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Sem auxílio emergencial, situação financeira da população negra e das periferias entra em colapso

dicampanacapajaneiro

6 de janeiro de 2021

Para economista, fim do programa de renda emergencial foi uma medida irresponsável do governo federal e que provocará um baque na população mais pobre

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nataly Simões | Imagem: DiCampana Foto Coletivo

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A última parcela do auxílio emergencial, depositada em dezembro de 2020, fechou o ciclo de um total de nove parcelas pagas pelo governo federal para pessoas de baixa renda. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, o auxílio beneficiou 67,9 milhões de pessoas e retirou, em média, 15 milhões de pessoas da extrema pobreza durante a pandemia.

Com o fim do programa, mesmo com o avanço dos casos de Covid-19 e a incerteza sobre o início da vacinação no país, as famílias brasileiras se questionam como irão suprir suas necessidades a partir de agora. O fim do auxílio emergencial prejudica principalmente a população negra, que corresponde a 75% das pessoas pobres do país, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O economista Marcos Henrique do Espírito Santo explica que a decisão do governo de Jair Bolsonaro (Sem partido) de pôr fim ao benefício prejudica a base da pirâmide social: negros e pobres, o que causa um “efeito cascata” e afeta outros setores da economia, como o comércio.

“O fim do auxílio emergencial irá ocasionar um colapso, um baque muito grande para as pessoas negras, periféricas e desempregadas. O impacto será perverso nessas pessoas, pois é a demanda que sustenta a economia. Se a população não tiver renda para consumir e comprar, todo mundo sairá perdendo. Esse mesmo governo que desaprova a extensão do auxílio é genocida com os mais pobres e eu não tenho problema nenhum em dizer isso”, avalia o mestre em Economia Política e doutorando em História Econômica.

De acordo com o Instituto Datafolha, sete em cada dez brasileiros acreditam que com o fim do auxílio emergencial a situação econômica irá piorar exponencialmente. Para a co-vereadora da mandata coletiva AtivOz, Karina Correia (PSOL-Osasco), o fim do auxílio emergencial demonstra o negacionismo do governo Bolsonaro. Segundo ela, o término do benefício é um exemplo da falta de respeito do presidente com a população negra e periférica.

“Essa é mais uma medida que mostra o quanto o governo atual age com negacionismo, tanto à pandemia quanto à luta de classe, pois em momento algum é levado em consideração o quanto isso irá gerar fome e desespero na população vulnerável. Quem tem fome, tem pressa”, salienta.

Acabou. E agora?

Para K.M*, enfermeira e moradora da zona leste de São Paulo, a situação já havia ficado difícil quando o auxílio foi cortado pela metade. Em setembro passado, as parcelas tiveram redução de 50%, passando de R$ 1.200 para R$ 600 e de R$ 600 para R$ 300).

Mãe solo de duas crianças, de seis e oito anos, e desempregada desde 2018, K.M é uma mulher negra que passou por diversas dificuldades financeiras durante a pandemia. Enquanto recebia o valor integral do benefício, a enfermeira conseguia apertar o cinto para pagar as contas e comprar alimentos. Mas quando o auxílio caiu de R$ 1.200 para R$ 600, as dificuldades aumentaram, a ponto de a energia elétrica de sua casa ter sido cortada. A mãe solo precisou pegar itens “fiado” em mercearias de bairro para conseguir levar comida para seus filhos.

Além disso, K.M relata que com o aumento dos preços dos alimentos básicos – como o arroz – o valor nutricional das refeições caiu muito. E as dificuldades não pararam por aí. O filho da enfermeira reprovou na escola porque o notebook quebrou e ela não tinha condições de pagar o conserto, assim como arcar com os custos de internet, que pesa no orçamento familiar, assim como água e luz.

“A gente economizou muito e mesmo assim as contas vieram muito mais caras do que de costume. Daí surge aquele momento em que a escolha é difícil: investir em uma alimentação digna para as crianças ou pagar as contas em dia. É muito difícil”, conta.

No início deste 2021 sem o auxílio emergencial, a maior preocupação da mãe solo é de que falte alimentos dentro de casa e que ela não consiga um emprego. “Nunca parei de mandar currículo, mas ainda assim estou com muito medo de faltar as coisas, ou até mesmo de cortarem a energia novamente. Não tenho nenhuma outra fonte de renda além do auxílio emergencial e realmente não sei como irei fazer daqui pra frente, caso não arrume emprego”, desabafa.

Caso consiga um emprego, K.M ainda se preocupa em como os filhos ficarão, uma vez que as aulas ainda não voltaram. “Se eu arrumar emprego terei que pagar alguém para ficar com meus filhos. Como fazer isso se estamos em isolamento social? É muito perigoso”, avalia.

A mãe solo só não passou por mais dificuldades por ter aberto o jogo para os amigos e familiares mais próximos. Segundo ela, a rede de apoio foi fundamental para evitar a fome e o corte do fornecimento de serviços básicos, como água, luz e internet.

De acordo com a co-vereadora Karina Correia, essas redes de apoio e proteção entre pessoas negras são fundamentais para que esse grupo não sofra mais do que já está sofrendo na pandemia. “Chego a ficar emocionada com esse apoio encontrado nas comunidades negras e periféricas, ao mesmo tempo que fico indignada por termos que chegar a esse ponto. Sem o auxílio emergencial somos nós por nós. É por isso que eu brigo tanto na Câmara dos Vereadores de Osasco”, pondera.

Manutenção do auxílio é a única saída

Para o economista Marcos Henrique, a manutenção do auxílio emergencial é a única solução para evitar que pessoas como K.M sejam mais prejudicadas durante a pandemia. O professor explica outras medidas para evitar o colapso econômico, como a extensão do decreto de calamidade “Isso daria uma margem de manobra para o governo federal continuar expandindo os gastos por meio da expansão da dívida para continuar dando sustentação à demanda”, detalha.

Segundo o especialista, cabe salientar que neste momento o mundo todo enfrenta a segunda onda da pandemia, em que as medidas de política anticíclicas – feitas pelo Estado – são fundamentais e necessárias para que as pessoas “efetivamente não morram”.

Marcos Henrique ainda sugere que se R$ 600 reais é muito, levando em consideração os argumentos do governo para o corte do programa, o ideal seria definir uma margem de gastos, não apenas cancelar o programa “de maneira irresponsável”. “O Brasil é um país que lidou muito mal com a pandemia, devido, principalmente, à uma liderança política estúpida e um presidente psicopata, que ri da morte, o que faz com que nós tenhamos um péssimo desempenho econômico e sanitário frente à essa crise”, finaliza.

* A pedido da fonte, sua identidade foi preservada na reportagem.

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