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Invisibilizadas, crianças negras neurodivergentes têm infância marcada por desafios

Especialistas alertam que diagnóstico tardio e ausência do acompanhamento adequado podem afetar desenvolvimento cognitivo na primeira infância
Imagem mostra uma família negra, composta por um pai e uma mãe, que beijam o filho.

Foto: Acervo pessoal

22 de julho de 2024

O palestrante e professor de Paternidades Pretas na Pós-graduação Crianças, Adolescentes e Famílias do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Humberto Baltar, de 43 anos, é pai de Apolo, de cinco. Assim como o filho, ele é neurodivergente. 

O educador, que fundou o coletivo Pais Pretos Presentes com a esposa, Thainá Baltar, tem Transtorno do Espectro Autista, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), altas habilidades e superdotação (AHSD) e dislexia. Já o seu pequeno é autista não verbal — não se comunica por meio de gestos, expressões faciais, movimentos corporais e outros. Em entrevista à Alma Preta, Humberto Baltar relata as dificuldades e os desafios enfrentados até o diagnóstico. 

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“A dificuldade de encontrar o diagnóstico, o tratamento e informações sobre o autismo foi absoluta. Sou professor no Rio de Janeiro e na minha formação não tive informação nenhuma sobre o espectro autista enquanto educador e a gente está se preparando para acolher crianças na escola”, ressalta o profissional, que também é consultor de ESG e diversidade e inclusão.

Ele relata que sente falta de acesso a serviço especializado no Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada de saúde. “Você não encontra terapeuta específico para tratar o autismo, os pediatras em geral não conhecem o espectro autista”, conta e cita como exemplo um pediatra que atende seu filho, que mesmo localizado na Zona Sul, área rica da capital fluminense, não tem especialidade em TEA. 

O docente afirma que dentro do coletivo o qual é fundador existe um espaço para compartilhamento de informações sobre tratamento a custo popular, gratuito por meio do SUS, direitos e oportunidades para pessoas neurodivergentes. A iniciativa surgiu por conta da necessidade de famílias atípicas, assim como a dele, de ter acesso a esses conhecimentos. 

Baltar também percebe a diferença no tratamento e acolhimento de crianças negras neurodivergentes. Ele afirma que as pessoas não percebem que o  filho é autista porque não existe um olhar humanizado para crianças negras.

“A sobrecarga da parentalidade atípica é muito cansativa. No meu caso, essa responsabilidade recai ainda mais sobre mim, pois preciso buscar um acolhimento humano para o meu filho. Infelizmente, o que encontramos na maioria das vezes é uma completa invisibilização da criança preta neurodivergente”, destaca. 

Humberto Baltar e e o filho Apolo. (Acervo pessoal)

Atraso no diagnóstico afeta desenvolvimento cognitivo das crianças

O psicólogo e pós-graduado em avaliação psicológica, Victor Roberto Barradas, explica que as principais dificuldades em obter diagnóstico preciso em tempo hábil, no caso das famílias neurodivergentes, são a falta de profissionais qualificados e o tempo de espera para ter acesso aos poucos especialistas em neurodesenvolvimento, a exemplo de neurologistas infantis, psiquiatras infantis e psicólogos.    

Para o profissional, o desconhecimento e o preconceito também são responsáveis pelo atraso no diagnóstico correto. “Muitas vezes os sintomas são mal interpretados ou desvalorizados, retardando o diagnóstico. As famílias em regiões rurais ou periféricas também têm mais dificuldades em acessar serviços especializados”, destaca. 

Barradas explica que a falta de acesso a um diagnóstico rápido pode comprometer o desenvolvimento cognitivo, social e emocional de crianças e o aprendizado. 

“A incerteza sobre o diagnóstico pode causar ansiedade, estresse nas famílias e isolamento social. Sem um diagnóstico, pode ser mais difícil para a família acessar redes de apoio e serviços específicos”, elucida. 

Já a doutora em psicologia e PhD em neurociências, Leninha Wagner, fundadora da Substância Singular Psicologia Clínica, destaca a importância de ampliar a rede de serviços especializados em regiões menos favorecidas para garantir um atendimento equitativo.           

“Essas crianças podem não receber o suporte que tanto necessitam, resultando em dificuldades acadêmicas, problemas comportamentais e maior risco de problemas de saúde mental. Além disso, a ausência do diagnóstico pode perpetuar estigmas e preconceitos afetando a autoestima e a integração social”, pontua Leninha.

A doutora em psicologia explica ainda que a intersecção entre neurodiversidade, raça e etnia intensifica as dificuldades de acesso ao diagnóstico e tratamento devido a alguns fatores, a exemplo do preconceito e discriminação de crianças negras.

“Infelizmente elas podem enfrentar preconceitos que influenciam o reconhecimento e interpretação dos seus comportamentos neurodivergentes,  levando diagnósticos incorretos”, acrescenta. 

Já Barradas afirma que famílias negras frequentemente têm menos acesso a serviços de saúde de qualidade. “O preconceito e a discriminação, o racismo estrutural, também pode afetar o tratamento e a percepção das necessidades dessas crianças, adolescentes e adultos.”

Humberto Baltar brinca com o filho, Apolo, no balanço. (Acervo pessoal)

Acesso de crianças neurodivergentes ao tratamento no SUS 

O especialista ainda ressalta que os desafios para acesso ao tratamento adequado no SUS se dão por conta da falta de recursos financeiros e limitações de recursos humanos, o que pode resultar em um atendimento ineficiente. Ele pontua a necessidade de treinamento contínuo para que os profissionais de saúde possam lidar com a neurodiversidade. 

A PhD em neurociências também destaca que as famílias enfrentam dificuldades para acessar o tratamento pelo SUS. “As longas filas de espera por serviços especializados superam a oferta, resultando em longas listas de espera para consultas e tratamentos a desigualdade regional.”

Barrados informa que o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) oferece suporte multiprofissional, o que inclui o acesso a psicólogo, terapeuta ocupacional e assistentes sociais. 

“São programas de redes de apoio do SUS, o Centro de Atenção Psicossocial, que é o CAPS, atende crianças e adolescentes neurodivergentes. Algumas regiões podem ter programas locais voltados para a neurodiversidade, como os serviços de estimulação precoce, como por exemplo”, esclarece o psicólogo. 

Ainda de acordo com o profissional,  políticas públicas são fundamentais para a oferta do atendimento adequado para as crianças negras. Elas estão interligadas para a promoção do desenvolvimento de diretrizes de saúde pública, que possam abordar as necessidades específicas de crianças, jovens e adultos neurodivergentes, além do acesso a tecnologias modernas, que possam garantir que todos tenham acesso ao tratamento. 

Este conteúdo faz parte de uma parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para a produção de reportagens sobre a primeira infância.

  • Formado em Jornalismo e licenciado em Letras-Português, morador da periferia de Maceió (AL) e pós-graduado em jornalismo investigativo pelo IDP. Com experiência em revisão, edição, reportagem, primeira infância e jornalismo independente. Tem trabalhos publicados no UOL (TAB, VivaBem, ECOA e UOL Notícias), Agência Pública, Ponte Jornalismo, Estadão e Yahoo.

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