Após dois anos do assassinato de Bruno e Yan, tio e sobrinho mortos por furto de carne, o Atakarejo, rede atacadista baiana, ainda não fechou acordo para o pagamento de uma indenização por danos morais coletivos voltados à população negra de Salvador. Segundo as entidades que moveram a ação, a empresa ofereceu valor que corresponde a cerca de 2% ao total solicitado, de R$ 200 milhões.
O processo, movido pela Associação Educafro, o Centro Santo Dias de Direitos Humanos e o Odara Instituto da Mulher Negra, foi motivado diante do assassinato dos jovens negros acusados de furto de carnes na unidade localizada no Nordeste de Amaralina, bairro periférico de Salvador, no dia 26 de abril de 2021.
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Na ocasião, Bruno e Yan foram agredidos e entregues por funcionários do Atakarejo a traficantes da localidade. Os corpos de tio e sobrinho foram encontrados no dia seguinte com marcas de tiros e tortura.
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Segundo as entidades, o processo foi aberto na justiça comum e no Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA) e tem como objetivo promover ações de reparação coletiva à comunidade negra de Salvador, além da reformulação das políticas internas do Atakarejo, especialmente no quesito racial.
Gabriela Ramos, advogada e coordenadora do projeto “Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar”, do Instituto Odara, considera que a quantia proposta pelo Atakarejo, de R$ 2,5 milhões, é irrisória para a empresa que, segundo ela, não tem assumido a responsabilidade sobre o caso.
“Dois milhões [de reais] é um ‘trocado’ para eles. É sobre o impacto disso em uma comunidade negra na Bahia e como a gente consegue fazer uma reparação mínima, de prover alguma coisa para aquela comunidade impactada”, diz a advogada.
Na última audiência, ocorrida no último dia 14 de fevereiro, as entidades também apresentaram uma lista de testemunhas, incluindo uma garota que também foi entregue por funcionários do Atakarejo a traficantes seis meses antes da morte de Bruno e Yan. Na época, ela tinha 15 anos e também foi acusada de furto. Após as agressões, ela foi solta mas ficou hospitalizada devido a gravidade das lesões.
Segundo Marlon Jacinto, advogado que representa as organizações, diante de casos semelhantes, foi possível identificar que a empresa mantém um ambiente racista.
“Nós desenvolvemos uma tese de que o Atakarejo se converteu num ambiente de trabalho racista e que tem que ser desmontado, porque ele já estava contagiando e comprometendo os trabalhadores com uma escala de ordens que envolvia a determinação de entrega para o crime organizado. Não foi um evento racista, foi uma sequência”, pontua o advogado.
Uma nova audiência do caso está marcada para o próximo dia 12 de maio, quando as testemunhas serão ouvidas.
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Medidas antirracistas
Ainda na ação, as entidades recomendaram uma série de medidas a serem adotadas pelo Atakarejo, como revisão imediata dos protocolos de abordagem de segurança no interior das lojas, elaboração e execução de plano detalhado para aceleração na carreira de negros e negras na empresa, além da implementação de ações educativas em direitos humanos para todos os funcionários.
No entanto, os representantes dos grupos ouvidos pela Alma Preta apontam que, até o momento, a empresa não apresentou as medidas que adotaram desde a divulgação do caso.
“Eles não assumem a responsabilidade em momento nenhum, continuam tratando como se a responsabilidade fosse exclusivamente dos seguranças”, diz Gabriela Ramos.
Para os próximos passos do processo, há expectativa de que o caso seja definido em uma sentença porque ao longo do processo não houve acordo, segundo afirma o advogado Marlon Jacinto.
“Gostaríamos que o Atakarejo tivesse ouvido as organizações e os entes públicos, assumido a responsabilidade e definido um valor num patamar muito mais alto, compatível com a gravidade do caso”, afirma.
Já Gabriela diz que, para além do valor, é preciso pressionar para reduzir os impactos da violência causadas pelo Atakarejo à comunidade negra da capital baiana.
“A questão é sobre o nível de violência que foi cometido e a responsabilidade que eles precisam assumir sobre essa violência, porque Bruno e Yan não voltarão. É minimamente pedagógico, o Atakarejo ou qualquer outra empresa, pensar em como não manter um ambiente de trabalho violento em especial no campo do quesito racial”, argumenta.
A Alma Preta tem tentado respostas com a assessoria do Atakarejo há pouco mais de uma semana através e-mail, WhatsApp e ligação para questionar quais medidas antirracistas já foram adotadas pela empresa, o motivo de ter proposto um valor abaixo do solicitado pelas entidades e se a empresa considera sua responsabilidade no caso. A reportagem também buscou retorno fora do prazo enviado à empresa, porém não obtivemos resposta até o fechamento da matéria.
Além disso, também entramos em contato com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e o Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), citados na matéria.
Em nota, o MPT-BA informou que não há processo sob acompanhamento do órgão referente a este caso e que “recebe denúncias e promove ações referentes a casos de discriminação no trabalho. A praxe é investigar e, se comprovada a situação, chamar o empregador para propor um ajuste de conduta formal que evite uma ação civil pública”.
O TJ-BA não deu retorno até o fechamento da matéria, que será atualizada caso haja resposta.
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