País da África tem música e gastronomia pulsantes; Bélgica pediu perdão, este ano, pela exploração do período colonial
Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Divulgação
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O rei Filipe, da Bélgica, apresentou os “seus mais profundos arrependimentos pelas feridas” provocadas durante o período colonial belga no Congo, que completou 60 anos de independência no dia 30 de junho. O pedido de desculpas público, inédito na história do país, deu-se por meio de uma carta enviada ao presidente da República Democrática do Congo (RDC), Félix Tshisekedi. O rei do país belga escreveu: “Gostaria de expressar os mais profundos pesares por essas feridas do passado, cuja dor agora é reacendida pela discriminação ainda presente nas nossas sociedades”.
“Na época do Estado Independente do Congo [quando este território africano era propriedade do ex-rei Leopoldo II], foram cometidos atos de violência e crueldade que ainda pesam na nossa memória coletiva”, assegurou Filipe, que reina desde 2013, segundo o site Deutche Walle (DW). “O período colonial que se seguiu [o do Congo Belga de 1908 a 1960] também causou sofrimento e humilhação”, acrescentou. O rei Filipe afirmou o compromisso de “combater todas as formas de racismo”: “Encorajo a reflexão iniciada pelo nosso parlamento para que a nossa memória seja definitivamente pacificada”, continuou.
Marie Reine-Adélaïde é franco-congolosa e vive na cidade de São Paulo há cerca de dois anos. Ela nasceu na França, mas os pais são congoloses e sempre frequentou o país do centro-oeste africano. Para Marie, o pedido de perdão do rei belga é um bom passo, pois há o “reconhecimento do estatuto de vítima que as pessoas não tinham durante esses anos de terror”. “É raro ver chefes de governo pedirem desculpas”, ressalta. Marie lembra, no entanto, que o mais importante seria a Bélgica pensar em reparação pelos anos em que cometeu atrocidades no país africano. “Formas de permitir que o país realmente se desenvolva sem ficar nas mãos dos poderes europeus”, afirma.
Segundo Marie, o Congo parece com o Brasil por ser um país muito rico, que o povo não pode aproveitar. “É um grande país, o segundo maior em extensão territorial depois da Argélia, com história de monarquias do Reino do Congo, que atuou em países como Angola, Gabão, Camarões, e tem uma grande influência cultural na África, assim como a Nigéria e Etiópia”, contextualiza. O Congo tem cerca de 80 milhões de habitantes e a produção petrolífera nas plataformas marítimas de Pointe-Noire é responsável por aproximadamente 80% das receitas econômicas do país. As atividades de mineração como diamante, cobre, petróleo e cobalto também são importantes para a economia do país. As riquezas, contudo, não chegam à população.
Marie lembra que o Congo era propriedade pessoal da Bélgica do rei Leopoldo II. “Era como o jardim dele na África. Isso permitiu o povo congolês guardar mais da cultura ancestral que tem seus costumes, diferente da colonização francesa, que tinha ideia de integração e impunha sua cultura e maneira de viver”, explica. Isso faz com que os congoleses preservem culturas ancestrais, com a influência banto, que também chega ao Brasil e tenham orgulho de ser quem são. “Precisamos aprender mais sobre a história africana em geral, mas sobre cada país é importante conhecer as zonas culturais, a riqueza do continente africano, não considerar a África uma só entidade”, defende ela, que dá aulas de dança Ndombolo, também conhecida como Afrocongo.
Em São Paulo, os congoleses chegam em número significativo e fazem parte da nova migração africana para o Brasil. O restaurante Congolinária do chef Pitchou Luambo traz as receitas da gastronomia do país. Pitchou publica vídeos na página do Facebook e lembrou a independência do país. “Havia exploração da borracha e da mão de obra dos congoleses. Havia atrocidades com quem não conseguia extrair a produção imposta. Por isso, no dia 30 comemoramos nossa independência”, lembra. Pitchou ressaltou ainda que até 1958 os belgas mantinham zoológicos humanos, que mantinham pessoas vindas do Congo. No restaurante que comanda, que hoje atende por meio de delivery, ele serve pratos veganos como forma de apresentar um pouco da cultura do seu país para os paulistanos. “Congolinária é a possibilidade de mostrar para as pessoas a história que os brasileiros desconhecem”, pontua.
Falamos da cultura africana (da congolesa, principalmente), da gastronomia, da situação dos refugiados. Os visitantes entram, comem e saem diferentes”, considera. Entre os pratos, destaque para pratos como o “Mix Sambusas” (pasteizinhos típicos africanos, recheados com sabores variados de vegetais), Mbuzi (Fufu de farinha de milho ou arroz acompanha couve na mwamba e banana da terra frita, Ngombe (nhoque de banana da terra ao molho de shimejo, tomates frescos e especiarias), feijoada do chef (feijão preto com legumes e mix de cogumelos, temperados com azeite de dendê e especiarias), entre outros. Além de pedir a comida em casa, o chef dá receitas no site para quem quer se arriscar a fazer em casa.
Já o cantor Rincon Sapiência lembrou a data em uma postagem no Instagram. “Hoje faz 60 anos da independência da República Democrática do Congo. Um dos processos coloniais mais infames da história, o país foi uma possessão pessoal do rei belga Leopoldo II de 1885 a 1908”, escreveu. O rapper reforça que 30 de junho de 1960 marcou a data que Patrice Lumumba assumiu como primeiro ministro e Joseph Kasavubu como presidente. “Lumumba tornou-se o primeiro primeiro-ministro do Congo independente, mas foi rapidamente destituído do poder, em setembro, e colocado em prisão domiciliar, depois do caos em que o país mergulhou após a independência. Em novembro do mesmo ano, Lumumba tentou sair do país, mas foi capturado e levado para Lumumbashi, na província de Katanga, onde foi assassinado no dia 17 de janeiro de 1961”, ressalta.
Anos depois, como destaca Sapiência, ainda se mantém muitos resquícios desse período. “Esforços de resistência não foram e não serão em vão. Viva a independência do Congo, viva Patrice Lumumba”, enalteceu.
Estátua derrubada
O monarca Leopoldo II, que anexou o país como parte de suas terras, é acusado por alguns ativistas anticoloniais de matar milhões de congoleses. Muitos congoleses foram mutilados ou mortos, quando eles ou os seus familiares não conseguiram produzir as quantidades impostas pelos colonizadores para a produção de borracha.
A estátua de Leopoldo II em Antuérpia, no norte da Bélgica, foi uma das muitas figuras de colonizadores que foram vandalizadas na sequência dos protestos que se seguiram à morte de George Floyd – o segurança morto por policiais nos Estados Unidos. A estátua teve de ser retirada de uma praça pública da cidade e movida para um museu local, o Middelheim, em 9 de junho.