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Afroafetividade: entre a idealização e o amor real

Para além dos filtros, dos likes e da idealização, casais afrocentrados fogem da armardilha da romantização e buscam relações livres e conscientes das imperfeições e dificuldades de convivência

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Unsplash 

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11 de junho de 2021

Mesmo com as dificuldades de selar um encontro, estar em um relacionamento afrocentrado não necessariamente significa que a vida compartilhada seja um mar de flores. Como em qualquer outra relação, o convívio diário e a demonstração das particularidades podem definir se a vida em conjunto vale a pena ou não para cada um(a). Longe da ideia de perfeição, os casais negros que estão na mídia ou não têm aberto um debate sobre amores reais. 

Anualmente, o 12 de junho, é o dia marcado no calendário nacional para quem está compartilhando a vida romântica com alguém. Apesar da conotação capitalista, a data estimula a celebração da união de casais enamorados que, na verdade, não precisa de uma data. Mono, poli ou aberto, o dia incentiva a demonstração de carinho entre homens e mulheres. No entanto, tradicionalmente, relacionamentos entre pessoas brancas sempre estamparam as campanhas em alusão ao dia. Aos casais negros (as), historicamente,  foi negado o lugar do afeto. O empoderamento racial desses pares, no entanto, fez surgir uma geração que reinvindica o reconhecimento do afroafeto seja numa foto  postada na rede social ou numa campanha publicitária. A necessidade “beijar sua preta ou preto em praça pública” só não implica cair na armadilha de ensair um amor irreal.

Casais negros midiáticos tentam fugir da visão romantizada e falam sobre suas dificuldades. Em recente entrevista, no programa Roda Viva, da TV Cultura,  a atriz Thaís Araújo, ao ser questionada sobre o seu relacionamento com o também ator Lázaro Ramos, afirmou que pensou na possibilidade de um término com o marido pelos fatores desencadeados pela pandemia da COVID-19. A declaração se deu sob as justificativas de que o isolamento e a convivência extrema podem gerar ruídos pela falta de privacidade e individualidade. A declaração da atriz gerou grande repercussão, pois, os dois formam um dos casais considerados ícones da TV brasileira e, por consequência, carregam o peso de “referência” ao que se trata de ‘afroafeto’.

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Créditos: Reprodução/Instagram

Para os produtores culturais Lucas Barbosa, 29, e Hannah Marques, 21, falar do amor no dia a dia se faz necessário para a construção de relacionamento em 1 ano e 4 meses de convivência. Apesar de serem considerados como um casal de pouco tempo de relação, eles noivaram durante a pandemia e garantem que, mesmo passando por etapas que fidelizam ainda mais o compartilhamento entre o casal e a divisão de suas fragilidades, o diálogo foi necessário desde o início até agora. 

Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, Hannah afirma que pensar em se relacionar com alguém, enquanto pessoa negra, não era uma constante e explica os motivos. “Sempre fui considerada emocionada quanto a isso, sempre estava na busca de uma relação sólida, mas nunca fui levada à sério enquanto mulher negra. Com essa percepção, passei a desacreditar no amor ideal, deixando para que o universo me mostrasse. Essa descrença veio desde os meus 15 anos, quando coloquei a questão da minha cor. Por exemplo, um rapaz que eu estava saindo preferia mostrar foto com uma amiga branca para dizer que estava bem acompanhado, do que comigo, com quem estava se relacionando, de fato”, conta.

Para ela, se relacionar com alguém que carrega consigo questões raciais trouxe a possibilidade de ir a fundo nas aberturas pessoais. “A virada de entendimento foi quando parti de um lugar que eu nem conseguia imaginar o quão construtivo seria. São níveis de conexões muito mais profundas pelas vivências serem mais próximas. Isso vai desde o compartilhamento de inseguranças até a ajuda nas compreensões sobre si mesmo. É o que resulta em uma cumplicidade maior, ao meu ver”, pontua.

“Eu percebia, teoricamente, que afroafetividade era importante, mas não a colocava em prática. Agora, que vivo essa experiência, é muito diferente. Particularmente, me sinto muito seguro de mostras as minhas fragilidades, principalmente, enquanto homem negro e hétero”, relata Lucas. 

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Créditos: Reprodução/Instagram

Lucas já pontua que a importância da afroafetividade enquanto relacionamento a dois foi uma crescentes em sua vida, diretamente proporcional ao seu entendimento de negritude. “Para pessoas que não são retintas esse processo é bem comum, acredito, principalmente, por essa informação não ter sido dada desde a juventude. Aprendi no que muitos autores chamam de “tornar-se negro”. Eu percebia, teoricamente, que afroafetividade era importante, mas não a colocava em prática. Agora, que vivo essa experiência, é muito diferente. Particularmente, me sinto muito seguro de mostras as minhas fragilidades, principalmente, enquanto homem negro e hétero, que ocupo um lugar onde a subjetividade e a sensibilidade são possibilidades socialmente negadas, como chorar, por exemplo”, relata. 

Oriundos do flerte via Instagram, eles compartilham de um pensamento comum. As redes sociais funcionam como fragmento da realidade de pessoas que vivem em um relacionamento amoroso na vida real. “No cotidiano isso é muito presente entre os casais, não só os afrocentrados. Essa ideia do perfeito, do post por likes, entendo como adoecedora, apesar de querermos perpassar por isso, não vamos mentir. No meu caso, isso faz do querer ser transparente, então eu gosto de passar por isso na internet, mas tenho consciência que é um fragmento da realidade. O mundo real nos toma a atenção quando sentamos para nos entender, dialogarmos, sempre de uma maneira muito fluida. Isso na tentativa de melhorar sempre. Sob a justificativa de nos tornarmos pessoas melhores”, afirma. 

“Por isso, estar atento às questões do outro enquanto individualidades a serem trabalhadas, desde as financeiras, como os costumes do dia a dia mesmo, se fazem necessários. É isso que potencializa o meu relacionamento”, conta a produtora Hannah Marques.

Hannah afirma que, no dia a dia, percebeu outras preocupações internas e externas que poderiam ou não gerar ruídos no entendimento de seguir a vida a dois. “A vida de casal sai dos filtros, para mim, quando paro para pensar no futuro, nas coisas que eu preciso me organizar para construir, exclusivamente, o que almejo enquanto a minha vida. Depois enxergo as possibilidades atreladas ao meu relacionamento. Entendi algo óbvio, mas que é real, aqui nós participamos de uma construção conjunta diariamente. Por isso, estar atento às questões do outro enquanto individualidades a serem trabalhadas, desde as financeiras, como os costumes do dia a dia mesmo, se fazem necessários. É isso que potencializa o meu relacionamento”, conta. 

Diante da pandemia, o casal afirma que as dores e agonias, com o isolamento social, para o relacionamento, trouxe um crescimento, sem dúvidas. A rotina mais próxima, as questões resolvidas nas trocas, os dois enxergam como positivas. Mesmo acentuando a solidão como algo presente nas individualidades, eles tentam se fazerem felizes. “Tentamos proporcionar, por diversas vezes, momentos bons pós momentos de conflito com nós mesmos. Nós choramos, nos desesperamos, mas sabemos que, ali, podemos contar com o outro. A companhia nos traz isso. A cumplicidade nas dores e, nessa data, o afeto”, finaliza Lucas. 

Com questões semelhantes à essas trazidas por um casal “da mídia” e um casal “comum”, a cantora e compositora Juicy – uma das apostas do R&B nacional, fala trata sobre como o racismo impacta em inúmeros campos, como educação, salários, representatividade e, sobretudo, no âmbito afetivo. O resultado de sua reflexão está no seu mais novo trabalho. Intitulado “Transparente”, a faixa tem clipe gravado no morro da babilônia e é fruto da parceria da artista com o produtor musical Filipe Neo.

“Nós, negros, crescemos em uma sociedade que nos convence de que não somos dignos de sermos amados, o que causa a desumanização do homem negro e a solidão da mulher negra”, denuncia Juicy. 

Para servir de trilha e cena para o dia anual do amor, assista ao clipe: 

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