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Proposta de Trump de revogar a política de cotas é um retrocesso para negros americanos e brasileiros

11 de julho de 2018

Revogação da medida nos EUA pode impactar de maneira negativa a política de cotas no Brasil

Texto / Pedro Borges
Imagem / Getty Images

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Donald Trump, presidente dos EUA, anunciou que não quer mais a utilização do critério de raça nos processos seletivos universitários. Se confirmada, a proposta é um retrocesso para a luta dos afro-americanos, que conseguiram avançar com as cotas raciais no país nos anos 1960, ainda durante as manifestações pelos direitos civis.

Trump pede a revogação das cotas raciais e não oferece nada em troca para a comunidade negra, ainda vítima do racismo estrutural. Os números apontam que os afro-americanos, mesmo representando 12% daquela sociedade, ocupam 40% dos presídios no país, segundo a Universidade de Stanford.

A medida, porém, não impacta só os norte-americanos. Basta lembrar que ações afirmativas foram adotadas em diversas nações, como Índia, Malásia, África do Sul, Argentina, Cuba, Austrália, Canadá, Nigéria, Brasil, entre outras.

Independente das singularidades da política em cada país, a revogação de Trump repercute em todas iniciativas que visam diminuir as desigualdades sociais, raciais, étnicas e de gênero no mundo por meio da inclusão em espaços públicos, como as universidades.

As contundentes disparidades raciais, o comum histórico escravista e a existência de movimentos antirracistas, características do Brasil e dos EUA, sugerem maior impacto da proposta por aqui.

Prova disto é a influência direta do debate norte-americano sobre ações afirmativas no Brasil.

A primeira vez que que o termo “ações afirmativas” foi utilizado foi em 1961, quando o então presidente John Kennedy buscava a inclusão de negros no mercado de trabalho. Na sequência, ainda na década de 1960, a Universidade da Califórnia, uma das principais instituições públicas norte-americanas, admite as cotas raciais.

Até dezembro de 1994, a Universidade da Califórnia chegou a ter 21% dos calouros provenientes de minorias raciais, como a negra e a asiática.

O impacto da medida de Kennedy e da Universidade da Califórnia nos EUA logo reverberou no Brasil, com o Ministério do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho manifestando apoio à criação de uma lei que incentivasse um número mínimo de funcionários de “cor”. Apesar da indicação, a lei não foi elaborada.

A primeira proposta de lei veio anos mais tarde, em 1983, com o projeto do deputado federal e ativista do movimento negro Abdias Nascimento, que exigia a reserva de 20% de vagas para mulheres negras e 20% para homens negros entre os candidatos selecionados no serviço público. A medida, porém, não foi aprovada.

Abdias do Nascimento (Imagem: Luiz Paulo Lima)

A primeira proposta a surgir, ser votada e aprovada ocorreu somente no início dos anos 2000, quando o Rio de Janeiro decidiu reservar cotas raciais, a partir do vestibular de 2002/2003, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), uma das principais do país.

A USP, mais importante universidade brasileira, só adotou cotas raciais em 2017. Até então, a disparidade entre negros e brancos era enorme. Em 2010, antes de adotar a medida, a USP teve entre os seus ingressantes apenas 12% de alunos negros, mesmo com a população preta e parda sendo mais de 50% no país e cerca de 37% no estado de São Paulo.

O perigo da influência negativa da proposta de Donald Trump sobre o Brasil vem acompanhado da tendência mundial do crescimento de figuras conservadoras, como o próprio presidente dos EUA, e o candidato à chefe do executivo no Brasil, Jair Bolsonaro (PSC), figura que respalda seu discurso na retirada de direitos dos grupos marginalizados.

O avanço do campo conservador e racista, expresso no legislativo pela bancada do boi, da bala e da bíblia, tende a se aproveitar da proposta de Trump com objetivos bastante óbvios.

Jair Bolsonaro (Imagem: Agência Brasil)

Quando se revoga a política de cotas e não se oferece nenhuma contrapartida de acesso para a população negra, está expresso o desejo de manter o único serviço público de qualidade utilizado pela elite e classe média brancas do Brasil, a universidade pública, nas mãos desses segmentos. Vejam que no país, esses dois agrupamentos não se utilizam mais da saúde pública, transporte coletivo, entre outros serviços.

Avançar sobre as cotas é atacar uma das iniciativas construídas pelo movimento negro há décadas como forma de reparação histórica. A entrada de jovens negros na universidade não resolve todos os problemas dos afrodescendentes, mas possibilita uma série de elementos interessantes em médio e longo prazo.

Se foi a universidade que ajudou a cristalizar teorias racistas, como a de Nina Rodrigues, que colaborou para caracterizar o negro como criminoso, cabe à universidade, agora com jovens negros periféricos, produzir teorias disruptivas com relação ao senso comum.

Em dois anos de governo Temer, conseguiu-se retirar uma série de direitos trabalhistas, como a CLT, e esvaziar programas sociais, com a PEC do teto dos gastos públicos. É preciso se atentar e resistir para não haver retrocesso de décadas de luta do movimento negro em quatro anos de gestão conservadora.

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