Etiópia constrói a maior barragem hidrelétrica do continente africano; outros países temem mudança no rio
Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Eduardo Soteras/AFP/ Getty Images
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O Rio Nilo, conhecido das histórias sobre o Egito antigo e chamado de “rio eterno”, é o centro da disputa entre Etiópia, Sudão e Egito. A Etiópia constrói a Grande Represa Renascença Etíope, uma das maiores barragens hidrelétricas do mundo e a maior do continente africano, na qual investiu US$ 4,6 bilhões na bacia do Rio Nilo Azul e que deve reter mais de 14 milhões de metros cúbicos de água.
Em declaração à Organização das Nações Unidos (ONU), o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, afirmou que o país não tem “nenhuma intenção” de prejudicar Egito e Sudão com a enorme represa hidrelétrica e disse que o objetivo é tirar milhares de pessoas da pobreza.
Segundo a agência Deutche Walle (DW), a Etiópia articulou as suas ambições de desenvolvimento econômico sobre a barragem, descrevendo-a como uma linha de vida crucial para retirar milhões de pessoas da pobreza. O Egito, que depende do Nilo em mais de 90% do seu abastecimento de água e que se debate com um elevado problema hídrico, teme um impacto devastador sobre cerca de 100 milhões de pessoas.
Por seu lado, o Sudão, que também depende do Nilo para ter água, desempenhou um papel fundamental na união dos dois lados após as negociações ocorridas em fevereiro e intermediadas pelos Estados Unidos falharem. Tanto Egito quanto Sudão temem mudanças na vazão do rio.
Em entrevista à Associated Press, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Etiópia, Gedu Andargachew, afirmou em julho que o país começaria a encher a barragem de forma unilateral, após as conversações com o Egito e o Sudão não avançarem. A promessa foi cumprida dias depois. Encher a barragem sem acordo pode levar o impasse a um nível crítico e tanto o Egito como a Etiópia sugeriram medidas militares para proteger os seus interesses. Especialistas temem que um colapso nas negociações possa levar a um conflito.
Os pontos de discórdia nas conversações foram a quantidade de água que a Etiópia vai liberar da barragem, se ocorrer uma seca de vários anos, e como a Etiópia, o Egito e o Sudão resolverão divergências futuras. Egito e Sudão apelaram à intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) na crise que já dura alguns anos.
O presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, expressou receio sobre o projeto ao discursar na ONU, no dia 24 de setembro. “O Rio Nilo não deve tornar-se monopólio de um único estado. Para o Egito, a água do Nilo é uma questão existencial. No entanto, isso não significa que queremos prejudicar os direitos de nossos irmãos e irmãs, com quem compartilhamos a bacia do Nilo”, declarou Sisi, conforme relatou a agência Reuters.
Repercussão
No começo de setembro, a agência Associated Press (AP ) divulgou informação de fonte do Departamento de Estado dos EUA de que o governo está suspendendo parte da ajuda à Etiópia por causa da “falta de progresso” nas negociações do país com o Egito e o Sudão sobre a Grande Represa Renascença Etíope.
A ação dos EUA foi uma rara intervenção direta do presidente Donald Trump sobre uma questão na África, um continente que ele não visitou como presidente e que quase nunca menciona em público.“A decisão de ‘pausar temporariamente’ alguma ajuda a um aliado importante da segurança regional reflete nossa preocupação sobre a decisão unilateral da Etiópia de começar a encher a barragem antes que um acordo e que todas as medidas de segurança necessárias estivessem em vigor”, reiterou um porta-voz do Departamento de Estado.
O Papa Francisco chegou a se manifestar sobre a disputa. “Acompanho com particular atenção a situação das difíceis negociações sobre a questão do Nilo entre o Egito, a Etiópia e o Sudão. Convido todas as partes a continuarem no caminho do diálogo, para que o ‘Rio Eterno’ continue a ser uma linfa de vida que une e não divide, que alimente sempre a amizade, prosperidade, fraternidade e nunca a inimizade, incompreensão ou conflito. Que seja o diálogo vossa única opção, para o bem de vossas queridas populações e de todo o mundo”, pontuou Francisco no Angelus da Assunção, em 15 agosto.