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Violência contra afro-colombianos: o que o continente americano precisa saber

Entenda como a formação histórica, o não reconhecimento dessa população como negra e a violência policial e de Estado impactam nas estatísticas dos afro-colombianos

Texto: Isabela Guiaro | Edição: Andressa Cabral Botelho e Nataly Simões | Imagem: Cindy Muñoz Sánches (@cindycolores)

Imagem mostra cartaz levantado durante protesto em Cali, na Colômbia, em maio de 2021, com os dizeres: Somos Resistência. No país, violência atinge mais os negros

5 de maio de 2021

Uma das principais cidades da Colômbia está desde o fim de abril cercada pelo exército e demais forças de segurança. Em Cali, protestos contra mudanças nos impostos têm sido reprimidos. Há registros de assassinatos, desaparecimentos e estupros. A violência policial é maior nas regiões onde a maioria da população é afro-colombiana, mas outras populações afro-diaspóricas ainda desconhecem as razões. Há mais semelhanças na história, no papel do Estado e da força policial entre elas do que se pode pensar.

Em todo o país, 38% da população negra colombiana foi identificada como vítima da violência, segundo dados de outubro de 2020 da Red Nacional de Información. Isso significa que, pelo menos, 1.144.486 pessoas — entre afrocolombianos, palenqueros e raizales — foram impactadas com o aumento de massacres e da migração forçada, duas das principais problemáticas sociais do país.

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Assim como em outros países do continente americano, no ano passado a Colômbia viu o aumento de protestos para denunciar a violência policial contra a população negra. Em 19 de maio, Anderson Arboleda, de 24 anos, foi golpeado pela polícia várias vezes na cabeça, o que lhe causou morte cerebral. Já em 8 de setembro, Javier Ordóñez, de 46, foi submetido a vários eletrochoques com um taser após ser abordado por agentes.

“Muita gente diz que a Colômbia não é tão violenta como os Estados Unidos porque a polícia não chega e te assassina, mas ao analisar as pessoas mortas de forma violenta, nota-se que a maioria delas é negra”, diz Yannia Sofía Garzón, ativista do Proceso de Comunidades Negras (PCN). “Por documentação que nós [movimentos negros] levantamos, todos os dias matam um jovem negro”, complementa.

A fala de Garzón tem base numérica: de 2015 a 2017, dos 217 líderes sociais assassinados na Colômbia, 77 eram negros, de acordo com a Consultoría para los Derechos Humanos y el Desplazamiento (CODHES). Essa é uma preocupação que já chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em nota, a Organização dos Estados Americanos (OEA) reforçou que tem acompanhado o aumento dos registros de assassinatos no país, evidenciando que os grupos afro-colombianos estão entre os mais vulneráveis.

O não reconhecimento da diversidade afrocolombiana

Na Colômbia, assim como em outros países da América Latina, ocorreu a criação de uma narrativa que fala da mestiçagem: ao invés de individualizar lutas e aceitar as diferenças e diversidade de cada parcela racial que compõe o país, muito se fala em uma nação composta pela “mistura” de todos. Como consequência disso, é mais difícil tratar de temas de racismo ou sequer fazer a realização de censos populacionais mais precisos.

“Houve uma luta para incluir termos como afrocolombiano, palenquero ou raizal nas pesquisas”, explica a ativista. No país, essas três categorias são usadas para classificar, respectivamente, o povo negro em geral, urbano ou rural; comunidades livres desde a época de escravização — caso semelhante aos quilombolas —; e os pretos habitantes das ilhas caribenhas de San Andrés, Providencia e Santa Catalina.

De acordo com o censo de 2018, realizado pelo Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (Dane), houve uma redução de quase 30% de pessoas que se identificaram como negras em relação ao levantamento feito em 2005. Se antes eles eram 4.311.757 de pessoas, agora 2.982.224 se reconhecem como parte dessa categoria, o que mostra um crescimento da ideia de nação mestiça e, consequentemente, um apagamento da diversidade racial.

Mesmo com a conquista do uso dos termos corretos, não foi possível chegar a uma estatística próxima à realidade por ainda não haver uma adesão. “Muitos dos profissionais responsáveis pelas entrevistas não fizeram essa pergunta. Com isso, houve uma diminuição de mais ou menos 1,3 milhão de pessoas que se autodeclararam negras”, denuncia Garzón.

Imagem mostra mulheres afro-colombianas em ato na cidade de Cali. Na Colômbia, violência é maior contra os negros

Mulheres afro-colombianas participam de protesto em Cali, no mês de maio de 2021. Foto: Cindy Muñoz Sánches

Violência: o elo entre o ontem e o hoje

O processo de formação política na Colômbia nasce a partir da violência e são acontecimentos essenciais para a formação de lutas armadas agrárias, guerrilhas e grupos paramilitares. Os principais fatos históricos que corroboram essa afirmação são a Guerra de Mil Dias (1899-1902) — marcada pela disputa de poder entre liberais e conservadores — e o assassinato do líder de oposição Jorge Eliécer Gaitán em plena luz do dia na capital do país. A execução desencadeou uma série de protestos instantâneos conhecidos como Bogotazo (1948) e um período histórico chamado de La Violencia (1948-1958). Junto a esse contexto, tem também o crescimento do narcotráfico a partir da década de 1970.

Esse levantamento histórico é importante para entender um dos principais problemas sociais da Colômbia: o de refugiados dentro do próprio país. São cerca de 5,6 milhões de colombianos em situação de migração forçada devido aos conflitos armados, segundo o Observatorio Global del Desplazamiento Interno (IDMC).

A migração forçada é o principal motivo de denúncias de violência registradas pela população negra, seguida de ameaças e homicídios, respectivamente, de acordo com dados de 2017 do Registro Único de Víctimas (RUV). Entre as pessoas em refúgio dentro da Colômbia, 12,3% são negras e destas, 98,1% estão abaixo da linha da pobreza, segundo informações divulgadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

As áreas que mais registram vítimas afro-colombianas são os departamentos de Nariño, Chocó, Valle del Cauca, Antioquia e Cauca e os municípios Buenaventura, Tumaco, Quibdó, Turbo, El Charco e Riosucio. Essas regiões também estão entre as mais negras, as mais pobres e as mais negligenciadas pelo Estado colombiano.

Chancela do Estado

Na Colômbia, pessoas de peles mais escuras têm 2,76 vezes mais chances de serem abordadas pela polícia e 2,56 vezes mais de probabilidade de serem detidas. É o que mostra o informativo “Abuso policial y discriminación racial hacia afrodescendientes”, da Ilex. O mesmo relatório mostra que pessoas negras são revistadas 15% a mais, além de receberem mais multas.

Quando se trata de casos de abuso policial que levaram ao óbito das vítimas, às vezes é difícil chegar a dados concretos. O mais representativo deles, o do advogado Javier Ordóñez, acendeu a chama dos protestos, especialmente em Bogotá, mas é apenas a ponta de um iceberg que é, aos poucos, revelado.

“Há muito perfilamento racial, mas o que ocorre na Colômbia é que muitas mortes negras estão sub-registradas”, comenta Yannia Sofía. Segundo a ativista, o movimento negro colombiano é fundamental para a documentação das mortes, que ainda são naturalizadas no páis latino-americano.

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