Olimpíadas 2024

Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

“A juventude deve ser a protagonista das mudanças no país”, dizem lideranças das periferias

Educadores da Uneafro, rede de cursinhos populares, acreditam na importância da juventude para o combate ao racismo e às desigualdades sociais

19 de setembro de 2019

Texto / Lucas Veloso | Edição / Pedro Borges | Imagens / Talita Alves Andrade/Lentes Rosa

Wellington Aparecido Santos Lopes, 22 anos e Stefany Santos Lourenço, 17 anos, têm algumas coisas em comum. Os dois são jovens, negros, moradores da periferia de São Paulo e militantes em movimentos sociais.

Os jovens atuam na Uneafro, rede de articulação e formação de jovens e adultos moradores de regiões periféricas do Brasil. A entidade se organiza em torno de núcleos, como cursinhos pré-vestibulinhos, pré-vestibulares, pré-concursos, formação para o mercado de trabalho, cursos de formação política, de gênero, antirracista, diversidade sexual e aperfeiçoamento jurídico.

Segundo dados da organização, são cerca de 1.600 jovens estudantes de escolas públicas atendidos por ano, dentre os quais 70% acessam universidade, passam num concurso ou conseguem um emprego depois das formações.

Stefany lembra que morando na periferia começou a perceber problemas sociais no bairro. A partir daí, pensou como poderia se dedicar a melhorar a vida ali. Neste momento, descobriu a rede. “Quando eu tinha 14 anos, percebi que só a escola pública não era o suficiente para conseguir entrar em uma universidade pública até que comecei o cursinho preparatório da Uneafro”, relembra.

Atuante há três anos, hoje ela cria e realiza eventos e atividades, como capoeira, saraus, aulas de francês, cursinho preparatório entre outras atividades no Centro Cultural de Defesa de Direitos Humanos, em Poá.

No caso de Wellington, o funk e o rap sempre foram importantes para ele reconhecer as necessidades da periferia onde morava. “Essas músicas ocupam meu imaginário sobre o que é a quebrada”, define.

Em novembro de 2013, quando ainda alisava o cabelo, parte dos fios começou a cair. Certo dia, em frente ao espelho, lembrou das músicas dos Racionais e de todas as referências de homens e de histórias de vida que desejava ter. Então, no dia seguinte, raspou o cabelo como forma de resistência para deixar o cabelo natural crescer.

Ainda naquele ano, ele viu dois ativistas do movimento negro falando sobre racismo. Eram Douglas Belchior e Débora Adão dando entrevista sobre homens e mulheres não conseguirem assumir quem são, por medo de si mesmo, influenciados pelo racismo.

Esses episódios, somados a prisão de seu irmão e o assassinato de quatro amigos de infância em sua rua, o aproximaram do núcleo de educação popular da Uneafro. No primeiro dia, teve aula com Douglas Belchior, uma das lideranças do movimento. Hoje, é ele quem dá aulas.

A rede de cursinhos comunitários da Uneafro oferece, a cada ano, cerca de 2 mil vagas em cursinhos preparatórios para vestibulares, enem e concursos públicos, em 35 pontos de atendimento, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Os cursos são gratuitos e destinados a jovens e adultos da comunidade negra e moradores de periferias como um todo.

Participação no movimento social

Para Stefany, o resultado do seu trabalho melhora a vida das pessoas por meio da educação. “Eu acho de extrema importância o trabalho realizado por nós, em diversas quebradas, transformando jovens pretos e pretas em protagonistas da sua história”, afirma. “Acredito que nós, jovens periféricos, podemos ter mais representatividade”, defende.

Estudante do terceiro ano do ensino médio, ela diz perceber que o engajamento político dos jovens nas regiões periféricas tem se tornado algo mais presente. Ela aponta a internet como possibilidade para os jovens se manifestarem com mais liberdade.

Wellingtons confia que seu trabalho pode ajudar na diminuição das desigualdades sociais, muitas vezes, promovidas pelo governo brasileiro. “Tenho certeza de que podemos dirigir os processos de mudanças políticas positivas para nossas quebradas, quilombos, favelas, terras indígenas e tantos outros espaços vítimas de violações dos direitos fundamentais, com o Estado brasileiro dirigindo ou sendo co-autor do extermínio de povos historicamente violados”, argumenta.

Para o educador, os jovens são os protagonistas que o país precisa para os próximos anos, no sentido de garantir direitos às populações mais pobres. “A juventude é a linha de frente política que o conservadorismo colonial quer matar pela raiz. Mas, ‘combinaram de nos matar, nós combinamos de não morrer’”, defende. “Reinvidicamos que nosso povo precisa de grana, mas também precisamos mudar a sociedade para garantir comida para todos”.

Stefany acredita que sua aproximação com o movimento social é a maneira possível para influenciar no debate público e na política. “É construindo algo em nossas quebradas, como batalhas, saraus, cines debates, o trabalho de base em si, a maneira mais direta que temos com a política”, define.

Ela pontua que as políticas afirmativas, como a Lei de Cotas, possibilita nova perspectiva de vida.

A Lei 12.711, de 2012, chamada Lei das Cotas, define que as Instituições de Ensino Superior vinculadas ao Ministério da Educação e as instituições federais de ensino técnico de nível médio devem reservar 50% de suas vagas para as cotas. “Esses projetos permitem, além de novas políticas, essencialmente, a conscientização nas quebradas por meio dos coletivos e trabalhos nesses locais”, observa.

Com sua dedicação, Stefany sonha que a representatividade da população negra chegue a espaços de poder onde poucos chegaram. Ela exemplifica que o país nunca teve uma mulher negra como presidente, ou que em algumas profissões de maior prestígio social, como medicina, odontologia e economia há poucos negros exercendo.

“Quero logo mulheres e homens pretos ocupando esses espaços, e dessa forma, conseguindo movimentar as estruturas da sociedade”, deseja.

De acordo com dados da própria Uneafro, em 10 anos de atuação, a rede já atendeu mais de 15 mil estudantes e centenas chegaram à universidade, passaram em concursos ou alcançaram novas oportunidades de trabalho e renda.

Wellington relaciona a situação dos negros no Brasil com as consequências deixadas pelo período escravocrata. Para ele, os direitos básicos não foram concedidos a esta população.

“O Brasil não superou as sequelas da escravidão. O capitalismo selvagem continua voraz com os mais pobres. Acho que maior necessidade está na garantia dos direitos mais básicos, como o direito à moradia, ao saneamento básico, educação, ao trabalho e comida”, cita. “Para mim, viver bem não precisa de luxo, pois quando quando o essencial não faltar para nós, isso já será luxo”, completa.

Ocupação secundarista

Ao longo da história brasileira, os jovens exerceram papéis de protagonista frente a lutas sociais desejadas pela população. Um exemplo foi no fim de 2015, quando alunos da rede estadual paulista se organizaram em suas escolas contra o fechamento de 94 prédios escolares em todo o estado. A proposta ainda contava com a extinção do ensino médio noturno, em centenas de unidades, e o desemprego de servidores públicos.

A intenção do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) era reduzir a presença, e os investimentos, do Estado no setor – por meio de um pacote que tentou reorganizar o sistema escolar.

Com as escolas ocupadas em protestos, os secundaristas formaram comissões de limpeza, preparo das refeições, contato com a imprensa, controle dos portões e organização de atividades culturais, todas constituídas a partir de assembleias. Ao todo, foram cerca de 115 escolas ocupadas em várias regiões do estado.

Com a repercussão, houve uma reunião de conciliação no Tribunal de Justiça. O secretário da Educação, Herman Voorwald, propôs a suspensão da reorganização do ensino paulista até 4 de dezembro, mediante a desocupação imediata dos prédios.

O secretário enviou às instituições um material explicativo sobre o projeto e sobre como ele atingiria as unidades.

Depois disso, pais, alunos e professores discutiram a proposta com a diretoria de ensino das regiões e apresentaram uma nova proposta de mudança, algo que não foi acatado por Alckmin.

Com a falta de apoio da opinião pública, apontada em pesquisa pelo Datafolha, o governador anunciou o adiamento do projeto, com o compromisso de debater o projeto no ano seguinte.

Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta,Casa no Meio do Mundo, Desenrola E Não Me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento, TV Grajaú – SP, DiCampana Foto Coletivo e Nós, mulheres da periferia, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

Leia Mais

Quer receber nossa newsletter?

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano