte do George Floyd, que foi um paradigma para este tema tanto nos EUA como no mundo. Temos que debater e produzir caminhos novos. A segurança pública deve ser um benefício para todos”, destacou José Vicente.
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Abordagem policial em bairro pobre e bairro rico
A relação entre o passado escravocrata do Brasil e a brutalidade policial, que é maior nas periferias, foi lembrada pelo professor Dennis de Oliveira, da USP (Universidade de São Paulo), que abriu o encontro. “Em 2017, o tenente-coronel Ricardo Augusto, comandante da Rota, afirmou que a abordagem na periferia não é a mesma abordagem feita no Jardins [bairro rico da capital]. Essa prática não é nada efetiva no combate à criminalidade. Ela apenas transforma o cidadão periférico numa espécie de inimigo”, lembrou o professor e também membro do Conselho Municipal do Racismo e da Rede Antirracista Quilombação.
Segundo o tenente-coronel Evanilson Souza, um dos representantes da Polícia Militar no evento, a participação da sociedade é fundamental para a alaboração de propostas para segurança pública que visam ampliar o entendimento sore o racismo. “Temos que falar abertamente sobre racismo. Ele permeia em várias camadas do dia a dia e dificilmente as pessoas conseguem falar a respeito de maneira prática. Os policiais vieram da sociedade, que leva esse contexto do racismo para as instituições”, analisa Souza, que é um dos responsáveis pela elaboração da atualização do manual de Direitos Humanos da PM.
O tenente coronel reconheceu ainda que o combate ao racismo é o resgate da humanidade dos negros. “temos que trabalhar mais as questões de racismo estrutural”, ponderou Souza, que citou ainda o trabalho do major Airton Edno Ribeiro, que fez estudos e apresentou propostas de melhoria de formação dos soldados e criou políticas afirmativas e formação antirracista na PM.