Erica Lorraine Williams, doutora em antropologia cultural pela Stanford University, relata a sua relação com o Brasil, motivos pelos quais deu início à pesquisa sobre turismo sexual no país e contexto atual dos EUA
Texto / Raquel Barreto
Imagem / Divulgação
Em entrevista concedida a Raquel Barreto, historiadora, pesquisadora, educadora e integrante do Rodadas, a doutora em antropologia cultural Erica Lorraine Williams, autora do livro “Sex Tourism in Bahia: Ambiguous Entanglements”, vencedor do Press First Book Prize, da NWSA (National Women’s Studies Association) da University of Illinois, falou sobre trajetória acadêmica, com destaque para a sua pesquisa sobre turismo sexual no Brasil.
Além disso, Williams falou sobre a construção de um campo feminista negro dentro da antropologia e sobre as HBCUs (Historically black colleges and universities), conhecidas como as universidades históricas negras nos EUA.
Confira a entrevista a seguir.
Raquel Barreto: Você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória como pesquisadora?
Erica L. Williams: Fui a primeira pessoa na minha família a ingressar na faculdade. Estudei antropologia cultural e estudos africanos, que abrangem a Diáspora africana, na New York University. No segundo ano da faculdade ganhei uma bolsa para fazer uma pesquisa sobre a influência africana nas festas religiosas da Venezuela. Viajei para lá com 19 anos e permaneci por apenas duas semanas. Mas foi por meio dessa experiência que soube o que era antropologia.
Depois disso, comecei a ler sobre mulheres negras que usaram as ferramentas da antropologia para estudar as culturas da diáspora africana, como Zora Neale Hurston, Pearl Primus e Katherine Dunham. Eu queria muito viajar pelo mundo e estudar outras línguas. Então, eu resolvi estudar antropologia na faculdade.
O meu interesse pelo Brasil começou com a dança. Fui para o Festival da Independência do Brasil, em Nova Iorque, vi e ouvi samba pela primeira vez, e me apaixonei! Depois disso, aprendi a sambar e, nesse processo, aprendi mais sobre o Brasil, especialmente sobre a Bahia. No último ano da faculdade participei de um programa de intercâmbio e passei cinco semanas em São Paulo e um semestre em Salvador. Foi uma experiência transformadora! Consegui ganhar fluência em português, tive a oportunidade de fazer cursos como antropologia do negro, com Ordep J. Serra, e história e memória das comunidades negras, com Ubiratan Castro Araújo. A coisa mais difícil foi quando precisei ler “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, em português!
RB: Quais os motivos te a levaram a estudar o turismo sexual no Brasil?
EW: Vi, durante minha estadia em Salvador, vários “casais” de homens europeus e mulheres negras brasileiras e achei estranho. Um dia, uma amiga – negra dos EUA também – e eu passamos por uma situação… Um grupo de italianos se aproximou da gente na praia e puxou conversa em português. Após alguns minutinhos, eles nos convidaram para o hotel. Chocadas, minha amiga e eu começamos a conversar em inglês. Ao ouvir isso, eles pediram desculpas. “Oh, no! Desculpa, nós não sabíamos que vocês eram americanas, pensamos que vocês eram brasileiras!” Isso mostra o que aqueles italianos pensavam sobre as mulheres negras brasileiras, não é? Foi a partir de experiências como essas que, quando ingressei no programa de doutorado de antropologia cultural na Stanford University, decidi fazer pesquisa sobre o turismo sexual no Brasil.
RB: Você está inserida no campo chamado antropologia feminista negra, já consolidado nos EUA. Como você a definiria? Em que ela se diferencia da “antropologia tradicional”?
E.W.: Irma McLaurin publicou o livro “Black Feminist Anthropology: Theory, Politics, Praxis, and Poetics” em 2001. Descobri esse livro no começo do meu programa de doutorado e ele foi minha Bíblia, o meu texto sagrado de Antropologia.
A Antropologia tradicional tem, historicamente, reputação de ser ligada ao projeto colonial e eurocêntrico. A antropologia feminista negra se baseia nas tradições do pensamento intelectual negro e do feminismo para criar novas teorias, metodologias e práxis que se centram nas experiências das mulheres negras ao redor do mundo. A antropologia feminista negra tem compromisso grande com movimentos sociais e ativismo, e queremos que a nossa pesquisa possa contribuir com isso. É importante também para as antropólogas negras feministas que as mulheres negras antropólogas, historicamente marginalizadas dentro do cânone antropológico/acadêmico, sejam reconhecidas por suas contribuições significativas.
Pode-se ver um exemplo disso no Twitter, com a #citeblackwomen, hashtag criada por Christen Smith, antropóloga feminista negra que publicou o livro /’Afro-Paradise: Blackness, Violence, and Performance in Brazil/’ (2016). Ela vende camisetas como o hashtag para levantar dinheiro para a escola Winnie Mandela, em Salvador (BA). Aos domingo, pessoas usam o #citeblackwomen hashtag para compartilhar citações importantes do pensamento das mulheres negras.
RB: Você é professora em Spelman College, uma tradicional faculdade negra criada em 1881 apenas para alunas mulheres. Poderia explicar para nós os motivos e as necessidades históricas que levaram à criação dessa e de outras universidades negras?
EW: As faculdades e universidades historicamente negras (HBCUs) têm papel importante na história da educação da população negra nos EUA. A primeira HBCU, a Cheyney University of Pennsylvania, foi fundada em 1837. Depois da Guerra Civil e da abolição da escravidão, os negros não foram admitidos nas universidades brancas. Spelman foi fundada por duas mulheres brancas: Harriet E. Giles e Sophia B. Packard, missionárias batistas do estado de Massachusetts, no norte do país.
Agora, nos EUA só existem duas faculdades historicamente negras para mulheres (Spelman College e Bennett College, em Greensboro, Carolina do Norte). Hoje Spelman é classificada como a número 1 dos HBCUs no país. Apesar de ser para mulheres negras, Spelman faz parte também do Consórcio da Atlanta University Center, que inclui Morehouse College, para homens, e Clark Atlanta University, para homens e mulheres. Então, quem estuda em uma dessas instituições pode fazer cursos em todas as outras instituições do consórcio.
Existem algumas pessoas que argumentam que hoje em dia as HBCUs não são mais necessárias porque não existe mais segregação racial, mas eu não concordo com isso. Spelman é um lugar especial e único, onde as mulheres negras são acolhidas e esperadas para ter sucesso!
RB: Qual é o perfil discente e docente atual da Spelman College?
E.W.: A Spelman College tem 2.125 alunas de graduação e 248 professores. As alunas vêm de vários estados do EUA e de outros países. Temos alunas da África e do Caribe, nascidas nos EUA, mas com pais de outros países. Há muita diversidade racial e étnica entre os professores. Spelman é uma faculdade de artes liberais (humanidades), então não oferecemos programas de pós-graduação.
As alunas podem se formar em ciências naturais ou sociais, as humanidades; pre-law, curso universitário preparatório para quem fará o curso de direito; pre-med, curso universitário preparatório para quem fará medicina; arte e várias outras coisas. Muitas das alunas elegem fazer um intercâmbio em outros países durante o verão ou por um semestre. Elas também precisam fazer dois anos de uma língua estrangeira, como espanhol, chinês, japonês, francês ou português.
RB: Como você avalia a atual cena política americana na administração do governo Trump? E sobre a era Obama (2008-2016), quais foram os avanços e recuos?
EW: Esta é uma pergunta muito grande e eu poderia desabafar até amanhã sobre isso! A atual cena política americana na administração do governo daquele homem, que eu nem direi o nome, é muito triste e irritante. Todo dia a gente olha as notícias e vê que ele já fez outra coisa horrível para mudar o nosso país. As crianças separadas das pais na fronteira, as políticas contra imigrantes, pessoas LGBT e mulheres, a indiferença que ele mostra em relação à situação genocida dos negros sendo mortos pela polícia… Tudo isso e mais. É horrível. Sinto muita saudade de Obama e sua família. Tenho muito medo em relação ao futuro do meu país.
RB: Há algum comentário ou questão que você queira colocar para as leitoras e leitores?
E.W.: Obrigada pela oportunidade de compartilhar meus pensamentos com vocês.