Órgão de promoção à cultura negra, comandado por Sérgio Camargo e vinculado à Secretaria Especial da Cultura, demitiu ao menos dez trabalhadores entre março e abril
Texto / Nataly Simões e Pedro Borges I Edição / Simone Freire I Ilustração / Vinicius de Araújo
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Com a pandemia do Covid-19, o novo coronavírus, o governo federal aplicou investimentos para que as empresas mantenham seus quadros de funcionários a fim de evitar o aumento do desemprego no país. Na contramão da manutenção de empregos, a Fundação Cultural Palmares (FCP), órgão público vinculado à Secretaria Especial da Cultura, demitiu ao menos dez trabalhadores entre os meses de março e abril.
Em entrevista ao Alma Preta, dois ex-funcionários do órgão de promoção à cultura negra relataram o processo de demissão. Um dos trabalhadores demitidos é André*, que foi informado sobre o seu desligamento em abril. “Há demissões acontecendo desde que Sérgio Camargo assumiu a presidência do órgão”, afirma.
Todas as dez demissões ocorreram em meio ao avanço dos casos de Covid-19 no país. “Eu questionei meu desligamento em meio à pandemia, mas não souberam me responder o motivo”, acrescenta o ex-funcionário. Para ele, a situação só demonstra “a falta de compromisso desse governo, de respeito e empatia com os funcionários”.
De acordo com o Portal da Transparência, a Fundação Cultural Palmares possui 55 funcionários públicos que atuam no gabinete do presidente Sérgio Camargo, na gestão interna e em áreas como o Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro (DPA) e o Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-Brasileira (DEP).
O Alma Preta apurou que o órgão público possui contrato vigente com, pelo menos, doze empresas privadas para a prestação de serviços. Os trabalhadores demitidos da Fundação eram vinculados à R7 Serviços de Engenharia Eireli, empresa que havia disponibilizado 40 empregados para a atuação na sede do órgão em Brasília, no Distrito Federal, com salários de R$ 1.198,87 até R$ 3.911,22.
Segundo Lélia*, funcionária da Fundação Cultural Palmares, o cenário de demissões tem causado medo e angústia entre os trabalhadores terceirizados.
“Existe é um clima de terror, porque os terceirizados têm um vínculo frágil e eles são a maioria da instituição. As demissões prejudicam o trabalho, a relação das equipes e obviamente é uma crueldade com as pessoas”, pondera a funcionária.
Os demitidos e atuais funcionários também relataram para o Alma Preta um cenário de perseguição dentro do órgão aos trabalhadores com pensamentos políticos diferentes do presidente.
Esse ambiente tem afastado os trabalhadores terceirizados de qualquer envolvimento político e feito eles restringirem o cotidiano para execução das atribuições profissionais. Os cuidados, contudo, não foram suficientes para evitar os cortes. “Os terceirizados, na sua infinita maioria, não têm envolvimento político algum, querem distância disso por conta da insegurança que tem com o trabalho”, destaca Lélia*.
Amilcar*, também demitido, disse que as demissões coordenadas pela presidência fazem parte do novo projeto político presente na instituição. “O Sérgio Camargo só foi colocado lá porque é uma pessoa negra que fala absurdos sobre a população negra. É óbvio que ele seria a pessoa mais indicada para esse governo, que coloca pessoas totalmente contrárias aos órgãos que elas representam”, reitera.
Contrato com empresa inidônea no TCU
A reputação da R7 Serviços de Engenharia Eireli não é das melhores na administração pública, embora a empresa tenha contrato com aproximadamente outros 20 órgãos públicos, entre eles o Banco Central do Brasil e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública. No caso da Fundação Cultural Palmares (FCP), a empresa possui contrato vigente até 9 de dezembro de 2020.
Considerada inidônea, restrita de participar de licitações e fechar contratos com a administração pública, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em outubro de 2019 por ter apresentado documento falso em uma licitação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a companhia conta com aproximadamente mil funcionários e havia se declarado como “pequena”.
Em novembro do ano passado, após ser proibida pelo TCU de participar de novas licitações, a empresa recorreu e foi contratada para prestar serviços em um contrato milionário de R$ 1.323.134,64 com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, na época sob o comando de Sérgio Moro.
Demissões na contramão do governo federal
As demissões na Fundação Cultural Palmares (FCP) ocorrem em meio a algumas ações do Ministério da Economia para que o nível de desemprego no país não aumente. No primeiro trimestre de 2020, a taxa de desemprego chegou ao número de 12,2%, com 12,85 milhões de desempregados no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No dia 1 de abril, o governo federal publicou a Medida Provisória 936 voltada para o setor privado, conhecida como Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. O Ministério da Economia estima o gasto de R$ 51,2 bilhões para evitar demissões no país.
O Ministério comandado por Paulo Guedes propôs possíveis negociações para jornada de trabalho entre empregadores e funcionários com o intuito de assegurar empregos. A MP prevê três modos de redução de salário e jornada. A primeira é de corte de 25% do rendimento, com o governo arcando com 25% do seguro-desemprego, ou de 50%, com o governo bancando os 50% restantes. A terceira opção é a de corte de 70%, com o governo pagando 70% do seguro-desemprego. Há também a possibilidade de 25% da redução acordada com todos os empregados, individualmente ou coletivamente.
Em nota enviada ao Alma Preta, o Ministério da Economia destacou que o investimento de preservação de renda e emprego “não se aplica aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e aos organismos internacionais”.
O Alma Preta também procurou a Fundação Cultural Palmares e a empresa R7 Serviços de Engenharia Eireli para questionar as razões das demissões em meio à pandemia do Covid-19. A reportagem também questionou se os trabalhadores demitidos estão recebendo algum tipo de assistência, e a quantidade total de funcionários com contrato rompido durante a pandemia. Até a publicação deste texto, o órgão público vinculado à Secretaria Especial da Cultura do governo federal e a empresa privada não se manifestaram.
* Todos os nomes utilizados são fictícios e foram adotados como forma de preservar a identidade das fontes. Os nomes escolhidos são meramente ilustrativos.