As vivências e conflitos internos de um jovem preto, gordo e transexual são tema do livro “Ariel – A Travessia de Um Príncipe Trans e Quilombola”, de Jared Amarante, lançado pela editora Giostri em 2021. De forma lúdica e criativa, a obra, voltada ao público infantojuvenil, aborda temas de relevância social com a sensibilidade necessária em uma sociedade marcada por opressões como racismo, gordofobia e transfobia.
O autor constrói uma narrativa acerca do menino Ariel, nomeado como Ariele por seus pais. O personagem, mergulhado em seu mundo, é levado a percorrer sua ancestralidade no “Quilombocéu”, onde se sente aceito e é coroado príncipe da paz. A ideia do escritor é mostrar a concepção do que as pessoas imaginam do céu, ou seja, uma terra de igualdade, resistência, força e segurança. Nesse espaço, o personagem enfrenta seus medos, angústias e ansiedades expressas em seus desenhos, que simbolizam suas experiências negativas na Terra.
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No decorrer da história, são apresentadas referências inspiradas na culinária quilombola, além de reflexões sobre pressão estética e amor próprio. “É uma obra cujo propósito é trazer pertencimento e autoestima aos corpos pretos, trans e gordos e, também, educar a criança que mora no adulto. Esse livro é minha contribuição na luta antirracista. É também uma denúncia de um mundo transfóbico e gordofóbico”, diz Jared.
O prefácio do livro foi escrito pelo psicólogo Welington Oliveira, especialista em Gênero e Sexualidade. Para ele, a obra também se trata de um conteúdo educativo e didático por possibilitar a compreensão sobre as identidades e expressões de gênero e orientações sexuais. “Freud tem uma frase cabal e pertinente neste diálogo com a obra literária estética: ‘seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim’. A beleza e riqueza do mundo estão na multiplicidade, tal como a variedade de cores que embelezam o arco-íris. Viva as pessoas trans, pretas e gordas, e o Ariel de cada lugar’’, comenta o psicólogo.
O fôlego da vida é concedido a Ariel pelas mãos do artista e ilustrador Nathan Henrique, homem negro e trans. Com desenhos sensíveis e que fogem dos clichês dos livros infantis, as imagens que ilustram a trama são questionadoras e únicas. Os desenhos, bem pontuais, revelam momentos marcantes da narrativa.
“Para fazer o livro, pesquisei referências, mas para uma cena específica, que é quando Ariel dança valsa, fiquei triste, pois eu não encontrava pessoas gordas dançando valsa. Foi muito difícil achar, porque ou as pessoas gordas estão em memes, ou são estereotipadas como alguém que vira piada”, revela o artista.
Com um tom também jornalístico, o livro traz ainda entrevistas de mulheres e homens trans, de diversas regiões do Brasil, que contam suas trajetórias, dificuldades e sonhos. A obra também marca o retorno do autor Jared Amarante à literatura após um hiato de quatro anos. O escritor possui cinco livros publicados e venceu um concurso mundial de poesias, em 2010.