Apesar de dados positivos na economia e países com crescimento acima da média mundial, a África segue sendo representada através de estereótipos e com um pessimismo notável pela mídia
Texto / Da Redação
Imagem / Divulgação
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A expectativa do Banco Mundial é de que Produto Interno Bruto (PIB) da África cresça o dobro do que cresceu em 2016. Apesar do revés enfrentado por alguns de seus países de economia mais bem desenvolvida devido à queda brusca no preço do petróleo, o continente segue com uma boa perspectiva econômica para as próximas décadas.
Assim acreditam seus líderes, da mesma forma que acredita seu povo. As lideranças reunidas na União Africana, apontam em suas falas a crença no desenvolvimento das potencialidades do território africano. Já seu povo, com uma juventude cada vez mais presente, é otimista quando olha para o futuro.
A mídia, no entanto, trata dos fatos ocorridos no continente original em algumas situações específicas. É recorrente que a África seja apresentada através de pontos como epidemias, migração e guerra civis, dando menos atenção para seus fatos políticos e econômicos. Nessas situações também é comum que haja uma abordagem menos complexa, tratando a política africana como algo primitivo e sujeito à corrupção de uma forma diferente que nos países de outros continentes. Essa não é uma exclusividade da cobertura sobre a África. É possível perceber esse tratamento em relação ao Oriente Médio, por exemplo, e boa parte do resto da Ásia.
Seguindo a mesma linha, a comoção em relação às tragédias tem dimensão diferente quando acontecem fora da Europa e América do Norte. Não é possível dizer que uma tragédia seja mais importante que outras, mas o tratamento midiático leva em conta critérios de cobertura que privilegiam os problemas em países ricos.
Imagem do Congresso Africano (Foto: Departamento de Estado Americano)
Recentemente, um atentado terrorista ocorrido na Somália tornou-se uma das maiores tragédias ocorridas no mundo desde os atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Não fora o único. A Somália sofre com esse tipo de ação com certa frequência, da mesma forma que a Nigéria enfrenta um problema semelhante combatendo o Boko Haram, grupo considerado terrorista pelo país e também por organizações internacionais. Atualmente, locais como o Congo e o Sudão do Sul enfrentam conflitos armados de larga proporção, envolvendo tropas da ONU, da União Africana, dos próprios Estados e também de grupos de oposição.
Mas há também histórias de sucesso, como o crescimento da economia da Etiópia, que segue sendo umas das economia que cresce mais rápido no mundo. Segundo o Banco Africano para o Desenvolvimento da África, a economia do país cresceu 8% em 2015/2016 e deve manter essa média, atingindo 8,1% de crescimento em 2017/2018. Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), essa média é ainda maior, e pode atingir 8,5%. A economia etíope é a que mais cresce na África e também a terceira economia com maior crescimento no mundo. Nos últimos 20 anos, a economia do segundo país mais populoso do continente, atrás apenas da Nigéria, tem gerado esperança em analistas em relação ao futuro do país.
A capital,Adis Abeba, é sede do prédio da União Africana, e reúne os 55 líderes da organização multilateral algumas vezes ao ano. A Etiópia é conhecida por ter sido o único país africano a nunca ter sido colonizado. Também foi liderança na criação da primeira organização multilateral africana, que mais tarde viria a se tornar a União Africana. Além disso, o país fez uma das três grandes revoluções do continente, ao lado de Moçambique e Angola.
Permanece o pessimismo
Em discurso proferido em 2015, Carlos Lopes, então secretário executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África fez a seguinte afirmação: “Nós somos o continente que mais cresce. E não digo isso como uma hesitação. Há muita revelação estatística. Geralmente, quando se fala da Ásia, fala-se de pedaços da Ásia, quando falam é do bom pedaço deixam de lado o mau pedaço. Estou a falar de continentes. O continente que mais cresce é a África. Em termos de crescimento econômico, dos dez países que mais crescem, seis são da África. Então, não falo com nenhuma hesitação nesse tipo de afirmação. Mesmo com o último relatório do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que foi publicado há apenas quatro semanas. Portanto, essa é a realidade. E por que é que não se tem essa impressão da África? Por que que é que não se acha que a África, de fato, tem mais de positivo do que de negativo?”.
Carlos Lopes acredita que há excesso de pessimismo em relação à África (Foto: Divulgação)
O bissau guineense é uma das lideranças africanas em questão de políticas continentais. Em 2013, ele foi o único lusófono a aparecer entre os 100 africanos mais influentes. Além disso, Carlos Lopes é umas três lideranças responsáveis pela formulação da Agenda 2063, um documento que define metas de desenvolvimento conjunto para os próximos 50 anos na África. O principal nome por trás da Agenda foi a sul-africana Nkosazana Dlamini-Zuma, então presidente da Comissão da União Africana, além do presidente do Banco Africano, Donald Kaberuka.
Para Carlos Lopes, quando se fala em África, a narrativa principal foca em pontos como o Ebola, os conflitos armados e a travessia ilegal do Mediterrâneo. Para ele, há um viés de tratamento específico em relação ao continente, um viés não dispensado aos outros territórios do planeta. Ele afirma que mesmo a África tendo alguns dos melhores indicadores do mundo, há uma escolha por tratar do continente de forma estereotipada. Ele lembra que o sudeste asiático é também uma região com conflitos da mesma natureza e mantém um crescimento alto.
“E, na África, a situação é idêntica. Nós também temos conflito, mas não são conflitos que estão a impedir o crescimento de mais de 5% ao ano na última década e meia. Então temos que comparar o que é comparável. E porque que a África teve esse crescimento? O que as pessoas dizem? “Ah, por causa das matérias primas, os africanos exportam commodities e portanto houve o grande ciclo das commodities e essa é a razão principal do crescimento africano. Mentira. As commodities representam um terço do crescimento africano, dois terços vem do consumo interno. Uma situação bem parecida com a do Brasil. Não é isso que as pessoas imaginam”.
Hoje, as políticas para a África estão focadas na urbanização do continente e também em sua industrialização. Segundo o último relatório da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África, o continente tem hoje a urbanização mais acelerada do mundo, e quer utilizar esse potencial para aumentar a industrialização. O crescimento populacional africano é o maior do mundo. A expectativa é de que até 2050, os cerca de 1 bilhão de africanos de hoje, se tornem 2 bilhões. Desses, se espera que haja mais africanos vivendo em cidades do que hoje há no continente todo.
Rafael Marques, jornalista fundador do site Maka Angola (Foto: Divulgação/Maka Angola)
Em seu discurso, Carlos Lopes afirmou que as questões positivas são postas de lado no tratamento da mídia em relação ao continente africano em prol de uma visão pessimista. Citando um exemplo, ele lembrou uma previsão super inflada da mídia em relação ao surto do Ebola, em 2015. Segundo projeções de setores dos Estados Unidos, a doença se espalharia e atingiria 1 milhão de pessoas, quando, segundo Carlos Lopes, atingira até então 19 mil. Esses números foram divulgados pela imprensa do mundo todo, reproduzindo o mesmo pessimismo que deixa de lado as questões positivas em relação à África.
“E por que essa ideia não entra na grande mídia, só nas mídias especializadas? O Financial Times já diz as coisas certas. O Financial Times fez um seminário sobre o desenvolvimento da África em Londres, há seis semanas atrás, convidando a mim para ser o orador principal. Isso não aconteceria há uns anos atrás. Acontece hoje, porque querem ouvir um outro discurso, e porque acreditam que esse discurso tem fundamento. Mas não penetra a grande mídia. E não penetra a grande mídia porque a narrativa sobre a África está marcada por uma visão extremamente pessimista, e cada vez que acontece qualquer coisa essa visão pessimista é alargada ao extremo que é difícil de imaginar.”
Outro fato ignorado é o potencial de terras cultiváveis do continente. A África tem o maior potencial agrícola do mundo. Com o crescimento demográfico do planeta, a necessidade de mais terras agrícolas é um problema que a África pode solucionar. O continente abriga 65% das terras férteis não cultivadas do mundo. Nos últimos 30 anos, sua produção agrícola saltou 160%, segundo dados da Nova Associação para o Desenvolvimento da África (Nepad), corpo técnico da União Africana.
Mídia africana ativa
A complexidade da política africana só pode ser entendida pelo olhar dos cidadãos de seus países. A mídia não é completamente livre em todos o estados africanos, mas desempenha um papel crítico fundamental. Através dela, de forma crítica, é possível observar um continente cheio de complexidades, humanizando a visão sobre a política e a economia africana, mostrando um continente diverso e com pluralidade de vozes.
Um exemplo é do jornal angolano Maka Angola, liderado pelo jornalista Rafael Marques de Morais, que faz críticas ao governo do partido Movimento pela Libertação de Angola (MPLA), que recentemente trocou de mãos pela primeira vez em décadas. O presidente José Eduardo dos Santos esteve no poder por 39 anos, mas deixou a presidência, em 2017.
Mas há outros casos, como jornais em Moçambique que criticam a atuação da Frente pela Libertação de Moçambique (FRELIMO), que se envolveu em casos de corrupção ainda em 2016. Esses casos geraram conflitos dentro do país, que é polarizado entre a FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). Os dois partidos lutaram pela independência de Moçambique, e hoje se antagonizam na disputa do poder político no país.
À época, o Alma Preta conversou por email com um jornalista moçambicano sobre a questão. Adérito Caldeira é editor do jornal A Verdade, uma mídia independente que atua dentro do país cobrindo o dia-a-dia da política do país lusófono. Adérito acredita que a Renamo busca democratizar as relações no país, e acredita que o processo eleitoral tem sido realizado de forma enviesada: “O partido Renamo afirma estar a lutar por uma democracia mais verdadeira e que resulte em melhores condições de vida para os moçambicanos, que são alguns dos problemas reais. Além das eleições que acontecem de forma a perpetuar o partido Frelimo, pois estão viciadas para permitir a sua vitória, as instituições do Estado funcionam condicionadas pelo partido no poder”. A FRELIMO comanda o país desde 1975, quando Moçambique se tornou independente de Portugal.