Em meio ao avanço do Covid-19, o novo coronavírus, iniciativas desenvolvidas ou realizadas em parceria com lideranças comunitárias fazem a diferença para a sobrevivência da população negra e pobre em todo o país. Nas periferias da cidade de São Paulo, por exemplo, há projetos de distribuição de alimentos orgânicos e mapeamento de famílias em condições de vulnerabilidade.
O distrito da Brasilândia, na Zona Norte da capital paulista, receberá de agricultores do interior de São Paulo – que se articularam por grupos de WhatsApp – cestas de alimentos orgânicos, ou seja, sem adição de agrotóxicos, que serão entregues para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Um dos parceiros da iniciativa, Dimas Reis Gonçalves, da Preto Império, conta que o projeto, se tiver adesão de mais agricultores, pode via a abranger periferias de outras regiões da cidade.
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“Inicialmente, a primeira ação será na Brasilândia, com a entrega de alimentos que seriam descartados, pois parte dos restaurantes estão fechados. A ideia é alcançarmos outras periferias como o Campo Limpo, na Zona Sul, e a Cidade Tiradentes, na Zona Leste”, explica.
Gonçalves avalia que uma das razões de as pessoas negras e pobres serem as mais vulneráveis ao Covid-19 é a baixa qualidade da alimentação. “As pessoas negras e pobres precisam desses alimentos, pois antes mesmo dessa pandemia elas tinham um quadro de imunidade baixa devido à dificuldade de se alimentarem bem”, afirma.
Antes de serem entregues às famílias, os alimentos orgânicos vão passar por um processo de higienização que segue as recomendações do Ministério da Saúde. Há preocupações e protocolos com a higiene dos agricultores no momento da colheita, no transporte das cestas com os alimentos e no contato com as pessoas que vão recebê-las.
De acordo com o Ministério da Saúde, o país registrou 1.546 casos confirmados do Covid-19 e 25 mortes até o domingo (22). O estado de São Paulo é o epicentro do novo coronavírus, com 631 casos confirmados e 22 mortes.
Com a quarentena de pelo menos 15 dias decretada pelo governo estadual, as famílias mais pobres e que dependem do mercado informal para se sustentarem serão as mais afetadas. Diante disso, outra iniciativa criada na periferia da cidade de São Paulo ganhou fôlego nos últimos dias.
Os coletivos IFE, Luar, Bloco do Beco, Sarau do Binho e Passo à Frente decidiram mapear as famílias em maior situação de vulnerabilidade a fim de destinar um auxílio de R$ 300 para cada uma. O valor é arrecadado por meio de uma vaquinha online.
O projeto já atendeu 33 famílias e possui pelo menos 170 na fila de espera. O mapeamento leva em consideração as condições socioeconômicas das famílias, o número de crianças e idosos e se elas recebem algum recurso oriundo de programas governamentais.
Uma das articuladoras, Suzi Soares, do coletivo Sarau do Binho, na Zona Sul, destaca que o momento é de as pessoas observarem seus privilégios e se conscientizarem sobre as necessidades das pessoas mais pobres.
“É importante que as pessoas em quarentena, sentadas sobre seus privilégios da casa própria, de geladeira cheia e reserva financeira garantida, não se limitem a mensagens de solidariedade nas redes sociais. É preciso garantir o mínimo para as famílias mais pobres não precisarem se expor ao coronavírus em busca de sustento. Essas pessoas também precisam arcar com despesas como a compra de cesta básica, de botijão de gás e o pagamento do aluguel”, alerta.
Outras iniciativas
A Uneafro, União de Núcleos de Educação Popular para a População Negra, também iniciou uma campanha para enfrentar os impactos do Covid-19 nas periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A campanha organizada pela instituição pretende apoiar 31 comunidades nos dois estados em meios aos problemas estruturais de pobreza, moradia, saneamento básico e saúde pública. As famílias mais vulneráveis são mapeadas e o valor arrecadado por meio de vaquinha online é destinado à compra de produtos de higiene e alimentação básica.
No Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, onde diversas famílias estão sem água há mais de um mês, lideranças comunitárias também se mobilizaram e criaram um gabinete de crise contra os impactos do Covid-19.
Coletivos da região como o Papo Preto investiram na informação como combate ao vírus e promoveram uma campanha nas redes sociais para arrecadar dinheiro para compra de água, sabão e álcool em gel. Faixas e folhetos explicativos sobre o novo coronavírus também foram distribuídos pelas ruas e um funk sobre o vírus toca nas rádios comunitárias. Os moradores ouvem a partir de caixas de som instaladas em postes.
A FAVELA ESTÁ PASSANDO A MENSAGEM! Então pega a visão, porque se “eles lá” não fazem nada, faremos tudo daqui! ✨#COVID19NasFavelas #CoronaNasPeriferias pic.twitter.com/mlOWRteHct
— Santiago, Raull. (@raullsantiago) March 19, 2020
Estado
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculada ao Ministério Público Federal (MPF), solicitou que o governo federal informe até o dia 24 de março quais medidas serão adotadas para prevenção ao novo coronavírus nas periferias e no atendimento às populações das periferias.
No documento, o órgão alerta para o fato de as periferias apresentarem alta densidade populacional, residências muito próximas umas das outras e limitações estruturais para garantir o isolamento adequado em caso de pessoas contaminadas pelo vírus.
O documento aponta ainda que as pessoas mais vulneráveis socialmente merecem atenção prioritária do poder público, especialmente em termos de saúde pública, dada à situação de saneamento básico precário, o pouco ou nenhum acesso à água potável e à unidades de saúde.