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Enterro com dança em Gana que virou meme mostra que a morte é encarada de outra forma na cultura africana

6 de maio de 2020

Zezé Ifatolá Olukemi, iniciado no culto a Ifá, chamado de omo ifa, ressalta ao Alma Preta, que na tradição iorubá a morte é vista como um “rito de retorno, uma vez que existe momento ancestral que é anterior a essa vida e a matéria retorna para o lugar original que é a terra

 

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Texto / Guilherme Soares Dias | Edição / Simone Freire | Imagem /  Reprodução

O meme que ficou famoso há cerca de um mês com homens vestidos de terno e óculos carregando caixões e dançando em funerais de Gana mostra que a morte é encarada de outra forma no país africano. Mas não apenas por lá. Em outras culturas africanas os enterros são vistos como momentos de celebrar a vida da pessoa, e não somente de dor, como ocorre no Brasil. Nas religiões de matriz africana, a morte é vista como passagem, um rito de retorno, e não como fim.

Foi assim com o líder sul-africano Nelson Mandela. Quando ele morreu milhares de pessoas foram para suas casas dançar em sua homenagem. No caso de Gana, segundo documentário feito pela rede britânica BBC, “os carregadores de caixões (pallbearers) elevam o ânimo nos funerais. As famílias pagam pelos seus serviços para que se possam despedir dos seus entes queridos desta forma”. Os agentes funerais perguntam aos clientes se eles querem que o enterro tenha um “espetáculo”. “Decidi dar a minha mãe uma viagem dançante para o criador”, diz o cliente do vídeo original, que viralizou em 2015, ao som da música eletrônica Astronomia 2K19, de Stephan F.

De acordo com a CNN, a cerimônia de despedida pode durar até sete dias, atraindo milhares de pessoas enfeitadas com mantos vermelhos e pretos e joias de ouro. Por conta do isolamento social imposto pela Covid-19, o novo coronavírus, o presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, suspendeu todas as reuniões públicas em meados de março, incluindo os enterros, que foram limitados a não mais de 25 pessoas.

Apertar a mão da família do falecido é uma tradição profundamente enraizada em muitas tribos do Gana que ocorre há centenas de anos e se tornou uma parte obrigatória de cerimônias para mostrar respeito pelos mortos, diz a rainha Naa Tsotsoo Soyoo I. “Uma parte significativa dos funerais está reunindo famílias para abraçar através de apertos de mão, abraços e lamentar muito próximas umas das outras. A implicação imediata do que está acontecendo agora é que as famílias não poderão se conectar. Isso é algo que nunca aconteceu em gerações e definitivamente terá um impacto social”, disse Naa, para a CNN.

Brasil

Zezé Ifatolá Olukemi, iniciado no culto a Ifá, chamado de omo ifa, ressalta ao Alma Preta, que na tradição iorubá a morte é vista como um “rito de retorno, uma vez que existe momento ancestral que é anterior a essa vida e a matéria retorna para o lugar original que é a terra. Por isso, as pessoas de candomblé devem ser enterradas no chão para manter esse simbolismo”.

Ele ressalta que quando a pessoa morre, há culto ao espírito. “As pessoas podem oferecer comida, dar bebida, fazer festa, ritual com fotografia, lembranças sobre a vida da pessoa”, ressalta. Olukemi escreve ainda um artigo em que afirma que “supervalorizamos o espaço-tempo em que vivemos no Àiyé. Essa vivência é fração pequena diante de algo maior: toda a nossa existência ancestral”.

O omo ifá lembra ainda que “ikú (a morte) pode vir até nós e isso de fato é negativo, pois a mesma vem como ajogún, como nossa inimiga, porém, quando vamos até ela, após termos cumprido o nosso destino com êxito no Àiyé, ela nos favorecerá servindo como uma espécie de portal onde faremos uma transição tranquila e sem sofrimento”.

Ele defende, dessa forma, “que as relações que construirmos na Terra sejam boas para nos proporcionar um bom ritual de passagem e que aos nossos espíritos nos ofereçam cultos e assim nos tornemos eternos no Àiyé, assim como somos no ẹgbẹ ọrùn, na sociedade espiritual”.

Pai Francisco Borges, sacerdote da umbanda e estudioso da cultura africana no Brasil, explica que a morte nas religiões de matriz africana é uma passagem. “Tem força de transição de reencontro com ancestral, um ressignificar da caminhada”, afirma. Os ritos mortuários começam quando tem notícia da morte.

“Há troca de roupas coloridas por branco, símbolo do orixá oxalá, pai dos vivos e dos mortos, dentro do sistema cultural nagô. Dessa forma, o branco é a cor fúnebre e não preto. Todos usam roupas mais simples chamada de roupa de ração. Mulheres cobrem ombros e pescoço com pano da costa em forma de chale e todos cobrem a cabeça, homens como gorro, mulheres com turbante”, explica.

Os assentamentos do morto são retirados do altar e é colocado no chão. “Na cultura banto é um devolver as raízes. A preparação do corpo é feita pelos homens do terreiro. Em muitas casas é praticado o cortejo fúnebre, onde o caixão é levado pelo pai de santo e ogãns e demais membros vão cantando com dança de dois passos para frente um para trás. O orixá iansã em terra é importante, pois é ela que acompanha o espírito ao mundo dos mortos. É uma cerimônia muito bonita”, conta o pai Francisco Borges.

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