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Apesar de provas que apontam inocência, dois meninos da zona leste (SP) estão presos há 7 meses

23 de julho de 2019

Familiares e amigos estão empenhados em provar a inocência dos dois, já comprovada em perícia apresentada à Justiça

Texto e imagem / Lucas Veloso / Edição / Pedro Borges 

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Em 26 de dezembro de 2018, Gabriel Rubio e Jhonatan Vinicius, dois jovens de 19 anos, moradores da zona leste de São Paulo, foram presos sob a acusação de que terem roubado um carro a mão armada no Aricanduva, zona leste de São Paulo.

Condenados a cinco anos e seis meses de prisão, amigos e familiares dos dois meninos saíram em defesa deles e contestam a versão policial do caso.

Renan Carlos de Brito, 29, tem um salão de cabeleireiros no bairro e era o chefe de Gabriel.

“Ele foi meu funcionário por um ano e três meses e não tenho nada para falar mal dele. Trabalhava até duas da manhã e nunca demonstrou envolvimento com coisa errada. Um menino excelente, guerreiro, trabalhador. Isso que fizeram com ele é uma grande injustiça”, relata Brito.

A dona de casa Marta dos Santos, 42, vizinha dos meninos, acredita que o fato de serem negros, moradores da favela, influenciou na prisão dos jovens.

“Tá difícil pra eles saírem. E tem imagem provando a inocência. A gente que é pobre, preto… Nossa cor não tem muito valor. Acho que ele está preso porque é preto. ‘Preto tem tudo que se f####’, disse o policial”, completou a dona de casa Marta dos Santos, 42.

Entenda o caso

Segundo a versão das duas famílias, às 14h50 daquele dia, horário em que o crime foi cometido, os dois garotos estavam em lugares diferentes , e não onde afirma a acusação. Gabriel estava voltando de um mercado na região enquanto Jhonatan, o ‘Branco’, como é conhecido, estava empinando pipa.

De acordo com o boletim de ocorrência, logo após ser roubada, a vítima ligou para a Polícia para registrar o crime. Em poucos minutos, uma viatura da região saiu à procura dos criminosos. Na época, a dona de casa Marta dos Santos era a sogra de Gabriel e diz que estava com ele no momento em que os militares o encontraram.

Ela lembra que o genro chegou em casa com sua filha, depois de passar em um mercado. Havia comprado algumas coisas, inclusive um refrigerante, que tomava com ela, quando um policial chegou no portão, abordou o menino e o levou, apontando como acusado de um roubo, mesmo com os protestos de Marta.

“A gente estava aqui, e vimos que os ‘PMs’ estava com o ‘Branco’. Aí um deles foi no meu portão, abordou o Gabriel dizendo que tinha roubado. Eu disse que não podiam levar, isso era ilegal, mas não adiantou”, comenta. A menina, então namorada de um dos meninos também lembra que quando foi ver a situação, foi chamada de ‘vagabunda, mulher de bandido’.

Algumas pessoas, com quem a reportagem conversou, afirmaram que os policiais da prisão dos garotos trabalham na região e tem histórico de forjar situações. Uma delas chegou a dizer que naquele dia ouviu um dos militares dizer ‘a gente já forjou um, agora é pegar o outro’.

Renan lembra que naquele dia o funcionário pediu autorização para voltar mais tarde do almoço, pois precisava ir no shopping comprar algumas roupas e resolver algo no celular. Autorizado, saiu e prometeu voltar até 16h.

“Alguém chegou a vir aqui dizer que a PM estava com ele, mas não me preocupei porque imaginei algo de rotina, normal, ainda mais porque o menino não fazia nada errado. Mais tarde chegou a notícia da prisão”, relembra.

Renan é uma das pessoas mais envolvidas no caso. Ajudou a coletar imagens de câmeras com o percurso feito por Gabriel naquele dia, ajudou em protestos contra a acusação dos dois meninos e foi incluído como uma das testemunhas de defesa. O cabeleireiro, porém, não foi ouvido nas audiências.

“Eu não contratei outro menino para trabalhar no lugar dele. Acredito que é inocente e não fez isso. Aí achei injustiça abrir uma vaga e deixar ele na mão quando sair. Então, está assim: ele volta a trabalhar aqui assim que sair”, prometeu o chefe.

Hoje, os dois estão no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Mauá, na região metropolitana de São Paulo, onde cumprem a pena imposta pela Justiça.

Procuradas, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) e a PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) não se pronunciaram sobre as acusações de que os agentes de segurança forjaram os suspeitos e quais ações são tomadas para combater essas atitudes dentro da instituição até o fechamento da reportagem.

Imagens e perícia

Um vídeo mostra Gabriel com 2,5 km de distância do local no horário do crime. Essa é uma das provas encontradas pelos familiares em algumas câmeras de segurança na região, mas que não foi levada em conta no processo.

De acordo com as imagens, o suspeito reconhecido pela vítima, havia trabalhado até por volta de 12h daquele dia no salão de cabeleireiro. No horário do roubo voltava com sacolas de um supermercado, ao lado de sua namorada, com a mesma roupa utilizada durante a manhã.

Brito acrescenta que a descrição física dos verdadeiros criminosos é diferente dos dois meninos. Em depoimento, a vítima lembrou de dois jovens magros, trajando bermuda e camiseta, sendo um com camiseta vermelha de time e o outro com luzes no cabelo.

Contratada pela família de Gabriel, a Sewell, empresa de investigação criminal, fez uma análise das imagens e concluiu que as imagens apresentadas são verdadeiras e o menino não estava no local indicado pela Justiça.

Eduardo Llanos, perito responsável pelo laudo técnico e científico, concluiu a impossibilidade de Faustino estar em dois locais no mesmo horário, já que as imagens evidenciam a versão dos parentes e amigos.

“Diante do presente parecer técnico é possível afirmar que não existem provas técnicas ou científicas além de um total desencontro de tempo e deslocamento em relação ao horário do crime, confirmando que é tecnicamente impossível o Sr. Gabriel Rubio de Oliveira ter participado do crime a ele imputado”, escreveu Llanos.

Visitas na prisão

“Os dois emagreceram bastante. A comida da cadeia não rende. Os dias bons são só nos dias de ‘jumbo’ [a comida que a gente leva]. Meu irmão tá com a perna fina”.

Esse foi o relato de Richard da Silva, 22, depois da mais recente visita, feita por ele aos dois garotos, neste sábado, 20 de julho. Ele, com 22 anos, é irmão de Jhonatan.

“Os dois estão com depressão lá dentro, é muita pressão policial, eles dizem que os ‘PM’ bagunçam as coisas deles e somem. A gente tentar deixar eles calmos e esperançosos porque é horrível morar ali, naquele lugar”, completa Silva.

O próximo julgamento dos meninos está marcado para quinta-feira, 8 de agosto. Para os familiares, é um dia de esperança na Justiça.

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