Depois de um mês hospitalizado, o bailarino e coreógrafo Ismael Ivo perdeu a luta contra a Covid-19 aos 66 anos. O artista negro, nascido na Zona Leste de São Paulo, teve forte atuação na expansão de projetos de dança no estado e atuou em grandes festivais da Europa.
Para os que conviveram e trabalharam com Ismael, o ensinamento deixado é de continuidade. “Os artistas pretos que trabalham com dança são os corpos que estão reverberando a arte dele”, conta o professor Thiago Arruda Leite.
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A história de Ismael com a dança começou nos anos 70 no Brasil e ganhou notoriedade internacional em 2000, quando o artista se tornou diretor artístico do ImPulsTanz, Festival de Dança da Bienal de Viena. “Eu conheci ele através da mídia alemã”, conta a diretora de cinema Sabrina Fidalgo, que relembra a presença constante do coreógrafo em programas culturais, revistas e jornais europeus.
“Fiquei muito feliz ao saber que ele era diretor do Teatro Nacional da Alemanha, em Weimar. Ele foi o primeiro artista negro e estrangeiro a ocupar esse posto”, relata Sabrina. Para quem acompanhou de longe as três décadas de trabalho no continente europeu, o legado deixado pelo artista é de “imensurável genialidade e amor pela arte”, afirma a diretora.
Saindo do meio artístico da Europa, o coreógrafo voltou para o Brasil como diretor do Balé da Cidade, destaque entre as cias artísticas na América do Sul.
Energia de trabalho e amor pela dança
A forma como Ismael é descrito por colegas de trabalho é muito semelhante, com adjetivos que remetem à determinação, amor pela arte e fortaleza. “A figura do Ismael sempre teve muito força artística e política para viabilizar algum tipo de estrutura para que os projetos de dança acontecessem”, explica o professor Thiago.
O professoor atuou junto com o coreógrafo quando este realizava curadoria do projeto Qualificação em Artes, no interior de São Paulo. “Ele dizia que nós saímos com um saco de semente de dança, germinadas pelo interior”, conta. Das sementes deixadas para trás, ficam experiências como as vividas pelo dançarino Malcolm Matheus. “Ele está escrito na minha história e na minha dança”, declara.
Além dos solos de dança, curadoria e direção em diversos espaços da arte, a última atuação de Ismael foi à frente da direção do Theatro Municipal. “Nunca na história do Theatro Municipal você via tanto estímulo e presença de pessoas negras para assistir apresentações de dança e música, não é à toa que anos depois, você vê Emicida falando sobre isso em seu documentário”, exemplifica Thiago.
“Por ser um brasileiro, preto, dentro de grandes espaços da arte na Europa, serviu para quem está aqui no Brasil entender que também é possível”, reconhece Malcolm, sobre a atuação do coreógrafo como combustível para inspirar artistas pretos no país. Os reflexos disso se mantêm mesmo com a triste partida do artista. “É um corpo preto e periférico gritando pro mundo, e eu já ouvi isso da boca dele. A arte que Ismael trazia é contemporânea e impacta toda a sociedade”, conclui Thiago.