Segundo o Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES), de 2018 a 2020, o número de suicídios comprovados em praças era oito vezes maior que em oficiais. De acordo com Pedro Chaves Mattos, agente da Polícia Civil de Natal, no Rio Grande do Norte, o abuso de autoridade e o sentimento de incapacidade de cumprir as funções quando se tem um transtorno mental aumenta exponencialmente as chances de policiais tirarem a própria vida.
“Não é uma questão inusual, todos os anos temos relatos de policiais que tiraram ou que tentaram tirar a própria vida”, disse. Para o policial, o fato de o trabalho na segurança pública ser gerido em um ambiente “opressor e humilhante” faz com que os agentes com menor patente tenham transtornos mentais com frequência.
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Em 2015, Dayse Miranda, professora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCrz) estudou o suicídio policial no Brasil. Ela analisou tanto os pensamentos, ideias e desejos suicidas, quanto as tentativas de suicídio declaradas participantes da pesquisa. Ao todo 18 mil policiais responderam ao questionário.
Destes, 79% nunca pensou e nem tentou suicídio; 18% pensou, mas não tentou e 3,6% já haviam tentado suicídio. 78% dos que tentaram eram desrespeitados no trabalho; 55% eram insultados e ouviam xingamentos na corporação; 52% se sentiam perseguidos.
A maioria deles são homens (entre 83,8% e 91,3%), já as mulheres são entre 8,7% e 16,2%. Os praças, ou seja, policiais de baixa patente, são os que mais têm episódio de tentativa de suicídio (74,8%) e os oficiais são os que têm menos (25,10%).
Pedro Mattos afirmou que os policiais reconhecem mais os transtornos mentais sofridos em decorrência aos assédios dos seus superiores do que o que vem das condições de trabalho ou do cotidiano violento nas ruas.
“A polícia brasileira é muito diferente de qualquer outra do mundo, pois existem situações que a gente começa de baixo e nunca sobe de posto, e existem outras que a pessoa já começa de cima e nunca perde posição. É o caso dos delegados com os agentes. Delegado não precisou ser agente para ter esse posto. Isso gera uma situação retroalimentada pela humilhação”, explicou.
A análise de Dayse Miranda mostra que a Polícia Militar é o principal órgão onde essas violências ocorrem. Cerca de 30% dos que tentaram suicídio se diziam insatisfeitos em trabalhar na polícia. 25% se diziam muito insatisfeitos. Os satisfeitos eram 20% e os muito satisfeitos menos de 5%. A faixa etária que mais tentou um auto-extermínio foi a de 35 à 39 anos, com 25,2% dos entrevistados. Tanto homens (55,4%) quanto mulheres (37,1%) utilizaram a arma de fogo como principal maneira para tentar colocar fim em suas vidas.
Em 2021, o quadro de suicídio no Brasil apresentou um aumento de 55,4%, considerando o fator pandemia. Dentre os estados com maior incidência estão Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022.
O que dizem os profissionais de saúde
Lucas de Oliveira, psiquiatra especializado em atendimento às pessoas negras, disse à Alma Preta Jornalismo que a própria estrutura do trabalho de segurança pública já traz o critério de insalubridade por ser uma função extremamente estressante, justamente por lidar com violência, mortes e pressão. O médico ainda pontuou que a profissão traz em si o fenômeno vicariante, que é quando a pessoa se acostuma com a violência e passa a não senti-la mais como alguém que não vive isso.
“Mas ele não deixa de impactar, a pessoa se acostuma com essa situação gerando uma série de questões como ansiedade, estresse pós-traumático e distúrbios do sono”, diz.
O psiquiatra ressalta que para os policiais negros todas esses sintomas são potencializados. De acordo com o médico, isso acontece porque se entende que o fenômeno da violência tem um fator racial imbutido e que os suspeitos são sempre negros.
“O agente de segurança negro, principalmente se ele não for racializado, se torna o capataz que está sento vítima e agressor ao mesmo tempo, ele que não percebeu. Então isso gera um sofrimento porque ele se vê na posição de agressor da sua própria imagem”, pondera.
Lucas explica que quanto mais racializado é o agente, aparentemente a pessoa sofre mais, mas é pelo grau de consciência que tem dos fenômenos. Por outro lado, a pessoa se protege mais, busca mais ajuda, e “entende que ele pode ser o agente de segurança que se torna o algoz da própria raça, então muda seus comportamentos”.
“A racialização ajuda, mas não com um sofrimento violentíssimo”, concluiu.
Polícias Pública e Congresso
O Projeto de Lei nº 4815/2019 quer implementar ações de assistência social, promoção da saúde mental e prevenção ao suicídio entre profissionais de segurança pública e defesa social. A matéria, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), está sujeita à apreciação no plenário da Câmara e consta na agenda desta semana.
Sob relatoria do deputado Capitão Augusto (PL-SP), o projeto pretende também promover o acompanhamento psicológico preventivo e multidisciplinar aos familiares dos agentes e a realização de conferências para debater as diretrizes dos planos de segurança pública e defesa social.
A este PL foram adicionados outros sete, que serão votados e relatados em conjunto. Todos eles versam sobre a instituição de políticas de direitos humanos, saúde mental e prevenção de riscos para os profissionais que lidam diretamente com a segurança pública.
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