Todos os anos, em Benin, os habitantes locais celebram um festival em homenagem às divindades do vodum, uma religião tradicional que adora os espíritos naturais e reverencia seus ancestrais.
Cada vez mais, o festival atrai descendentes da diáspora das Américas, como brasileiros e caribenhos que buscam descobrir a religião e a terra de seus ancestrais escravizados e enviados para longe das praias da África Ocidental.
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Voodoo (ou Vodum), conhecido localmente como Vodoun, originou-se no reino de Dahomey – atual Benim e Togo – e ainda é amplamente praticado às vezes ao lado do cristianismo em cidades costeiras como Ouidah, outrora um centro comercial escravista onde hoje memoriais para o comércio de escravos estão espalhados ao redor da pequena povoação das praias.
Estima-se que 60% da população do Benim, cerca de 4,5 milhões de pessoas, praticam vodum. É semelhante a religiões surgidas na diáspora africana, como o vodu haitiano, o vodu da República Dominicana, o candomblé jeje no Brasil, o vodu da Luisiana e a santería em Cuba.
“Viemos aqui primeiro para procurar nossas origens e nos reconectar com a Mãe Terra”, disse Louis Pierre Ramassamy, 45, de Guadalupe, que esteve em Benin pela primeira vez e visitando Ouidah. Ele veio conhecer o festival Vodum, mas a sua estadia vai além disso.
Ramassamy quer seguir os passos de seus ancestrais, que foram levados de Ouidah séculos atrás e reencontrar a divindade praticada por sua avó materna.
Consultas e sacrifícios foram feitos por ele em um convento Vodoun em Ouidah para ajudá-lo a se reconectar, disse à reportagem.
“Se a sorte não sorrir para mim desta vez, voltarei em outra. Preciso dessa reconexão para meu desenvolvimento pessoal”, disse o turista à AFP, com sua câmera focada no movimento dos praticantes de vodum na imponente praia do Oceano Atlântico de Ouidah.
Dezenas de seguidores vestidos em um traje branco encaram o oceano a cada festival para prestar homenagens em Ouidah a Mami Wata, uma deusa do mar.
Acompanhados por tambores e danças, os seguidores vestidos com mantos e vestidos tradicionais coloridos assistiram aos rituais “Zangbeto” – dançarinos rodopiantes vestidos como guardiões da noite.
Perto está um arco, a “Porta sem Retorno”, em memória daqueles presos em navios negreiros da praia de Ouidah com destino ao Novo Mundo.
“Nossos ancestrais previram esse retorno dos descendentes de África. Eles são aguardados ansiosamente pelos fantasmas de nossos ancestrais”, disse Hounnongan Viyeye Noumaze Gbetoton, um dos dignitários do vodum em Ouidah.
“Quando eles voltam, é para receber bênçãos e recarregar as baterias para seguir em frente.”
A brasileira Anaica Durand disse ter passado dessa fase.
Ela conseguiu se reconectar com sua família de origem, a família de Almeida do Benin e está encantada com isso.
O dia 10 de janeiro tornou-se um momento de grande festa para ela se divertir com as canções, danças e celebrações em torno do Vodoun.
‘Identidade verdadeira’
Assim como Anaica, Alexandra Bajeux está em sua segunda passagem por Ouidah. Este ano, ela veio homenagear a divindade da Serpente, chamada de Dan.
“Todas as consultas revelaram que era o culto dos meus antepassados”, diz sorridente, com uma tanga branca amarrada na cintura.
A haitiana de 29 anos planeja se estabelecer em Ouidah para se dedicar em tempo integral a esta religião.
“Dan é a felicidade e ele é uma fonte de riqueza”, disse a jovem que jura “ter finalmente encontrado a felicidade que lhe faltava”.
“Nosso maior objetivo é que a cultura indígena nunca desapareça… Mais cedo ou mais tarde, todos os afrodescendentes voltarão ao rebanho. Isso é o que dizem nossos ancestrais”, disse Hounnongan Viyeye Noumaze Gbetoton.
Francis Ahouissoussi, um sociólogo beninense especializado em questões religiosas, explica esse apego dos descendentes de africanos escravizados como “uma necessidade natural que eles devem preencher”.
Segundo ele, muitos afrodescendentes sentem que “estão em uma busca permanente por sua verdadeira identidade”, parte da qual é abordada para alguns pelo papel do Vodum.
Para a brasileira Ana Beatriz Akpedje Almeida, parecia que ela estava conectando as divindades que ela conhecia do Brasil e de outros países e seus ancestrais.
“Acho que a maioria das pessoas da diáspora pode se conectar com esse tipo de conhecimento”, disse ela. “Voodoo é uma perspectiva sobre a humanidade”.
A visitante norte-americana Chastyl disse à AFP que também foi sua primeira vez em Benin.
“Vi tantas divindades e muita dança”, disse ela. “Eu não tenho família aqui, eles estão todos nos Estados Unidos, mas obviamente em algum lugar, nós somos daqui”.
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