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Evento em Bauru discute a solidão da mulher negra

11 de abril de 2016

Texto: Greice Luiz / Foto: Greice Luiz

 Greice Luiz, jornalista e uma das organizadoras do Turbantasso em Bauru, SP, relatou as suas impressões sobre o debate Solidão da Mulher Negra

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A solidão da mulher negra inflama todos os dias. Sendo assim, é necessário promovermos movimentos afirmativos para fortalecer a nossa identidade. Se reunirmos uma dezena de mulheres negras de todas as gerações, certamente o histórico e experiências serão semelhantes, porque a nossa sociedade reproduz, realimenta e reforça os mesmos valores e condições em que a mulher negra deve permanecer na sociedade.

Há 128 anos a abolição foi o corte das correntes, o grito de liberdade, esperança, sonhos e ao mesmo tempo o medo do futuro incerto. Muitos escolheram permanecer na fazenda trabalhando, outros foram para o mundo lutar a sua tão sonhada liberdade, mas na verdade a princesa Isabel “determinou” a abolição e esqueceu-se de realizar um planejamento para acolher os negros que foram roubados da mãe África.

Você há de concordar que os negros foram trazidos da África em péssimas condições, foram escravizados, mortos e sofreram tortura de várias maneiras.

Como após a liberdade o Estado não tinha nenhum planejamento para reorganizar a sociedade? Após a abolição o correto seria que o Estado acolhesse esta população com moradias dignas, saúde, educação, profissão, enfim, uma estrutura que recebesse os negros, porque já haviam lhes roubado todo tipo de sorte. O mínimo seria este planejamento, mas como isto não aconteceu até os dias de hoje, a sociedade permanece estagnada quando o assunto é direitos iguais.

Foto3Se nesta época os negros recebessem tratamento digno, certamente não teríamos este grande número de favelas, falta de oportunidades e conflitos sociais como nos dias de hoje. Quando não existe investimento em educação, é obvio que todos lutam para sobreviver e neste caso a violência atinge a todos. Se lhes é negado o direto de ter escolas de qualidade, moradia, saúde, cultura, entre outros, o caos atingirá toda a sociedade e não adiantará apontar o dedo sobre aquele que vive à margem da sociedade. Fica claro que enquanto o país permanecer apático com estes problemas sociais, conservaremos a tortura psicológica que vaga pelo ar atingindo negros e não negros.

Neste caso a solidão da mulher negra atinge vários aspectos. Por exemplo, desde a infância a falta de representatividade nos brinquedos e contos de fadas (todas as personagens não negras possuem final feliz). Na escola, em período de ensino infantil, fundamental e médio a verdadeira história do negro no Brasil é excluída, a luta e vida de Zumbi, Luisa Mahin, Dandara, Carolina Maria de Jesus, André Rebouças, Cruz e Souza, Aqualtune, Mãe menininha dos Gantois, Tereza da Benguela entre vários heróis e heroínas que lutaram por justiça, igualdade e dignidade, não são informadas causando um abismo entre a identidade do negro e a sociedade.

Se mais da metade da população brasileira é negra, porque as oportunidades são diferentes? Porque a nossa verdadeira identidade não é valorizada?

A solidão é implacável no orfanato a espera de família que aceitem as doações. É injusta quando a maioria das meninas abandonadas pelo pai são negras. Quantos hospitais públicos as mulheres negras gestantes passam pelo processo da maternidade sem apoio do companheiro, quantas mulheres deixam de acreditar no amor. Neste caso, é interessante lembrar o quanto a nossa literatura brasileira reforça algumas atitudes machistas e racistas, incentivando algumas pessoas a enxergarem a mulher negra como objeto/amoroso, não tendo o cuidado de ama-la e muito menos valoriza-la.

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Auditório da Unesp, campus Bauru

Isto não vai muito longe. No passado a mulher negra era violentada pelos senhores, depois eram usadas como reprodutoras de maneira fria, automática e cruel. Se isto não bastasse, foi rotulada em sua sexualidade como mulher desregrada, indomável e animalizada. Era usada pelo senhor reduzida a objeto sexual e sofria com ataques cruéis de ciúmes das senhoras não negras. E se isto não bastasse, em algumas obras da literatura brasileira reproduziram o conceito de que mulher branca é pra casar, mulher “mulata” para fornicar e mulher preta para cozinhar.

Conseguimos a liberdade, mas as correntes invisíveis do machismo e do racismo permanecem até os dias de hoje. Se for pra citar obras de literatura brasileira que rotula as mulheres negras ficarei horas escrevendo. Passo o desafio: faça você mesmo a pesquisa e veja como a personagem da mulher negra era vista por quem escrevia as obras. No caso do Jorge Amado a personagem Gabriela é incapaz de respeitar as normas de um casamento, na obra de Monteiro Lobato a tia Anastácia é solteirona, negra e cozinheira. No livro O Cortiço de Aluísio de Azevedo, a personagem negra Rita Baiana seduz o Português Jerônimo que tem uma vida exemplar até conhece-la. A outra personagem negra é Bertoleza, que vive nas condições de amante sendo excluída por não fazer parte da ascensão social e matrimonial. Ela então se suicida e deixa o caminho livre para João Romão.

Nestes exemplos observa que os escritores sempre colocam as condições das mulheres negras como sensuais, amantes, cozinheiras, resistente a trabalhos, enfim, rotulam o conceito da mulher negra sugerindo pra qual papel elas servem.

Infelizmente, este tipo de pensamento atinge homens e mulheres e fatalmente influenciam na hora de sermos representadas, na mídia, na indústria de beleza, mercado matrimonial, consumo, literatura, medicina, mercado de trabalho. Até os dias hoje a mulher negra sofre privações e diversos tipos de sofrimentos que precisam mais do que nunca sair da invisibilidade. A mulher negra não é vista como musa, heroína ou romântica, é uma grande passo você refletir e perceber que os fatores elencados aconteceram e permanecem no cotidiano, merecendo uma reflexão sendo um ponto de partida para novas realidades, novas histórias, contos e representatividade.

A receita ideal para conseguirmos eliminar a discriminação, o preconceito e o racismo, é o próprio individuo saber o conceito destas três palavras. O segundo ingrediente é este individuo conseguir formar professores na universidade que também possuem esta visão crítica, investindo em uma formação de qualidade para estes docentes. O terceiro ingrediente é levar para a sala de aula a verdadeira história que formou o país. Certamente teremos alunos que no futuro serão conscientes sobre a verdadeira história do país e ajudarão a prosperar esta realidade que nasceu nas mãos dos indígenas e cruelmente foi explorado e exploraram-se muitos povos causando este desiquilíbrio que atinge a todos, porque se você não é negro, têm primos, tios (as), pais, avós, ou como diz o Renan do Inquérito “É o Brasil da mistura, miscigenação, quem não tem sangue de preto na veia deve ter na mão”.

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