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Alvos de repressão policial no Brasil, grafiteiros brasileiros ganham o mundo

18 de agosto de 2020

O artista de rua Mauro Neri, do Grajaú, periferia da Zona Sul de São Paulo, conta as dificuldades que enfrenta para ter seu trabalho legitimado, mas comemora os espaços que o grafite brasileiro tem conquistado a nível mundial

Texto: Willian Dantas | Edição: Nataly Simões | Imagem: Mauro Neri

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Por vezes ainda questionado sobre ser arte ou vandalismo, o grafite se propaga pelo mundo como uma das manifestações artísticas mais expressivas. A ideia de ocupar os espaços públicos como crítica social permanece viva e em tempos de ascensão de ideias conservadoras se faz também urgente.

Elevado ao patamar de arte na década de 1970, principalmente pelas mãos de Jean-Michel Basquiat, o grafite enquanto movimento de contracultura se expandiu. A manifestação artística se mostrou ainda mais política no continente africano, onde passou a ser criminalizada pelo ex-presidente e ditador do Egito, Horni Mubarak, por ampliar as manifestações contra o regime opressor.

No Brasil a arte ganhou força nos anos 2000 e se consagrou principalmente na cidade de São Paulo, com uma leva de artistas das periferias. Mauro Neri, grafiteiro do Grajaú, na Zona Sul, é um dos precursores da arte na cidade e no país.

Negro, professor e filho de nordestinos, o artista de 39 anos é conhecido na cidade pela casinha e conjugações com a palavra “ver”. “Comecei a fazer variações dessa escrita, em especial ver: Busca ver, o que busca ver, a gente precisa ver… Ver, viver e ver a cidade.”, conta.

As frases que se espalham pelos muros paulistanos há mais de 15 anos renderam uma série de projetos pessoais que levaram Neri até a Academia de Belas Artes de Bolonha, na Itália, onde além de estudar, ele também fez exposições e desenvolveu outros projetos. Ao voltar para o Brasil, o artista também esteve à frente do Cartograffiti, iniciativa com o objetivo de ligar à periferia ao centro através da arte de rua. Diante do intuito de levantar questões sobre o direito à cidade, Neri precisou lidar com a política de apagamento do poder executivo do município.

“Conseguimos o recurso e as autorizações das subprefeituras. No meio do processo, antes mesmo de terminar as intervenções, percebemos que a própria prefeitura, que foi quem autorizou, estava apagando os nosso grafites”, lembra.

A discussão sobre a criminalização da arte na maior metrópole do país se intensificou no início da gestão de João Doria (PSDB) como prefeito, em 2017. Na época, Neri foi preso por tentar restaurar uma de suas obras apagadas. Apesar disso, o artista reforça que enfrenta essa política há muito mais tempo. “Eu acompanho essa política de apagamento desde a Marta Suplicy (PT). Independente da vontade pessoal do prefeito, não se aplica o que acontece na ponta. Todos autorizam, todos dão recurso, todos fizeram algo de positivo. Mas todos continuam apagando e permitindo a criminalização”, avalia.

Repressão policial

A abordagem policial é recorrente para os artistas de rua. Na sua curta trajetória como prefeito, o atual governador paulista, Doria, sancionou a lei (PL56/2005), que criminaliza e favorece a aplicação de multas e penas.

Mesmo com autorizações, os artistas carregam um extenso histórico de abordagens policiais opressoras. “Eu sou abordado pela polícia há 20 anos. Em média uma vez por ano eu vou para a delegacia. Já fui até agredido. A abordagem policial é circunstancial. Ela depende de quem você é ou de quem você parece ser, se você é negro ou branco, se você é rico ou pobre, se você está num bairro rico ou pobre. Se você está fazendo um desenho que parece agressivo ou não”, detalha.

Após lidar com tantas abordagens truculentas da polícia, o artista revela que seu comportamento até mudou. “O policial começa assim: ‘tá pichando aí, né vagabundo?’. Eu respondo: ‘Boa tarde, primeiramente não é uma pixação, meu nome é Mauro, sou artista’. No geral, a abordagem muda um pouco, mas também depende. Já fui cercado por sete policiais que não perguntaram nada e já foram jorrando spray de pimenta e apontando armas. Tem de tudo”, relata.

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Manifestação artística de Mauro Neri na avenida Dona Belmira Marin, na Zona Sul de São Paulo.

Política de apagamento

Recentemente, Neri teve sua última manifestação artística, localizada na avenida Teotônio Villela, na região do Grajaú, parcialmente apagada. O artista reforça que sabe das limitações devido à pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, mas sentiu a necessidade de manifestar sua arte para conscientização. Por conta de uma primeira abordagem policial, recorreu a subprefeitura da Capela do Socorro que autorizou o trabalho.

“Eu tive pelo menos umas três reuniões. Sai de lá com o documento impresso. Isso me encorajou bastante. Além das questões da Covid-19, eu também estava incluindo a questão do racismo, violência doméstica e abuso policial. Porém, duas semanas após ter concluído, percebi que a intervenção havia sido rasurada. Especificamente a palavra polícia. Perguntei para a sub-prefeitura e eles disseram que não sabiam quem foi”, conta.

Além da palavra “policial” ter sido apagada na manifestação artística da avenida Teotônio Villela, uma arte semelhante de Neri na avenida Donha Belmira Marin, ainda na Zona Sul, também foi rasurada. Com a intenção de refazê-la, o grafiteiro voltou para a avenida, dessa vez acompanhado do irmão Wellington Neri e outro amigo cinegrafista.

“Nessa ocasião eu achei mais conveniente convidá-los para me ajudar. Enquanto estávamos terminando, a polícia nos abordou e contestaram a veracidade da autorização”, relembra. O artista foi encaminhado para a delegacia e, com a ajuda do responsável pela autorização, foi liberado.

Apesar das dificuldades, o grafite brasileiro se consagra país a fora e é referência mundial. Artistas brasileiros têm ocupado espaços institucionais, galerias internacionais, museus, publicidade e feito histórias nos muros do mundo. Para Mauro, não existe nenhum outro lugar do mundo que tenha tanto grafite de qualidade quanto o Brasil. “Nós somos referência mundial. Eu acho que não temos tido muitos estímulos por parte do poder público, com a criminalização, política de apagamento e falta de incentivo, mas nós viemos gritando forte e isso torna nosso trabalho cada vez mais conhecido no exterior. A propaganda já legitimou isso. O grafite é a maior expressão da arte contemporânea mundial”, considera.

O artista ainda reforça que “falta espaço para uma arte ainda mais politizada. Mais espaço e valorização para esses artistas que trazem uma contextualização do momento atual. Eu acredito que a arte, política ou não, tem um potencial imenso de transformar a sociedade através da educação. A gente aprende arte convivendo com obra de arte.”

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