A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal elaborou seis recomendações que candidatos e candidatas às prefeituras devem priorizar nas eleições municipais de 2024 para garantir o desenvolvimento integral das crianças pequenas.
As propostas têm o objetivo de qualificar o debate público e orientar as políticas voltadas para a primeira infância, fase considerada crucial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
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As recomendações da fundação destacam a importância de políticas públicas permanentes e intersetoriais, com foco na institucionalização de ações para a primeira infância, ampliação do acesso e da qualidade da educação infantil, apoio às famílias, promoção da saúde materna e infantil, segurança pública desde o início da vida e combate ao racismo estrutural.
Ao propor essas diretrizes, a organização espera influenciar as propostas de governo dos candidatos e garantir que a primeira infância esteja no centro das prioridades das administrações municipais a partir de 2024.
Veja a a seguir as seis recomendações para as eleições municipais 2024:
1) A primeira infância deve fazer parte de uma política permanente
A elaboração e a implementação do plano municipal são fundamentais para assegurar a prioridade absoluta dos direitos da criança, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal, e atendem à recomendação do Marco Legal da Primeira Infância.
Com base em um diagnóstico da situação da primeira infância no âmbito local, o plano serve como um impulsionador para as políticas públicas municipais a curto, médio e longo prazos, independentemente da administração em vigor.
Além de promover o desenvolvimento das crianças no presente, o investimento em políticas públicas voltadas para a primeira infância contribuirá, no futuro, para a redução de despesas em áreas como saúde, educação e segurança.
2) Educação infantil: além de vagas, é preciso qualidade e equidade
A educação infantil promove o desenvolvimento integral da criança por meio de interações sociais, brincadeiras e cuidados. Além de proteger contra a violência e a insegurança alimentar, oferecendo até cinco refeições diárias, essas unidades desempenham um papel essencial na vida das crianças.
Entretanto, garantir uma vaga não basta; é preciso qualidade. Escolas bem equipadas, com materiais adequados e profissionais capacitados, são fundamentais para o desenvolvimento infantil. A educação infantil de qualidade aumenta em até três vezes as chances de aprendizagem ao longo da vida escolar, reduzindo a evasão e incentivando a conclusão dos estudos. Ao alcançar seu potencial máximo, a criança contribui para quebrar ciclos de pobreza e reduzir desigualdades, beneficiando toda a sociedade.
3) Cuidar da saúde na primeira infância começa na gestação
Atender às necessidades das crianças nos primeiros anos de vida tem efeitos que podem se estender por toda a vida. Portanto, é crucial aprimorar o acesso e a qualidade dos serviços destinados a gestantes, puérperas e crianças, como consultas e exames pré-natais, apoio à amamentação, vacinação e o acompanhamento integral por meio da caderneta da criança. Cada uma dessas ações desempenha um papel importante e contribui para um desenvolvimento saudável.
4) Apoio à família fortalece o desenvolvimento infantil
Para garantir o desenvolvimento saudável das crianças, é necessário mais do que cuidados com alimentação, sono e higiene; as interações afetivas desempenham um papel crucial. É igualmente importante prevenir negligência, violência doméstica e evitar práticas punitivas, como agressões físicas ou verbais.
Programas que capacitam os cuidadores a apoiar o desenvolvimento infantil geram benefícios amplos para crianças, cuidadores e a sociedade. Eles auxiliam no crescimento saudável, reduzem problemas de comportamento, evitam punições físicas e psicológicas, melhoram a saúde da mãe e da criança, diminuem o isolamento dos cuidadores e contribuem para a redução da evasão escolar.
5) Política antirracista combate desigualdades desde a infância
Crianças negras, indígenas, quilombolas e de áreas periféricas são as mais afetadas pelas desigualdades no acesso a direitos fundamentais e pela baixa qualidade de serviços essenciais, como educação infantil, saúde materno-infantil e nutrição adequada.
A discriminação étnico-racial afeta negativamente o desenvolvimento infantil, gerando consequências como: dificuldades de aprendizagem e permanência na escola; sofrimento psicossocial, incluindo depressão; rejeição da própria imagem; falta de segurança emocional, problemas de socialização e desenvolvimento de doenças crônicas.
Os municípios têm um papel essencial no combate à invisibilidade dessas populações, superando as barreiras de acesso às políticas públicas e oferecendo atendimento adequado, considerando a origem e o contexto de cada criança.
6) A segurança pública passa por cuidar das crianças
O Brasil enfrenta um grave cenário de violência contra crianças e adolescentes, com o Disque 100 registrando, em média, um caso a cada dois minutos. Para proteger a primeira infância, os municípios devem ir além dos serviços básicos, capacitando agentes públicos e criando protocolos para identificar, prevenir e responder a abusos.
A colaboração entre diferentes setores é crucial, incluindo o papel de creches e pré-escolas na detecção de sinais de violência e riscos, e a ampliação dos serviços de saúde e assistência social. Investir em políticas para a primeira infância não só reduz a violência, mas também contribui para a queda da criminalidade e diminui a necessidade de medidas compensatórias na segurança pública no futuro.
Por que investir na primeira infância?
A gerente especialista em políticas públicas e primeira infância da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Karina Fasson, destaca que investir na primeira infância é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade mais equitativa. “A neurociência nos mostra que até os seis anos de idade, o indivíduo terá 90% das suas conexões cerebrais formadas”, explica.
Ela enfatiza que as conexões cerebrais se desenvolvem de maneira extremamente rápida nos primeiros anos de vida, com até um milhão de conexões formadas por segundo nos três primeiros anos. “Essas crianças precisam de estímulos adequados, que envolvem desde a segurança física e alimentação até vínculos de afeto com seus cuidadores”, ressalta.
Além dos avanços neurológicos, Karina menciona estudos econômicos que apontam os benefícios do investimento na primeira infância. “O economista James Heckman, vencedor do Nobel, mostrou que cada dólar investido na primeira infância pode gerar um retorno de sete dólares.
Para ela, esses investimentos não só melhoram o desempenho escolar, mas também impactam a saúde, o mercado de trabalho e reduzem a vulnerabilidade social. A especialista acrescenta que tais investimentos ajudam a quebrar ciclos de pobreza, proporcionando oportunidades tanto para a geração atual quanto para as futuras.
Para a fundação, a implementação dessas recomendações deve ser um compromisso de Estado, transcendendo gestões específicas. Karina reforça que a promoção de uma cultura antirracista e a criação de políticas públicas efetivas desde a primeira infância são passos essenciais para a construção de uma sociedade mais justa.
“Esperamos que essas propostas estejam nos planos de governo dos candidatos e sejam priorizadas desde o início dos mandatos, com ações planejadas e conectadas aos instrumentos municipais de política para a primeira infância”, pontua.
Este conteúdo faz parte de uma parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para a produção de reportagens sobre a primeira infância.