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Política de saúde da população negra deve ser estrutural, diz pesquisador

Este 27 de outubro marca o Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doenças Falciformes e o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra; datas foram instituídas a partir da luta do movimento negro

Texto: Fernanda Rosário | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Igor Santos/Secom/ Fotos Públicas

Quilombolas são atendidos por profissionais da saúde.

27 de outubro de 2021

O dia 27 de outubro traz, nacionalmente, dois importantes marcos de luta e de mobilização em prol da visibilidade e de melhores condições de saúde para a população negra, que são o Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doenças Falciformes e o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra.

Instituídas por meio da ação do movimento negro brasileiro em torno da temática, as datas buscam também promover a equidade na aréa da saúde diante do racismo estrutural e de uma realidade em que políticas públicas não são aplicadas da maneira em que foram desenvolvidas.

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Segundo Altair Lira, coordenador da área temática de saúde da população negra da Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negras e Negros (ABPN), a ideia de instituir essas datas vem da necessidade de promover ações articuladas que possam aumentar a visibilidade sobre a mortalidade das pessoas negras.

“Nós ainda precisamos estar nas ruas, nesse movimento, fazendo esse debate, porque ainda continuamos morrendo. A pandemia da Covid deixou isso muito evidente. As maiores taxas de mortalidade e as taxas mais baixas de vacinação são da população negra. Onde ocorreu o maior índice de desemprego e de fome está sendo dentro das comunidades mais pobres”, destaca Lira.

Contexto atual

Há um maior risco de pessoas negras desenvolverem determinadas doenças por motivos genéticos e ambientais, como o diabetes mellitus tipo 2, a hipertensão arterial e a anemia falciforme, que pode ser encontrada em frequências que variam de 6% a 10% na população negra, em comparação com 2% a 6% na população brasileira em geral.

Além disso, os indicadores de desigualdade social, desamparo, racismo e as taxas de mortalidade por conta da violência e da falta de acesso a serviços de saúde especializados mostram como as pessoas negras estão mais vulneráveis aos agravos em sua saúde, inclusive ao suicídio.

Os negros representaram 55% dos adolescentes e jovens que cometeram suicídio no Brasil em 2016, segundo informações do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília. Além disso, de acordo com o Atlas da Violência de 2021, a população negra representou 77% das vítimas de homicídios em 2019, o que significou que a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra.

Em relação ao atendimento materno, a pesquisa Nascer no Brasil, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), revelou que as mulheres pretas foram as mais desassistidas no pré-natal entre 2011 e 2012. Durante a pandemia, de acordo com dados do Ministério da Saúde, o número de gestantes hospitalizadas com Covid-19 era maior entre negras, sendo que 14,2% dos óbitos foram dessas mulheres.

Pensando em atender as demandas específicas dessa população, foi lançada em 2006 e instituída em 2009 a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. A iniciativa estabeleceu objetivos, diretrizes e responsabilidades em âmbito municipal, estadual e federal a fim de reduzir as desigualdade étnico-raciais e combater o racismo institucional dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, dados revelam que, até hoje, a medida não foi aplicada da maneira como foi pensada.

Um levantamento de pesquisadores da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e da Universidade de São Paulo (USP) revela que somente 57 municípios colocaram a política em prática, dentro de um total de mais de 5 mil.

“A questão é que nós temos um Estado em que o próprio discurso provoca em alguns gestores a ideia de que, ao estar fazendo uma política de saúde para todo mundo, se está atingindo a população negra. Será a equidade que vai garantir que os princípios do SUS aconteçam. O nosso desafio é fazer com que a Política de Saúde da População Negra seja estrutural”, explica Altair Lira.

Anemia falciforme

Altair Lira na feira de Saúde em 2015.

Altair Lira em feira “Saúde na Praça”, promovida pelo Conselho Regional de Enfermagem da Bahia (Coren-BA) | Crédito: Claudia Carapiá

Pensando também que o dia 27 marca a luta da visibilidade pelos direitos das pessoas com doenças falciformes, mostra-se a necessidade de se destacar a necessidade de mais conhecimento sobre essas comorbidades que têm maior prevalência na população negra.

A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias mais comuns no mundo. Segundo estudos lançados, ela é decorrente de uma mutação genética ocorrida há milhares de anos no continente africano, parte da Ásia e Europa e chegou ao Brasil pelo tráfico de pessoas negras. A doença genética é caracterizada por uma alteração nos glóbulos vermelhos que endurecem e adquirem o aspecto de uma foice, o que dificulta a passagem de sangue pelos vasos sanguíneos, além de afetar a oxigenação dos tecidos do corpo. Para ter a doença, o gene alterado precisa ser transmitido pelos pais.

Segundo a geneticista Regina Célia Mingroni-Netto, o traço falciforme, ou seja a presença do gene falciforme dentro das pessoas, tem frequência alta nos quilombos, mais do que em uma população miscigenada de cidades onde a ancestralidade europeia predomina. Regina Célia também é a investigadora responsável por um estudo iniciado no ano 2000 sobre a ancestralidade e a genética quilombola de comunidades do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo. 

“Realmente a frequência do traço falciforme é alta especialmente em algumas comunidades, o que seria esperado dado a ancestralidade africana. A gente fez uma triagem com base no material genético do traço falcêmico e todas as famílias em que foi detectado o traço falciforme receberam uma visita nossa com orientação e aconselhamento genético sobre o assunto. Depois o foco da pesquisa mudou para hipertensão essencial, porque a gente constatou nas nossas avaliações clínicas que hipertensão essencial, o sobrepeso e obesidade eram frequentes nessas populações”, destaca Regina.

Segundo Graça Epifânio, membro da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o aconselhamento médico sobre as doenças falciformes não é uma realidade em muitos quilombos pelo Brasil.

“A invisibilidade das doenças em territórios quilombolas revelam a situação dramática de não recebimento de atenção devida das autoridades públicas e dos meios de comunicação. Então, a gente ainda vive uma situação de abandono e de falta de informação perante as nossas comorbidades”, destaca Graça.

Humanização do atendimento

De acordo com Altair Lira, é preciso olhar para as demandas específicas da população negra em torno da saúde, e também para como os atendimentos a essas pessoas são feitos. “Pensar uma cidade igual é privilegiar o desigual. A população não é uniforme, tem demandas específicas e nós precisamos nos preparar para reconhecer e atender essas demandas. Sabendo reconhecer essas especificidades dentro da universalidade”, completa.

Segundo a médica Arisne Munique, para se alcançar uma maior humanização dos atendimentos, também é preciso enegrecer os espaços de saúde, pontuando a questão racial desde o processo formativo para que isso não seja negligenciado durante o atendimento.

“Acho que a formação precisa cada vez mais se aproximar da realidade da população, porque, independente de onde a gente atue, a nossa perspectiva tem que ser pensando na população. E o outro caminho é o enegrecimento da medicina e a democratização desse espaço. Isso aproxima muito mais as pessoas negras”, finaliza a médica.

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