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“A política da violência vai ao encontro do discurso conservador”

31 de agosto de 2018

Os indicadores e episódios relativos à violência urbana induzem a sociedade a pedir por políticas mais severas de segurança pública. Mas como medidas do gênero afetam a população negra e periférica?

Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Agência Brasil

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Bandido bom é bandido morto. Menos escolas, mais prisões. Mais polícia nas ruas. Mais ordem, menos progresso e direitos. Liberação do porte de armas para a população para defender-se da criminalidade. A abordagem policial deve ser diferente em bairros nobres e em regiões periféricas.

Estas frases e pedidos de setores conservadores da sociedade ajudam a colocar em perspectiva o panorama da violência em grandes centros urbanos. Para se ter uma ideia, de acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, houve, em 2017, 3.294 homicídios dolosos – em que há intenção de matar -, 515.595 furtos, 303.906 roubos e 172.559 furtos e roubos de veículos.

Todavia, quando comparados com registros feitos em 2007, ou seja, há uma década, metade desses indicadores registrou queda: houve 4.877 homicídios dolosos e 524.017 furtos naquele ano. Todavia, a quantidade de roubos e de furtos e roubos de veículos registrou aumento de lá para cá: foram 217.203 roubos e 163.537 furtos e roubos de veículos naquele ano, respectivamente.

Deve-se levar em conta também que episódios violentos registraram, na maioria dos casos, redução tímida quando considerados a cada 100 mil habitantes. Em 2017 houve 7 homicídios dolosos, 1.180 furtos, 373 furtos de veículos e 241 roubos de veículos a cada 100 mil habitantes, ao passo que, em 2007, a proporção era de 12 homicídios dolosos, 1.309 furtos, 595 furtos de veículos e 394 roubos de automóveis.

Todavia, os registros relativos a armas de fogo registraram queda em uma década: 5.770 episódios de porte ilegal de armas foram registrados em 2017 contra 8.953 em 2007, ao passo que 15.597 armas de fogo foram apreendidas ano passado e 23.443 foram confiscadas por agentes de segurança pública em 2007.

Raiz conservadora

Outro ponto a ser considerado abrange o recorte racial da violência urbana. De acordo com dados do Atlas da Violência 2018, desenvolvido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e FGV (Fundação Getúlio Vargas), houve 62.517 homicídios em 2016, o equivalente a 30,3 mortes a cada 100 mil habitantes.

Além disto, segundo dados do Infopen 2016 (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), a população carcerária brasileira é composta por 726.712 indivíduos, sendo que há 368.049 vagas no sistema prisional, o que resulta em taxa de ocupação de 197,4%. Ainda, 292.450 pessoas, o equivalente a 40,2% do total, estão presas sem condenação. Para completar, 64% da população carcerária no país é negra.

De acordo com Juarez Xavier, coordenador do Nupe (Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão), da UNESP (Universidade do Estado de São Paulo), existe estratégia de grupos conservadores de direita para pautar o debate político pelo viés da segurança pública em detrimento a outros aspectos sociais, voltados ao desenvolvimento humano. Essa tática é antiga, mas voltou a ser usada com mais veemência na Europa e nas eleições dos EUA, em 2016, e é um dos vetores da campanha eleitoral este ano no Brasil.

“Interessa aos conservadores negligenciar o debate político e social, ao passo que as consequências políticas e concretas do desmonte do Estado e da fragilidade da cidadania não entram no debate político. Enquanto houver foco na questão da violência, haverá desmonte do Estado e de políticas sociais de interesse da população mais vulnerável. O debate, a discussão e o foco na violência têm como objetivo impedir o debate crítico sobre as profundas desigualdades e violências econômicas e sociais que assolam a população brasileira”, pontua o docente.

Im\gem: Agência Brasil

Intervenção para os mais pobres

Em fevereiro de 2018, os governos federal e do Rio de Janeiro entraram em acordo para colocar o estado sob intervenção militar, ou seja, estar sob controle do Exército. A medida teve, entre outros aspectos, orçamento de R$ 1,2 bilhão disponibilizado pela União – a título de comparação, o valor é 57 vezes superior ao montante disponível este ano à SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), estipulado em R$ 42 milhões.

Todavia, os resultados mostraram-se aquém do valor disponibilizado. De acordo com levantamento feito pelo Observatório da Intervenção, episódios violentos tiveram aumento significativo desde o início da medida.

O estudo aponta que houve 4.005 conflitos armados entre fevereiro e julho, ao passo que foram registrados 2.924 episódios do tipo cinco meses antes do início da intervenção. Ainda, 119 pessoas foram vítimas fatais em 28 episódios de “mortes múltiplas” desde a vigência da intervenção militar, enquanto 50 morreram em 11 ocorrências análogas no mesmo período de 2017. Para completar, 92 armas foram detidas entre fevereiro e julho deste ano ante 145 no mesmo período do ano passado.

Ainda assim, em 30 de agosto, Michel Temer (MDB), presidente em exercício, afirmou que os indicadores de segurança pública no Rio de Janeiro são “extraordinários”, ao falar sobre a intervenção militar no estado. De acordo com o político, ainda que o apoio popular à medida tenha caído de 74% para 66%, trata-se de algo “extremamente favorável”.

Segundo Monique Cruz, pesquisadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, ONG atuante na proteção e promoção dos direitos humanos, o apoio da opinião pública a esse projeto reside na esperança social para sanar a violência urbana, resultante do modo como o poder público decidiu lidar com aspectos superdelicados, como tráfico de drogas ilícitas – ou seja, na visão baseada no senso comum, esse é o grande responsável pela eclosão de episódios violentos. Todavia, os impactos sobre parte da população são gritantes e preocupantes.

“A população negra e periférica entra no pacote de aberrações políticas, massacres e violências sob regimes de exceção localizados em seus locais de moradia quando lhe é direcionada a responsabilidade pelos crimes relacionados ao tema das drogas. O controle repressivo e violento do Estado é dirigido a esse grupo para garantir a falsa sensação de segurança aos demais. Enquanto as polícias e as forças armadas geram terror e matam nas favelas e nas periferias, as pessoas brancas do ‘asfalto’, nos lugares mais caros da cidade, se sentem protegidas daquela criminalidade que é cometida por aquelas pessoas no imaginário social”, ressalta Cruz.

Holofote enviesado

Na obra “A Cultura do Medo”, o sociólogo Barry Glassner aborda diversos aspectos sobre como um aspecto social é construído por diversos atores, sejam governamentais ou midiáticos, para fomentar o medo coletivo e, como consequência, a criação de um inimigo comum – e abstrato. Todavia, a criação desse ser a ser combatido acaba por ser materializada em um grupo social. Ao “abrasileirar” a lógica de Glassner – de modo extremamente resumido, é bom ressaltar -, o inimigo social tem cor e classe social.

O fator medo pode ser explicado pelo aspecto midiático. Para se ter uma ideia, em “Narrativas Brancas, morte negras – Análise da Cobertura da Folha de S.Paulo, sobre os massacres nos presídios em Manaus, Boa Vista e Natal”, pesquisa lançada em maio de 2018 sobre a abordagem feita em reportagens relacionadas a rebeliões e tragédias em presídios, revelou alguns aspectos que, nas entrelinhas, ajudavam a fomentar o estereótipo social sobre o potencial vilão social. A palavra “barbárie” foi repetida 97 vezes durante a cobertura sobre rebeliões ocorridas em Manaus (AM), ao passo que menções à superlotação e à privatização carcerária tiveram, respectivamente, 20 e 13 menções.

Este estudo, aliado a incontáveis episódios relativos à abordagem midiática sobre a espetacularização da violência e à predominância de pessoas negras entre a população carcerária, resultam no estereótipo do potencial criminoso: negro e morador de regiões periféricas. Basta dizer que Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo em agosto de 2017, que a abordagem em bairros nobres, como os Jardins, deveria ser diferente em comparação com a feita em bairros periféricos.

De acordo com Rosane Borges, pós-doutora em ciências da comunicação, a violência não é vista no Brasil como um problema estrutural, relacionado à desigualdade social, mas sim como algo acidental, causado por indivíduos em desajuste à estrutura da sociedade – e que colocam em risco a instituição “cidadão de bem”. Logo, a estrutura conservadora e reacionária de determinados grupos sociais pedem por punições ao inimigo que social, em grande parte construído pela mídia, com quem não se dialoga. Daí, bravatas da série “bandido bom é bandido morto” ganham eco entre pautas políticas conservadores, personificadas por políticos de inclinação totalitarista, inclusive.

“A pauta punitivista é um sentimento de vingança. A percepção reducionista sobre violência ser apenas o resultado final das taxas de homicídios e de latrocínios, por exemplo, resulta na violência urbana como uma guerra a um inimigo, que não são nossos filhos ou pessoas com quem convivemos. Logo, a gente esculpe o outro, que precisa corresponder ao imaginário de indivíduo perigoso e ameaçador”, destaca Rosane.

O resultado disso é o controle e dominação de classes tidas como subalternas. “Os corpos negros são vistos como potenciais sujeitos a serem eliminados. Isso responde à dimensão histórica que foi da escravização de corpos, do extermínio e do encarceramento. Ou seja, a confirmação de ‘como eles são perigosos’.”

Para Muniz Sodré, livre-docente em comunicação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e professor emérito da mesma instituição, a agenda midiática contempla outra agenda, de riscos, na qual potenciais problemas sociais, como violência urbana e saúde, são potencializados – e pouco importa se os indicadores são elevados ou baixos

“O noticiário de crime já está predisposto a escrever estatistas que aumentam e magnificam o risco, que fala de um tipo de violência. Nós precisamos entender a violência de duas maneiras: estrutural e institucional, por exemplo, ou a anômica, que é a violência do assalto.” Aqui vale uma observação: entende-se que sociedades anômicas sejam consideradas anárquicas, uma vez que os integrantes deixam de seguir o modelo sociocomportamental moral estabelecido.

Logo, a grande imprensa, seja em meios impresso, televisivo, web ou radiofônico, reforça o estereótipo sobre indivíduos que devem ser eliminados para o “cidadão de bem” viver sem preocupações e, desse modo, retroalimenta o racismo estrutural na sociedade.

“O racismo tem, no Brasil, características específicas e nuances que precisam ser esclarecidas. A pessoa negra continua a ser objeto de estudo. Para uma pessoa branca, ver um negro na rua à noite é algo suspeito, pois a imagem construída está relacionada ao preconceito histórico – antes da abolição da escravatura, havia a imagem do negro fujão. O negro tornou-se foco da criminalidade e a grande imprensa espelha o racismo por meio da imagem negativa e perigosa do negro. Isso não é novidade na imprensa brasileira e sempre foi assim”, reforça Muniz Sodré.

Rosane Borges ressalta a construção social racista, que escravizou pessoas negras à revelia e, posteriormente, discriminou e transformou o corpo masculino negro, em particular, em totem da escória social – ou seja: não tem o mesmo valor de um corpo branco. “A população negra habita as camadas mais baixas da sociedade, em que [predomina] a injustiça com fundamento racial. O nosso grande desafio é pensar a violência como questão racial. A definição dos corpos que devem ser eliminados tem cor, raça e gênero. Se não houver o recorte racial, a gente perde, novamente, a grande dimensão que mobiliza as políticas, medidas e ações que não tiveram êxito no Brasil.”

Imagem: Agência Brasil

A carne mais barata no mercado…

… É a carne negra. É notório que a massa populacional em regiões periféricas é composta por pessoas pretas e pardas. Para se ter uma ideia, São Paulo, a cidade com a maior população negra em termos numéricos, com 4,169 milhões desse grupo racial entre 11,2 milhões de habitantes, tem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,815, ocupa o 28º lugar no Atlas de Desenvolvimento Humano, feito por meio de parceria entre PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Governo Federal.

Contudo, deve-se levar em conta o desmembramento deste indicador após a análise do aspecto racial. A população branca paulistana tem IDH de 0.839, considerado muito alto, enquanto a parcela negra tem IDH de 0,740, considerado alto. Logo, é possível dizer que a população negra está submetida a condições mais vulneráveis de aspectos básicos para a sobrevivência, o que abrange também os índices de criminalidade.

Segundo dados do Infopen 2016, a população carcerária de São Paulo é de 240.061 pessoas segundo o levantamento, o que resulta em taxa de ocupação de 183%, sendo que 75.862 pessoas estão presas sem condenação – o equivalente a 31,6%. Para completar, 64% da população carcerária no país é negra.

Dentro desse cenário, a mortalidade tem peso. A taxa de homicídios de pessoas não negras teve queda de 6,8%, enquanto registrou aumento de 23,1% entre a população negra – 40 pessoas pretas e pardas eram vítimas de mortes violentas a cada 100 mil habitantes, ao passo que 16 pessoas brancas o eram. Logo, 71,5% das pessoas assassinadas no Brasil são negras.

“As mortes [violentas] concentram-se nos territórios mais vulneráveis da cidade, onde também concentra-se a população negra. Segundo o IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social), as subprefeituras de Campo Limpo, Capela do Socorro, São Miguel e Parelheiro, em que há a concentração dos grupos de alta e muito alta vulnerabilidade social, são as mesmas subprefeituras nas quais concentram-se os homicídios e a maioria da população negra”, ressalta Claudia Rosalina Adão, pesquisadora e autora da obra “Territórios de Morte: Homicídio, Raça e Vulnerabilidade Social na Cidade de São Paulo”.

Claudia lembra também o conceito de necropolítica, estabelecido pelo filósofo camaronês Achilles Mbembe, que expande a teoria do biopoder, criada pelo filósofo francês Michel Foucault., que abrange a produção calculada e otimizada da vida, ao passo que aquela salienta o primado da morte como estratégia de exercício do poder moderno em territórios e populações considerados como potenciais ameaças à ordem social.

A necropolítica consiste na destruição material de corpos e populações vistos como supérfluos e descartáveis em âmbito social. “Mbembe sugere que os regimes políticos atuais obedecem ao esquema de fazer morrer e deixar viver pelas condições precárias de vida nas quais vive a população negra nas periferias. Essa produção está relacionada com o racismo estrutural, pois foi desencadeada pelas políticas de exclusão do pré e pós-abolição. Além disso, a segregação urbana e racial é intensificada pelas políticas neoliberais que precarizam as políticas públicas, essenciais para a garantia da cidadania e melhoria das condições de vida, especialmente dos grupos historicamente marginalizados”, ressalta a pesquisadora.

Outro ponto a ser destacado é a suposta premissa conservadora observada em regiões periféricas. De acordo com a pesquisa “Percepções na Periferia de São Paulo”, feita pela Fundação Perseu Abramo em 2017, havia presença intensa de valores liberais voltados ao individualismo – leia-se “faça você mesmo”, competitividade e da eficiência – ou seja, o mito da meritocracia está presente em regiões periféricas.

Logo, as demandas da população negra e periférica tendem a ser vistas, no primeiro momento, como algo afastado de pautas progressistas. E isso abrange a segurança pública. “Não há dúvidas de que a política de violência vai ao encontro do discurso mais conservador e de que o fundamentalismo religioso, que tomou conta da periferia, ajudou a alimentar isso. Os próprios discursos dos fundamentalistas navegam na direção de criar narrativa política muito conservadora”, pondera Juarez Xavier.

Todavia, ao ir além do senso comum e do que os apontamentos da pesquisa mostram, pode-se interpretar que a população da periferia não vote em políticas sociais conservadoras, mas sim em projetos que lhes possibilitem ter segurança para ir e vir, aproveitar a cidade e ter acesso a atividades culturais e de lazer, por exemplo.

“Estes dados precisam ser melhor avaliados. É superficial imaginar que a periferia é conservadora. É necessário compreender quais são os anseios que a população da periferia tem, expressados em perspectiva que parece ser conservadora. Talvez o conservadorismo da periferia possa esconder rebelião pela defesa radical da vida. Precisamos nos debruçar mais sobre essa realidade para sairmos da percepção superficial e mergulharmos na percepção real, para tentarmos aprofundar a compreensão sobre a realidade que a periferia vive. Poderemos ver que o aparente conservadorismo tem elementos importantes da ação política e da mudança social”, ressalta Xavier.

Assista à entrevista feita com Dina Alves, advogada e coordenadora do departamento de justiça e segurança pública do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

Vigiar, punir, encarcerar e matar

O Brasil tem a terceira maior população carcerária mundial, o que evidencia por si só o caráter punitivista e conservador da segurança pública nacional – e da sociedade, como consequência. Além disso, há um componente racial e higienista a ser considerado dentro desse panorama.

“Tem um autora da qual gosto muito, Ana Luisa Flausina, que escreveu a obra ‘Corpo Negro Caído no Chão’, na qual aponta que há na História do Brasil uma programação criminalizante da população negra. Ana demonstra nesse livro como a política criminal do neoliberalismo atualiza a barbárie, impedindo rupturas com o passado escravocrata. O sistema penal brasileiro é produtor e reprodutor de nossas relações sociais violentas e racistas”, reforça Claudia Adão.

Logo, ao considerar-se que o sistema prisional brasileiro está falhando em um aspecto elementar, que consiste na ressocialização de detentos, pode-se pensar que há um componente conceitualmente falho na política adotada. “A prisão tem se mostrado o mais absoluto projeto de fracasso da sociedade contemporânea, pois se não há capacidade de entregar o que se promete, é necessário repensar [o formato] dentro de debate amplo e democrático, envolvendo os setores sociais, em especial os mais empobrecidos, para se pensar em mecanismos desse cenário”, lembra Xavier.

Contudo, o docente da UNESP traz à tona um ponto que, nas entrelinhas, faz lembrar que talvez não se trate apenas de uma política falha. “Ao insistir em uma política que está dando errado, ou você tem intenção de provocar esse tipo de violência, ou você é um idiota, que não é capaz de repensar os seus atos e a superação de situações que não mudam absolutamente nada. Tendo a crer que quem mantém essa política tem muita consciência sobre a ineficiência de como isso mantém política de segregação e de violência contra pobres, não-brancos e população periférica.”

Por fim, Juarez Xavier lembra como a lógica escravocrata, baseada na estrutura de casa grande e senzala, na qual havia a elite, os capatazes defensores do poder da elite e os escravos, predomina até hoje. Contudo, hoje consistem em poucos bilionários – elite econômica -, classe média conservadora e a massa de despossuídos, submetidos à omissão e à violência do Estado.

“A mesma forma de organização política que você tinha na casa grande e na senzala, entre os séculos XVI e XIX, você tem na estrutura brasileira. O epicentro dessa estrutura são os corpos negros. O epicentro desse controle é a destruição dos corpos negros”, finaliza Juarez Xavier.

O outro lado

Em resposta aos questionamentos feitos pelo Alma Preta, a Secretaria de Segurança Pública informa que houve subnotificação estimada de 30% de roubos, ao passo que houve salto de 21% em registros a partir de 2014 por meio de registros feitos na delegacia eletrônica, o que foi mantido desde então. De acordo com a pasta, houve queda de 7,1% dos casos de roubos no estado e 0,6% de furtos.

Ainda, a pasta informa que o índice de letalidade de criminosos mortos após confronto com a PM foi de 18% nos episódios registrados em 2017. “Sobre os demais criminosos que participaram dos confrontos, 15% ficaram feridos, 40% estão foragidos e 27% foram presos”, de acordo com a pasta.

A SSP-SP informou também que foram presos em flagrante 152.448 pessoas em 2017, sendo que 687 morreram durante confrontos, o que resultou em 0,45% de pessoas mortas dentro desse panorama.

No entanto, de acordo com Dina Alves, advogada e coordenadora do departamento de justiça e segurança pública do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), é necessário considerar as informações que estão ocultas nos dados disponibilizados pelo governo à imprensa.

“A gente sabe que os dados estatísticos de São Paulo estão sob sigilo do governo e que é muito difícil consegui-los. Os dados produzidos, que foram amplamente divulgados, são feitos pela própria polícia: a polícia que mata é a mesma que produz dados, produz vítimas, produz estatísticas e que produz as suas próprias provas”, completa.

Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola e Não me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento e TV Grajaú, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

Cerca de 30 reportagens serão publicadas até o final de outubro com assuntos de interesses da população das periferias de São Paulo em ano eleitoral. Acompanhe os sites e as redes sociais dos coletivos e não perca nada!

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