Segundo o levantamento apresentado no boletim Chacinas e a Politização das Mortes no Brasil: estudo de casos, foram noticiados 42 casos de chacina com motivação de feminicídio, cerca de 111 mulheres vitimadas em razão de serem mulheres. Em chacinas com outras motivações, foram 405 mulheres vitimadas no período de dez anos, entre 2011 e 2020.
O relatório, lançado no sábado (23), foi desenvolvido no âmbito do projeto Reconexão Periferias da Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Iniciativa Negra.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
As pesquisadoras envolvidas afirmam que os números sobre chacinas relacionadas ao feminicídio estavam ocultos em meio a outras motivações para homicídios, tais como disputas por território e confrontos com agentes de segurança, chacinas praticadas por grupos de extermínio e milícias, massacres ocorridos em presídios, entre outros.
Sobre o recorte racial dos dados, o relatório conclui que o risco de uma mulher negra ser vítima de feminicídio e homicídio é duas vezes maior do que o de uma mulher não negra. Em 2021, foram 2.601 mulheres negras vítimas de homicídio, o que representa 67,4% das mulheres assassinadas no período, uma taxa de 4,3 mulheres negras mortas por 100 mil. Essa taxa é quase 45% maior do que a registrada para mulheres não negras, que foi de 2,4 a cada 100 mil.
Principais considerações
Segundo Juliana Farias, consultora da pesquisa e professora do Departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a lógica bélica que pauta chacinas é necessariamente racista, misógina e cisheteronormativa.
“Discutir violência letal no Brasil é uma tarefa que precisa ser realizada considerando raça e gênero, necessariamente. Sem perder de vista o fato de que os homens jovens negros são os maiores alvos dessa violência armada, precisamos enxergar as especificidades de casos nos quais o maior número de vítimas eram mulheres, como parte dos casos que analisamos nessa pesquisa”, avalia em material de divulgação.
De acordo com o sociólogo e coordenador do projeto Reconexão Periferias, Paulo Ramos, o que a pesquisa procura explorar é como as mortes causadas por chacinas fazem parte de movimentações estratégicas e táticas de coletivos e grupos que buscam demonstrar poder e disputar territórios e outros recursos econômicos e simbólicos que ocorrem em todo o Brasil.
“São mortes que possuem autorias que muitas vezes são reivindicadas e assinadas. As chacinas fazem parte de um repertório de ação coletiva desses grupos, são práticas aprendidas e repassadas historicamente pelos seus membros”, diz em nota para imprensa.
Casos emblemáticos
A pesquisa se debruçou sobre dois casos de grande repercussão na imprensa: o Massacre de Realengo ocorrido em 2011, quando um ex-aluno entrou em salas da Escola Municipal Tasso da Silveira, atirando e matou dez meninas e dois meninos, e a Chacina de Campinas em 2017, quando um ex-marido invadiu a festa de fim de ano da família da ex-esposa. A tiros, matou dois homens, nove mulheres, entre elas a ex-mulher, além do próprio filho, garoto de oito anos. Os dois assassinatos evidenciam teorias masculinistas e o ódio ao gênero feminino, como justificativas para a execução das vítimas.
Durante o processo de produção do relatório, foram percebidos relatos segundo os quais os atiradores participavam de grupos masculinistas, grupos estes que, on-line, atuam de forma organizada com uma comunidade internacional, chegando a incentivar os crimes e propagar valores misóginos e de extrema-direita, portanto também racistas.