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Hospital de Campinas tem rotina de práticas racistas contra gestantes negras

Segundo relatos coletados pela Alma Preta Jornalismo, equipe médica do hospital trata com menos importância pacientes negras; na semana passada, uma das gestantes quase teve o parto negado por conta de penteado afro nos cabelos

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Getty Images

Imagem mostra gestante negra com as mãos na barriga. Ela usa um top preto e uma calça na cor cinza.

26 de abril de 2021

O Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, é considerado pelo governo do estado um importante equipamento de atendimento às mulheres. Segundo relatos de pacientes e fontes ligadas à área da saúde, as mulheres e gestantes negras, sobretudo as pobres, são vítimas rotineiras de racismo e violência obstétrica na unidade hospitalar.

De acordo com relatos coletados pela Alma Preta Jornalismo, os médicos recorrentemente fazem um procedimento chamado “lâmina”, que consiste em forçar o períneo da gestante para acelerar o processo, mesmo que a paciente se queixe de dor e desconforto. “Essa intervenção, feita em gestantes negras e pobres, é um procedimento que pode causar edema, hematoma e dor na vulva no pós- parto”, conta uma das fontes ouvidas pela reportagem. 

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As pacientes negras também são submetidas a constrangimento no momento de exames de toque vaginal. “No momento do exame se reúnem o chefe com mais dois ou três residentes para examinar a paciente e todos a tocam. Isso gera desconforto. Elas não sabem e não são informadas que têm o direito de dizer não em uma situação dessas”, detalha a fonte.

Equipe médica falou em cancelar parto de gestante negra com cabelo trançado

Débora, moradora da cidade de Cosmópolis, na região de Campinas, levou na quinta-feira (22) a filha de 22 anos para fazer o parto no hospital universitário. Na unidade, a equipe médica disse que o parto poderia ser cancelado em razão do penteado da gestante.

“Eles falaram que poderiam cancelar o parto porque ela estava usando trança. A minha filha passou uma gestação de alto risco”, conta Débora.

No dia anterior, o hospital de Cosmopólis não realizou o procedimento de cesárea por conta do alto risco e encaminhou a gestante para o centro de atendimento da universidade estadual. 

As tranças da paciente tinham implantes de fios sintéticos, o que é um fator que poderia atrapalhar o parto, mas segundo a família não era motivo para cancelar todo o procedimento. Depois que a família reclamou, o parto foi realizado. A paciente e o bebê estão bem. 

Segundo uma fonte da área da saúde, situações parecidas já aconteceram no hospital universitário. “Em casos de cabelo sintético da paciente, eles [médicos] querem tirar o cabelo sem respeitar sua origem ou até mesmo o gasto de tempo e financeiro que ela teve para colocar o cabelo. A solução para isso é isolar o cabelo com um tecido de algodão [camisola ou lençol], que protege a paciente e o cabelo sintético não conduz a eletricidade do cautério utilizado na cirurgia”, explica.

Leia também: Marcas da violência obstétrica atingem majoritariamente as mulheres negras

Ainda de acordo com a fonte ouvida pela reportagem e que conhece a rotina do hospital universitário, no local as gestantes negras e pobres recebem menos atenção dos médicos que as não negras.

“Eles escolhem as gestantes que vão receber analgésico para o parto e não oferecem a opção da cesária. Pela lei, se a gestante está com 39 semanas de gestação ela pode pedir uma cesariana, mas os médicos do Caism não acatam e conduzem um parto normal não desejado, o que pode ser traumático”, revela.

Racismo obstétrico

A parteira Nabila Pereira explica que os procedimentos médicos relizados sem autorização prévia, assim como excessos de exames desnecessários e a exigência do corte do cabelo são indicadores de racismo obstétrico. “As pessoas negras são vistas como exóticas e as pessoas brancas não”, ressalta a obstetriz.

O artigo “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil”, publicado em 2017 e coordenado pela pesquisadora Maria do Carmo Leal aborda a experiência de mulheres gestantes negras.  O estudo usou como base as informações do levantamento “Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento”, feito com cerca de 24 mil mulheres gestantes entre 2011 e 2012.

Segundo os dados,  65,5% das mulheres negras consideraram o pré-natal inadequado. Entre as gestantes brancas, esse percentual foi de 57,7%.

Imagem mostra uma mulher negra em uma manifestação com um cartaz na mão escrito: 66% das vítimas de violência obstétrica são negras

Foto: Jornal Comunicação/UFPR

“O racismo obstétrico é a violência racial que as pessoas negras sofrem. Ele é reproduzido tanto a partir da negligência como em negar a presença de acompanhante, informações e medicamento para o parto, por conta do mito do estereótipo de que a pessoa negra é mais resistente que a pessoa branca”, lembra Nabila, que também é ativista no combate ao racismo e violência obstétrica e parteira domicíliar integrante do coletivo de parteiras pretas de São Paulo.

Outro lado

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo, com o gabinete de comunicação do governador João Doria (PSDB) e com a Secretaria Estadual da Casa Civil questionando a rotina de violência racial no hospital de Campinas. 

Cinco dias após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde respondeu que a Alma Preta Jornalismo ignorou princípios básicos do jornalismo como o de ouvir o outro lado e negou que o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tenha práticas racistas em sua rotina, conforme apontam os relatos coletados.

A agência cumpriu seu papel ético e contatou a asssessoria de imprensa antes mesmo da publicação da reportagem. Confira a nota enviada pela Secretaria de Saúde: 

“O site Alma Preta ignorou o princípio básico do jornalismo, de apurar e contemplar o “outro lado” na reportagem “Hospital de Campinas tem rotina de práticas racistas contra gestantes negras”, maculando a imagem da instituição sem sequer ouvi-la. A reportagem foi publicada em 26 de abril e somente dois dias depois forneceu dados básicos sobre o caso, inviabilizando assim a consulta ao prontuário e resposta em tempo oportuno.

O Hospital da Mulher repudia qualquer ato discriminatório e em décadas de existência nunca houve qualquer registro do tipo nos canais oficiais da unidade, e está inteiramente à disposição da paciente e seus familiares se estes desejarem orientações e esclarecimentos complementares aos prestados na ocasião do atendimento ao seu caso.

A unidade desconhece um procedimento chamado “lâmina”, e trabalha somente com técnicas adequadas e previstas em protocolos nacionais e internacionais de Ginecologia e Obstetrícia.

Não foi identificada nenhuma queixa nos canais de atendimento da unidade com relação ao caso citado. A direção da unidade levantou o histórico de atendimento à gestante citada e constatou que foi respeitado um protocolo essencial para sua própria segurança: como as pessoas com adereços estéticos ou acessórios correm maior risco de queimadura durante o procedimento cirúrgico com “bisturi elétrico”, a parturiente foi orientada e esclarecida. Foi inclusive utilizado em seu atendimento procedimento alternativo com uso de pontos convencionais para fechamento da incisão, em absoluto respeito à autonomia, segurança e identidade da paciente.

Na ocasião, não houve qualquer manifestação da mesma com relação a esta conduta. O “exame de toque” é um procedimento médico rotineiro para monitorar a evolução do trabalho de parto, sendo utilizado por serviços públicos e privados para atender gestantes, sendo descabida qualquer associação de caráter étnico ou social. A presença de profissionais de saúde também respeita protocolos assistenciais.

O CAISM é referência regional para 62 municípios no atendimento de gravidez de alto risco, pacientes gestantes pré-termo (inclusive com Covid-19) e UTI neonatal. Realiza mais de 90 mil atendimentos anualmente e é habilitada como “Hospital Amigo da Criança” e integrante da “Rede Cegonha”, títulos que se mantêm após avaliações criteriosas e regulares.

O hospital reitera que não compactua com nenhum tipo de conduta intolerante, discriminatória, vexatória, preconceito racial, econômico ou religioso.”

Texto atualizado às 14h08 de 30 de abril de 2021 para a inclusão da resposta da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo.

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