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50 anos de um grito que ainda ecoa no Pódio Olímpico

27 de fevereiro de 2018

Em 2018, completa-se 50 anos do ato de denúncia ao racismo de Tommie Smith e John Carlos durante os jogos olímpicos daquele ano. Décadas depois, a imagem segue como uma marca da luta contra as desigualdades raciais existentes no mundo

Texto / Leonne Gabriel
Imagem / Reprodução

Nas Olimpíadas os desafios vão muito além das competições e podem se tornar raciais. Há 50 anos os atletas Tommie Smith e John Carlos fizeram um protesto silencioso que entrou para a história do esporte. Nas Olimpíadas do México de 1968, os americanos, ao subirem no pódio sem sapatos, abaixaram a cabeça e cerraram o punho com uma luva preta apontando para o alto.

Esse ato, feito no pódio durante o hino americano, faz referência ao movimento Black Power – Poder Negro – que lutou por direitos civis nos Estados Unidos, na mesma época. Talvez eles não soubessem que aquelas seriam as últimas medalhas e o fim de suas carreiras em competições de alto rendimento. Não só Smith e Carlos foram punidos, mas também o atleta australiano Peter Norman que conquistou a medalha de prata e levava no peito o botom do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos.

Ao contrário do que muitos pensam os dois atletas negros vencedores de uma das modalidades mais prestigiadas dos Jogos Olímpicos, 200 metros rasos do atletismo, não perderam as medalhas, mas sofreram uma série de sanções pelo Comitê Olímpico Americano e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), de acordo com a coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos da USP, Katia Rubio.

“O presidente do COI era o Avery Brundage, um racista. Os atletas americanos foram imediatamente expulsos da Vila dos Atletas, tiveram o visto mexicano confiscado e voltaram para os Estados Unidos. O australiano, mesmo branco, acabou sendo ‘ostracizado’ (isolado) e somente em 2012 o Comitê Olímpico Australiano fez uma mea culpa e o homenageou”.

Na década de 1960 a população afro-americana vivia momentos críticos. A grande referência para o fim da segregação racial aplicada por leis do Estado e leis locais, nos Estados Unidos, foi o Civil Rights Act de 1964.

Apesar da legislação, a prática racista continuou socialmente e estruturalmente presente, principalmente no Sul do país.

Jornal The Black Panther Corpo

Jornal dos Panteras Negras deu destaque para o ato durante os jogos olimpícos (Imagem: Reprodução)

Bobby Kennedy e o pastor pacifista e ativista dos direitos civis nos Estados Unidos, Martin Luther King, foram assassinados no mesmo ano do ato dos atletas nas Olimpíadas. O professor do departamento de Estudos da África e da Diáspora Africana da Universidade do Texas (EUA), João Vargas, conta como os movimentos sociais se intensificaram no final da década de 1960.

“Essa época representou uma confluência de movimentos de mulheres brancas, estudantes universitários, sindicatos, ativistas contra a guerra, índios, latinos e negros. Várias organizações negras, principalmente no Sul, e com viés cristão forte, opuseram-se à permanência da segregação racial e à exclusão no mercado de trabalho. Mesmo após o fim formal da segregação, as reivindicações se acirram quando jovens negros passaram a liderar organizações que questionavam a perspectiva comodista dos grupos mais tradicionais”.

O movimento olímpico se coloca como apolítico e tem como documento fundador a Carta Olímpica que estabelece os princípios fundamentais dos jogos. A carta proíbe demonstração ou propaganda política, religiosa ou racial nas instalações olímpicas. Além disso, enfatiza os princípios e valores do olimpismo e encoraja o desenvolvimento do esporte. O doutorando em estudos socioculturais comportamentais da educação física e esporte (USP), Dhênis Rosina, explica as contradições.

“A primeira questão é essa normativa que se coloca como um movimento apolítico e não estabelece relação com a geopolítica mundial, mas ao mesmo tempo é um movimento que se organiza a partir de representações nacionais. Então, percebemos um contra senso, um movimento apolítico com representações políticas. Em 1936, os jogos foram usados como instrumento de propaganda do regime nazista e na Guerra Fria passaram a ser uma forma de mostrar a potência do país acabando como um campo de disputa entre União Soviética e Estados Unidos”.

Em um documentário produzido pela ESPN, o ex-atleta Tommie Smith, que quebrou o recorde de 20s nos 200 metros rasos do atletismo nas Olimpíadas de 1968, conta a repercussão do ato e revela que muitos americanos o viram como antinacionalista.

“Foi um gesto em silêncio ouvido em todo o mundo que fez com que as pessoas começassem a entender o que estava acontecendo. Eu e John não dissemos uma palavra. A palavra que foi devorada pelas almas dos que viram o que aconteceu, a palavra era dos espectadores e não dos protagonistas. Recebemos muitos tipos de ameaças quando chegamos aos Estados Unidos”.

Em 2016 foi inaugurada uma estátua reproduzindo o momento emblemático de Tommie Smith e John Carlos no pódio olímpico, em 1968, no novo Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington DC, nos Estados Unidos.

Outros casos de ação política durante os Jogos Olímpicos

A histórica invasão soviética na Tchecoslováquia resultou na Primavera de Praga, o que motivou à ginasta tcheca Vera Cáslavská, durante a cerimônia da entrega de medalha, em um suspeito empate com a atleta soviética Larisa Petrik, abaixar e virar à cabeça para o lado oposto à atleta, no momento da execução do hino soviético.

Vera enfrentou uma série de dificuldades políticas para conseguir participar das Olimpíadas de 1968 e mesmo assim conseguiu conquistar seis medalhas nos jogos.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Olímpico Brasileiro são uma caixa preta e dificilmente liberam informações sobre as discussões dos Jogos Olímpicos. Não existe uma plataforma oficial com a história olímpica e as organizações dificilmente dão entrevistas para à imprensa, o que dificulta produzir reportagens como esta.

Jogos olimpicos 50 anos corpo

Ato é uma das imagens mais famosas dos jogos olímpicos (Foto: Reprodução)

O Professor da UERJ e integrante da Sociedade Internacional de Historiadores Olímpicos, La Martine Dacosta, aponta à falta de transparência e as contradições como um ponto negativo dos Jogos Olímpicos.

“Pierre de Coubertin a todo custo se envolvia com política, mas não teve sucesso. Uma coisa é você declarar relações políticas outra coisa é conseguir evitar que isso ocorra. O COI aprendeu a dizer que não é político e tenta inibir quaisquer manifestações dos atletas, mas isso já é uma atitude política. Durante a Guerra Fria isso foi muito discutido, porque tudo foi nos bastidores. O que passou a ser algo cínico. Para todos os efeitos de regulamentação internacional o COI é apolítico, mas na verdade a política se faz nos bastidores. O Movimento Olímpico tem esse defeito! O COI não tem transparência. Uma das razões disso é fazer política por trás dos panos”.

A primeira edição dos Jogos Olímpicos no continente latino-americano também foi marcada pelo movimento estudantil. Dez dias antes de acender a pira olímpica, estudantes que protestavam contra a ocupação militar na Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), na Cidade do México, foram mortos, feridos e presos pelo exército mexicano. O episódio ficou conhecido como o Massacre de Tlatelolco.

Imagens do ato emblemático dos atletas negros

Confira as imagens raras feitas pelo l’Institut National de l’audiovisuel sur Ina.Fr do momento exato do ato dos atletas americanos Tommie Smith e John Carlos depois de vencerem os 200 metros rasos do atletismo, nas Olimpíadas do México, em 1968.

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