Roberto Mendonça tem 47 anos e é morador da comunidade ribeirinha de Tumbira. Ex-madeireiro, profissão que exerceu por 30 anos, ele deixou para trás a tarefa de derrubar árvores na floresta para se dedicar ao turismo de base comunitária.
“Provaram para mim que a floresta em pé vale muito mais do que derrubada”, afirma o morador da comunidade que fica na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro.
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Sujeito forte, de mãos grossas, Roberto Mendonça é também um homem de sorriso e choro fácil. Ele faz aniversário no dia 9 de julho, o que o influencia a ser mais sensível por conta do signo. “Apesar do tamanho, eu sou de câncer. Sou chorão”, brinca.
Durante a imersão da Creators Academy, encontro que reuniu cerca de 50 influenciadores por 5 dias na Amazônia, foi possível notar o jeito de Roberto Mendonça, alguém sorridente e gentil. “Eu gosto de gente, eu sou motivado por ver gente feliz. Isso me ajudou muito a trabalhar com o turismo”.
Apesar do jeito delicado, Roberto teve uma vida dura. Nascido na comunidade de Santarém do Inglês, Roberto viu a distância para Tumbira se transformar. O local, a cinco minutos de lancha de Tumbira em uma viagem confortável, já foi sinônimo de longas travessias e grande esforço físico, todos os dias pela manhã. “Eu gastava três horas para chegar aqui, remando uma canoa de duas toneladas. Eu levantava com meu pai e meus irmãos, e a gente saía às três horas da madrugada, numa canoa de nove metros de comprimento”.
A comunidade do Tumbira fica localizada às margens do Rio Negro, a 64km de Manaus. A história da comunidade se inicia em 1988, quando Tumbira passou a ter uma escola para as crianças da região. A escola, a pequena igreja, em homenagem a Padroeira Nossa Senhora do Socorro, e o centro social aproximaram mais as famílias que viviam espalhadas no Igarapé da região. “Até 2010, todos nós morávamos no entorno do Igarapé, mas aqui era o centro. Não tinha muita construção, só tinham três moradores”, lembra Roberto Mendonça.
Em 2006, os moradores fizeram uma reivindicação para o governo do estado, foram até Manaus para exigir uma escola para os jovens, que fosse até o ensino médio. A demanda surtiu efeito em 2010, ano importante de virada na história do Tumbira. A energia elétrica chegou para a comunidade em 2012 e se efetivou em 2013, com o programa Luz para Todos.
A região foi uma área extrativista desde os anos anteriores à comunidade, de 1985 até 2005, lembra Roberto. José Garrido, quem hoje é homenageado com o nome da pousada da comunidade, produzia barcos de madeira para pessoas importantes na cidade de Manaus. Ele era o responsável por contratar pessoas para trabalhar na área, caso da família de Roberto Mendonça.
A vida, descrita como difícil e dura na floresta, obrigou o ainda menino a começar a trabalhar de modo oficial aos 12 anos. As memórias de labuta, contudo, são anteriores, daqueles períodos em que a memória chega a falhar.
“Eu olho para as crianças de 12 anos e não vejo estrutura física para derrubar madeira, e eu fazia. Eu nasci e cresci vendo meu pai trabalhar, e era trabalho rústico desde a infância mesmo. Desde os seis e sete anos a gente arrastava tábua para a beira do rio, já que a gente não conseguia carregar”, relata.
As dificuldades não passaram com a vida adulta, nem mesmo com o corpo desenvolvido e a estrutura “preparada” para cortar e carregar árvores. “Imagina você madeireiro dormindo no meio do mato, com sol e chuva, muitas das vezes com fome, comendo muito macaco. Tem que ter força física para mexer com madeira pesada”.
Roberto Mendonça acredita que não existe qualidade de vida para o sujeito que se lança para a vida de madeireiro. “Todo o madeireiro quer vencer com o trabalho dele, que é esforçado, digno, mas não vence porque não dá dinheiro e quando dá parece ser um dinheiro amaldiçoado”.
A “maldição” tem crescido cada vez mais, com o aumento da derrubada da floresta e destruição do bioma, importante para os moradores da região e o clima global. Em 2012, o desmatamento na Amazônia foi o maior da última década, com 10.362 km² de mata nativa destruídos, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Na comparação com 2020, quando o desmatamento havia sido o maior desde 2012, houve um crescimento de 29% para 2021.
As dificuldades impostas aos trabalhadores da madeira fazem Roberto Mendonça ter uma certeza: se tivessem oportunidade, iriam para outro ramo. “Eu te digo com toda certeza do mundo. Se perguntar para o madeireiro, se ele quer estar lá cerrando porque ele quer, se ele puder escolher, ele jamais estaria no mato”.
Com Roberto não foi diferente. Quando a oportunidade chegou, optou pelo turismo de base comunitária.
“A primeira vez que recebi um grupo de turistas em 2011, trabalhei por uma semana e envolveu umas 10 ou 11 pessoas. Paguei todo mundo. Na época a gente pagava diária de R$ 15 na madeira, eu paguei R$ 25 no turismo, e sobrou dinheiro que eu nunca tinha visto nem em 1 ano ou 2 anos de trabalho na madeira. E na época eu me espantei, ‘eu nem trabalhei, vagabundei, e ganhei dinheiro pra caramba’”. Na hora, não pensou duas vezes: “Eu vou deixar minha motosserra agora”.
Turismo na comunidade do Tumbira
O desenvolvimento da comunidade está ligado ao Fundo Amazônia, criado em 1 de agosto de 2008, por meio do decreto federal nº 6.527, com o objetivo de criar projetos na região para evitar o desmatamento. O fundo recebe 93,8% dos recursos da Noruega, 5,7% da Alemanha e 0,5% do Brasil, dinheiro apoiado pela Petrobras. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) faz a gestão do montante.
Como desdobramento do decreto, foi criado o Fundo Amazônia Sustentável, que também conta com a participação de investimentos do setor privado, como a Coca-Cola, Bradesco, entre outras companhias. A iniciativa tem quatro pilares: Geração de Renda, Empreendedorismo, Empoderamento e Infraestrutura Comunitária. Em 2010, nesta toada, foi aprovado um projeto junto com o Fundo Amazônia e o BNDES, que impactou cerca de 40 mil pessoas com o programa Bolsa Floresta.
O Fundo Amazônia Sustentável participou da criação de infraestrutura da comunidade do Tumbira, o que permitiu o fortalecimento do turismo na região. As mudanças físicas da comunidade com as novas construções alteraram a percepção de Roberto Mendonça.
“Eu achava que era um sonho vendo todas as mudanças na minha comunidade. As coisas estavam acontecendo dentro da comunidade e eu não podia cuspir no prato que estava comendo. Eu saí do mato e fui para dentro da comunidade”.
Na época, Roberto Mendonça teve dificuldade de explicar a mudança que ocorreria na comunidade para o pai, quem sustentou a família por meio do corte da madeira. “Na cabeça do meu pai, 30 anos mais velho do que eu, a reserva vinha para acabar com tudo, dizia que não se poderia tirar nada da mata. Mas tinham duas palavras que me davam esperança, desenvolvimento sustentável. Hoje nosso pai está muito orgulhoso da gente ter enfrentado isso”.
Ainda existem poucos dados sobre o turismo de base comunitária e a bioeconomia na região, conceito que amplia a possibilidade de receitas para negócios com pequeno impacto ambiental. Apesar disso, existem experiências diversas na floresta, como a pimenta Baniwa, artigo culinário de luxo desenvolvido por povos indígenas da Amazônia, e a Cooperacre, uma cooperativa de trabalhadores da área de frutas, castanhas e látex.
A região também demonstra potencial turístico. No ano anterior à pandemia, em 2019, o Amazonas recebeu 285 mil turistas nos primeiros cinco meses do ano, quantia 3,32% maior do que no mesmo período em 2018. Do total, 164 mil eram brasileiros e 106 mil, estrangeiros.
Os valores para conhecer o Tumbira são elevados para o padrão de vida do brasileiro e, ao mesmo tempo, baixos para os padrões do turismo nacional. O transporte de Manaus para Tumbira, em uma embarcação que comporta cinco pessoas, custa R$ 2 mil e pacotes de três a seis dias na região saem entre R$ 850 e R$ 1 mil por pessoa.
O turismo de base comunitária tem outros conceitos e pilares do turismo comercial, como a participação da comunidade nos processos e o respeito ao meio ambiente. Roberto acredita que a ampliação do turismo sustentável exige uma maior participação do poder público para que outras atividades sejam feitas na região e mantenham a floresta de pé, de acordo com Roberto. “Eu acho que muitas das políticas públicas têm de investir em pesquisa, na vida das pessoas, na floresta em que vivemos e é isso. O conhecimento, oportunidade, e a pessoa querer muda muito”.
O Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Amazonas não responderam os questionamentos da reportagem sobre as medidas tomadas para evitar o desmatamento e os incentivos para o turismo de base comunitária. Os Ministérios da Economia e do Turismo também não se posicionaram sobre o assunto.
Roberto hoje dedica parte da energia no planejamento de atividades para visitantes da comunidade e para manutenção da floresta no território. “Hoje eu tenho um grande trabalho de responsabilidade, de planejamento para poder ter visitantes na comunidade. Eu estou motivado por ver gente feliz”.
Ele se vê grato, e em alguns casos emocionado, por ter a oportunidade de hoje trabalhar com o turismo de base comunitária. “Às vezes a gente olha para trás para o que a gente era, e o que a gente é hoje. A valorização que a Amazônia hoje tem, apesar de ter muita gente com ganância, olhando para o seu próprio umbigo, mas a Amazônia tem muito mais a oferecer para nós. A natureza é misteriosa, mistério esse que nunca alguém vai desvendar”.
Os mistérios da natureza também colaboraram com esse processo. Sábia e observadora, enviou para Roberto Mendonça um recado. Ela sabia como mexer com aquele ribeirinho, e canceriano. Um dia, junto do irmão, Roberto derrubava árvores da espécie Itaúba.
Árvore de madeira grossa, a Itaúba, assim como outras árvores, tem um centro em que prende água e ar. Quando há o choque com a motosserra, toda a pressão é liberada, o que pode causar um ruído.
“Dessa vez quando chegou nesse centro não saiu água, vento, outra coisa que não foi um grito de “Ai”. Um grito de um ser humano. Eu não tinha entendido nada, pensava que tinha cortado alguém. Eu sempre gostei de gente, então acho que a natureza notou isso e pensou em colocar uma dor de ser humano para ver se eu tinha um toque”. Ao seu jeito, a floresta fez Roberto Mendonça se aproximar daquilo que ele ama, gente.
Serviço:
Comunidade do Tumbira
Margem direita do Rio Negro, comunidade do Tumbira, 25, Zona Rural
CEP: 69.405-000
Iranduba-AM
Telefone: (92) 99146-4667
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