Pesquisar
Close this search box.

Acadêmicas negras mantêm vivo o legado de Lélia Gonzalez

Universitárias comentam como a Amefricanidade, conceito cunhado por Lélia Gonzalez, é fundamental para sua formação acadêmica
Imagem mostra Lélia Gonzalez com uma coroa.

Foto: Dora Lia/Alma Preta Jornalismo

26 de julho de 2023

Lélia Gonzalez, referência quando o assunto é intelectualidade negra na América Latina, é fonte de inspiração para outras mulheres negras. O conceito de Amefricanidade, que se refere à experiência comum negra na diáspora e à experiência de mulheres e homens indígenas contra a dominação colonial, é o fio condutor da vida acadêmica de diversas universitárias negras, que optaram por homenagear a pensadora em seus trabalhos de conclusão de curso.

É o caso de Carolina Aparecida Silva Vieira, estudante de Letras pela Universidade de São Paulo (USP). A partir dos estudos sobre Lélia Gonzalez e a Amefricanidade, a acadêmica optou por utilizar apenas os trabalhos de mulheres negras como referências bibliográficas de sua monografia, que deverá ser defendida em novembro deste ano.

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

“Em 1988, Lélia Gonzalez disse ‘a gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora’. Foi a partir dessa fala que parei para pensar o quanto deixamos de honrar o legado das nossas ancestrais em gestos simples do cotidiano, como um TCC”, pondera a universitária.

Carolina salienta que a Amefricanidade parte do pressuposto de que população negra deveria se empenhar em construir um pensamento próprio do negro a partir da centralidade nos sujeitos negros, especialmente nas mulheres negras, uma vez que as teorias tradicionais não davam conta de explicar a experiencia negra no Brasil.

“Lélia Gonzalez acreditava que o Brasil não deveria importar teorias negras dos Estados Unidos, por exemplo. O negro brasileiro deveria ter a oportunidade de entender a sua própria experiência. E é nisso que pretendo basear o meu trabalho”, explica.

“Quando a gente para para refletir sobre essa tal perspectiva do negro no campo acadêmico, há ainda uma carência de dar espaço às nossas intelectuais. Honrá-las representa muito em um espaço majoritariamente masculino e branco”, completa.

Conhecimentos de Lélia Gonzalez

Beatriz Santos, estudante do último período de História na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), comentou à Alma Preta Jornalismo o quanto o contato com a obra de Lélia Gonzalez e outras pensadoras negras vieram de forma tardia em sua construção acadêmica. Ela relembra que nunca havia tido contato com autoras negras durante o ensino fundamental e médio.

“Eu fui descobrir quem era Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez e outras mulheres negras intelectuais só na universidade e fiquei espantada com a minha própria ignorância no assunto, afinal, eu me considerava feminista há alguns anos”, ressalta.

Com a obra de Lélia, a estudante de História afirma que pôde aprender muito, e pretende levar esses ensinamentos para a banca de TCC e, posteriormente, para a sala de aula, já que pretende seguir carreira como docente.

“O meu TCC é baseado na ideia de Lélia Gonzalez de que a negritude brasileira não estava nem na África, nem nos Estados Unidos. Ela não negava a importância da África para nós, mas considerava que no Brasil, a África se manifestava a partir das nossas realidades, com o nosso candomblé, capoeira, e outros valores da cultura negra”, explica.

Beatriz ainda comenta que outro ponto que ela pretende enfatizar em sua monografia é que Lélia Gonzalez defendia o rompimento entre colonizador e colonizado, e suscitava o protagonismo do colonizado na transmissão de valores para a formação cultural.

“Lélia também construiu um pensamento sobre o feminismo negro brasileiro, articulando a raça, gênero e classe, o que se tornou inédito para a época. Ela é uma professora para toda a experiência negra contemporânea”, completa a estudante de História.

Amefricanidade no dia-a-dia

“Quando entendemos que o país foi forjado na escravidão do povo negro e do povo indígena, passamos a nos identificar enquanto ‘amefricanos’, tal qual pensou Lélia Gonzalez. Logo, compreendemos que até hoje vivemos processos sistemáticos de exclusão justificados por esse ideal de humanidade”. É o que avalia a estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sofia Martins.

Para ela, é possível encontrar diversos exemplos da Amefricanidade no cotidiano brasileiro, e isso se dá graças ao amplo contato com manifestações culturais negras de vários outros países contidas no Brasil.

Sofia destaca que Lélia Gonzalez criticou duramente o lusotropicalismo, o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento. Ela ainda salienta que a “Amefricanidade é presente nas revoltas, nas estratégias de resistência cultural, no desenvolvimento de formas alternativas de organização social livre, cuja expressão concreta se encontra forjada nas peles não-brancas tão perseguidas”.

“Se Lélia Gonzalez nos deixa um legado é o pensamento amefricanista, que nos coloca enquanto indivíduos no mundo que pensam sua experiência negra, ainda que simplória, mas coletiva e real. A intelectualidade passada de geração em geração, os saberes ancestrais e a não-subserviência são formas de honrar essa grande mulher e resistir à opressão que ela tanto lutou contra”.

Leia também: ‘Referência negra, Lélia Gonzalez não é reconhecida como deveria no Brasil?’

  • Caroline Nunes

    Jornalista, pós-graduada em Linguística, com MBA em Comunicação e Marketing. Candomblecista, membro da diretoria de ONG que protege mulheres caiçaras, escreve sobre violência de gênero, religiões de matriz africana e comportamento.

Leia Mais

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano