Histórias de crianças e jovens negros mortos nas favelas do Rio de Janeiro em decorrencia da violência policial foram contadas por familiares e amigos ao longo da audiência pública do STF (Supremo Tribunal Federal) presidida pelo ministro Edson Fachin nesta sexta-feira (16).
Junto com os comoventes relatos de violência e mortes foram apresentadas propostas para um plano de redução da letalidade policial. Dados apresentados na audiência indicam que desde junho de 2020, quando o STF determinou que as operações policiais só podiam ser realizadas em causa “excepcional”, ocorrem 501 operações, sendo 41 delas com algum indício de crime praticado por agentes do Estado.
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“Foram feitas 82 representações para que esses casos fossem investigados”, afirmou Thiago Veras, representante do Ministério Público do Rio.
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O Ministério Público é o órgão que tem a função constitucional de investigar a ação policial. No entanto, as entidades civis apontaram que a violência policial contra negros e pobres não rem diminuido e é incentivada pelo Estado.
“Para eles não basta prender, tem que matar o corpo do jovem negro. O atual governador do Rio de Janeiro [Claudio Castro] descumpre a decisão judicial da Suprema Corte, que é a última trincheira que os territórios favelados têm para recorrer. O presidente [Jair Bolsonaro] também tem uma política que prega o armamento em massa, ao invés de pregar o saneamento, a construção de creches e postos de saúde dentro das favelas”, sustenta o advogado Marcelo Dias, representante do MNU (Movimento Negro Unificado) junto com o advogado Djefferson Amadeus.
A audiência também abordou os registros de ‘auto de resistência’ que livram os policiais da responsabilidade sobre os assassinatos durante as intervenções nas favelas com carros e helicópteros blindados, os chamados ‘caveirões’.
O ministro Fachin afirmou que o debate foi importante para traçar medidas objetivas para mudar uma cultura que, segundo ele, decorre de um “estado de coisas completamente contrário à Constituição brasileira”.
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Como reduzir a letalidade policial?
Os palestrantes sugeriram como medidas que podem reduzir a violência policial a ampliação de mecanismos de controle externo nas polícias, a proibição de ações no horário noturno, autonomia dos órgãos de perícias, proibição de operações perto de escolas, transparência nas regras para criação das operações, reforço no treinamento dos agentes de segurança pública, além do fim de operações com helicópteros e atiradores disparando tiros aleatoriamente nas comunidades.
“Estamos com medo da polícia. Vivemos sob ameaça por sermos pobres e negros. A polícia mata nossos filhos e netos negros. É um genocídio programado e desejado pelo Estado”, pondera Eliene Maria Viera, do Movimento Mães de Manguinhos.
Outra proposta apresentada foi a instalação de um plantão 24 horas por dia no Ministério Público para receber denúncias de violência policial. A audiência será retomada na segunda-feira (19).
A audiência foi convocada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, de relatoria do ministro Fachin, também conhecida como ADPF das Favelas. Em agosto do ano passado, o Plenário do STF confirmou a liminar para determinar que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia de Covid-19, devem ser restritas aos casos excepcionais e informadas e acompanhadas pelo Ministério Público.