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Refugiados em Camarões criam programa de rádio sobre vivências do deslocamento forçado

Projeto foi pensado a partir do questionamento de “quem melhor para falar sobre refugiados do que eles mesmos?”; o programa 'Bom Dia, Yaoundé' serve ainda como inspiração para jovens repórteres

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Acnur

Gravação do programa "Bom Dia, Yaoundé", feito por refugiados em Camarões

19 de outubro de 2021

Um grupo de refugiados que residem em Camarões, na África, elaborou um programa de radiojornalismo voltado à conscientização sobre deslocamento forçado no país e histórias de refúgio. Denominado ‘Bom Dia, Yaoundé’, o projeto é apoiado pelo Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Acnur.

Segundo informações do órgão, a ideia surge a partir da questão ‘quem melhor para falar sobre os refugiados do que eles mesmos?’ “Muitas das pessoas que fazem parte da iniciativa foram frequentemente abordadas por organizações não-governamentais e pela mídia para falar sobre os problemas que enfrentavam como refugiados. Elas decidiram que era hora de narrar sua própria história”, diz o Acnur.

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O Conselho Internacional de Organizações de Rádio e Televisão de Língua Francesa (CIRTEF) ofereceu a formação aos refugiados voluntários. O programa dura, em média, 26 minutos e inclui reportagens e entrevistas em estúdio. O ‘Bom Dia, Yaoundé’ vai ao ar na principal estação de rádio pública de Camarões, e o projeto logo se expandirá para outros países africanos de língua francesa, segundo a agência.

Atualmente, Camarões acolhe cerca de 400 mil refugiados, sendo a grande maioria centro-africanos, alojados na parte Leste do país. Além disso, em média 100 mil nigerianos também recebem asilo na nação, a fim de fugir da violência de grupos jihadistas.

Histórias

Um dos apresentadores do ‘Bom Dia, Yaoundé’, chamado Emmanuel Ambei, afirmou ficar emocionado ao coletar histórias de outros refugiados para o programa. De acordo com informações do Acnur, muitos relatos lembram o apresentador da própria trajetória, de quando ele era apenas uma criança no Chade. Seu pai foi acusado de apoiar rebeldes e quase morreu há 18 anos, fato que fez a família fugir para Camarões e nunca mais se sentir segura para regressar à terra natal.

“Sou um refugiado que vive em uma área urbana. Nós, refugiados, estamos todos conectados, mas temos estilos de vida diferentes. Eu claramente não tenho os mesmos problemas que um refugiado que vive em um campo. Na cidade, temos mais oportunidades em termos de educação, saúde e trabalho”, avalia Emmanuel.

Recentemente, no campo de refugiados de Gabo, no leste de Camarões, Emmanuel trabalhou ao lado de Levys Bangakpan e Mabel Coradim, também da África Central. Todos são denominados ‘refugiados urbanos’, ou seja, que vivem em Yaoundé. A visita ao campo de refugiados para coletar histórias e levantar as informações importantes para o programa foi uma novidade para os profissionais.

Experiências e inspiração

Durante a visita ao campo de refugiados rurais, “Emmanuel capturou cuidadosamente os sons do ambiente: os gritos animados das crianças, as chamadas insistentes dos vendedores ambulantes e a agitação do mercado do campo”, segundo a agência.

“Ele e sua equipe, então, gravaram as vozes muitas vezes tímidas dos refugiados. Enquanto caminhavam ao redor do campo, passando pelas casas de tijolos, eles aprenderam que lá a vida é difícil e o trabalho é escasso. Mesmo assim, houve um sentimento de boas-vindas e a equipe foi seguida por crianças curiosas”, relata o Acnur.

Na data, os profissionais do ‘Bom Dia, Yaoundé’ retratavam uma operação de repatriamento, que levaria para casa 1.500 refugiados centro-africanos. Os repórteres seguiram os comboios, mas primeiro entrevistaram o chefe do campo de Gado, Martin Sodea Azia, que veio se despedir dos que estavam partindo. “Éramos uma grande família. Dói muito vê-los partir. Recebemos eles de todo o coração. Que eles voltem e vivam em paz”, disse Azia.

Ao chegar ao posto fronteiriço de Garoua Boulai, entre Camarões e a República Centro-Africana, os repórteres Mabel e Levys não deixaram de pisar em sua terra natal para uma selfie, mesmo com medo. “Eu amo meu país, mas tenho sentimentos mistos ao colocar os pés lá novamente depois de sete anos de exílio. Quando penso em voltar, vivo o trauma que me levou a fugir”, explicou Levys. O episódio citado pelo repórter foi a guerra civil que acometeu sua terra natal.

Contudo, reportar histórias de outras pessoas inspirou os jornalistas iniciantes. Mabel Coradim afirma que graças à iniciativa ‘Bom Dia, Yaoundé’ encontrou uma vocação. “Aproveitei a oportunidade primeiro porque sou tímida por natureza e queria me desafiar. Ir para os campos, ver as necessidades dos meus irmãos e irmãs refugiados, me fez começar a nutrir a ideia de trabalhar no campo humanitário”, explica.

Graças ao seu trabalho no ‘Bom Dia, Yaoundé’, ela agora está concluindo um mestrado no Instituto de Relações Internacionais de Camarões. “Quando terminar, no final de 2021, vou seguir a carreira de trabalho humanitário”, finaliza Mabel.

Leia também: ‘Países africanos são os mais atingidos por mudanças climáticas’

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