Considerado ícone da luta contra a segregação racial na África do Sul e um modelo a ser seguido pelos demais movimentos antirracistas em todo o mundo, Nelson Rolihlahla Mandela, apelidado de Mandiba, completaria 101 anos nesta quinta-feira, 18 de julho.
Para o coordenador do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Juarez Xavier, a luta política de Mandela é inspiradora para o enfrentamento a todas as opressões no mundo.
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“Nelson Mandela foi o líder político mais importante do século XX porque ele foi um líder universal. Uma referência política para todos os setores que lutavam contra a repressão política, econômica e social”, afirma.
O regime apartheid foi instaurado oficialmente na África do Sul em 1948, mesmo ano em que a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou a Declaração dos Direitos Humanos. O documento era uma resposta ao momento político vivido pela Europa, continente que havia passado nas décadas anteriores por duas guerras mundiais.
“Mandela representava a rebelião da população não branca no mundo inteiro contra o status roubado desde o período da escravização por parte da civilização ocidental. A revolta dos homens, mulheres e crianças que não eram vistos como humanos até 1948”, acrescenta.
Além de Mandela inspirar as mobilizações contra o colonialismo no continente africano, Juarez Xavier lembra que o líder da luta contra o apartheid foi uma importante referência para os movimentos antirracistas que surgiram fora da África.
“O Black Power foi o movimento mais importante, do ponto de vista da sistematização política da época. A ideia do racismo institucional apresentada pelo grupo também foi levantada por Mandiba no Congresso Nacional Africano”, aponta.
Xavier acredita que Nelson Mandela sabia que o fim institucional do apartheid, em 1994, com sua chegada à presidência nas primeiras eleições livres, não representava o fim da segregação racial na África do Sul.
“Penso, no entanto, que ao negociar o processo de transição, Madiba compreendeu a importância de colocar os negros em melhores condições para futuras lutas que o país ainda vai atravessar, porque a luta antirracista ainda não terminou”, pondera.
Legado para educação
Nelson Mandela acreditava que a educação era a arma mais poderosa para mudar o mundo, como diz uma de suas frases mais famosas. Formado pela Universidade de Fort Hare, em 1951, ele se tornou o primeiro advogado negro de Johanesburgo.
De acordo com o coordenador do Núcleo Negro da Unesp, Mandela observou que a educação era essencial para o enfrentamento político contra o racismo e por isso fez uso de seus conhecimentos como advogado para desconstruir narrativas racistas.
“Ir para a universidade quando se é negro não significa se submeter ao processo ideológico da formação da universidade, mas se apropriar de conhecimentos estratégicos importantes e fundamentais para desmontar a opressão”, defende.
Ainda segundo Juarez Xavier, vale ressaltar que todos regimes autoritários tentam distanciar a educação dos mais pobres, enquanto os movimentos políticos de superação da segregação, inspirados em Mandela, fazem o oposto.
“Tanto é que manifestos de movimentos negros em todo o mundo têm a educação como um dos pontos centrais da sua luta política, caso dos Panteras Negras e do Movimento Negro Unificado (MNU)”, exemplifica.
Relação do movimento negro brasileiro com o líder sul-africano
Engajado na luta política pela libertação de Nelson Mandela desde a década de 1980, Juarez Xavier conta que o líder antiapartheid sempre foi uma de suas inspirações.
“Eu lembro que quando entrei em contato com o material do Congresso Nacional da África para um debate sobre o apartheid e fiquei apaixonado pela figura política dele”, recorda.
Madiba visitou o Brasil pela primeira vez em agosto de 1991, um ano após ser libertado da prisão. A viagem tinha como objetivo angariar apoio internacional para sua futura candidatura à Presidência da África do Sul.
A chegada do líder sul-africano mobilizou o movimento negro, mas a agenda de Mandela, com compromissos excessivos para um homem de 73 anos, precisou ser repensada por sua equipe, o que dificultou seu contato com os articuladores das lutas antirracismo no país.
Na ocasião, Xavier integrava a Coordenação Executiva Nacional das Entidades Negras do Brasil e lembra que foi difícil estabelecer contato com o líder antiapartheid durante sua passagem por São Paulo.
“Eu e os militantes que me acompanhavam tivemos que brigar para ter acesso à agenda dele. Nos mobilizamos para participar dos debates e das homenagens e conseguimos conceder ao Mandela o título de cidadão paulistano. Foi um momento extremamente importante para nós”, comenta.
Antes de ir embora do Brasil, Mandela disse ter sentido um “forte sentimento de amargura” entre os negros brasileiros e que a discriminação racial ainda existia no país.
Em memória de um grande líder
Mesmo após sua morte, em 2013, o líder sul-africano continua a ser lembrado em todo o mundo por meio de homenagens e mobilizações que carregam seu nome. É o caso da Semana Mandela, evento promovido pela Associação Palas Athena e que reúne atividades de promoção à cultura de paz e não violência.
De acordo com a articuladora da iniciativa Roseane Albuquerque, a população mundial tem muito o que aprender com o líder antiapartheid, que recebeu o Nobel da Paz, em 1993, em razão da sua atuação na luta contra a segregação racial.
“Mandela ficou 27 anos preso, em condições que desafiavam a humanidade de qualquer pessoa, mas saiu do cárcere convicto da necessidade de criar plataformas de convivência justas, aceitáveis e respeitosas para o bem estar social”, analisa.
Ela avalia que uma das maiores qualidades de Mandiba era a sensibilidade que ele tinha de enxergar a importância de estabelecer diálogos para construir um futuro promissor para todas as partes.