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As outras mulheres no cárcere

8 de março de 2018

Gabrielle Nascimento é feminista negra e abolicionista penal. No dia internacional da mulher, ela escreve sobre a condição das mulheres negras no cárcere.

Texto / Gabrielle Nascimento
Imagem / Wilson Dias/Agência Brasil

“Se o Estado não consegue cuidar do meu filho, que me devolva porque eu cuido!” foi a frase que que ouvi da Railda, mãe e uma das presidentes da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Presas (AMPARAR).

A frase de Railda traduz a angústia vivida pelas famílias dos 700mil presos e presas do Brasil. Se não de todos, da grande maioria. Só isso explica as enormes filas em frente aos Centro de Detenção Provisória (CDP) e Penitenciárias aos fins de semana.

Além disso temos números que comprovam esta narrativa. Em 2013, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, proporcionalmente, eram em média dois visitantes cadastrados por preso/a. Os dados ainda qualificam quem são estes visitantes e nos dão a noção de que estamos falando de uma questão de gênero: dos 402mil visitantes cadastrados, mais de 260mil eram mulheres adultas[1], ou seja, as mulheres correspondem a quase 65% das visitas nas unidades prisionais.

O princípio constitucional da intranscendência das sanções, que, basicamente, estabelece que nenhuma pena passará do condenado à pessoa não parece se aplicar à realidade, a começar pela estigmatização em torno dessas mulheres.

Mesmo que a revista vexatória comece a se tornar menos comum no Estado de São Paulo após a instalação dos scanners, a tecnologia não tem tornado a vida destas mulheres menos difícil. Não são poucas as vezes que, mesmo com os scanners, por terem estruturas metálicas em seus corpos como próteses ou então aparelhos odontológicos, mulheres são penalizadas com a suspensão de suas visitas, ficando impedidas de adentrar as unidades até mesmo por meses. Também é comum ouvir de mães e esposas de pessoas encarceradas que ao levarem alimentos para o almoço do dia da visita, tiveram suas marmitas reviradas ou foram obrigadas a retirar coentro ou camarão dos pratos preparados, sem que houvesse qualquer aviso prévio em relação à proibição da entrada destes itens. Esta estigmatização faz parte de uma criminalização que corresponde ao atual projeto político.

Além dos desafios para adentrar os presídios e manter algum laço de afetividade com as pessoas presas, estas mulheres precisam sustentar estas pessoas dentro do cárcere. À despeito da presidente do STF dizer que um preso custa R$ 2,4 mil por mês para o Estado[2], este valor não se traduz em itens básicos, como os de higiene pessoal para as pessoas presas. Talvez este valor corresponda aos armamentos dos Grupos de Intervenção Rápida, ou para as empresas terceirizadas de limpeza e de alimentação, que muitas vezes apresentam serviços precários. São as famílias quem se desdobram financeiramente para enviar o jumbo. Tanto é que até criou-se um mercado pra isso. A empresa “Jumbo Delivery” se especializou no envio de alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, itens de papelaria, cigarros, roupas e roupas de cama para todas as unidades prisionais do estado de São Paulo.

Há quem diga que estas mulheres recebem “bolsa-bandido” e são sustentadas pelo estado por terem seus parentes presos. No entanto, não é assim que o auxílio-reclusão funciona: 1) não é como se os beneficiários do programa fossem pagos pelo governo. Só pode receber o auxílio-reclusão dependentes de pessoas que, no período que foram presas, contribuíam com a Previdência Social; 2) O último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) mostrou que 90% das pessoas presas não possuem Ensino Médio Completo (2° grau). Quais as chances de pessoas com este nível de escolaridade terem empregos regidos pela CLT, sendo então contribuintes do INSS? Pouquíssimas pessoas estavam inseridas no mundo do trabalho antes de serem presas, logo não faz sentido afirmar que estas mulheres recebem bolsa ou coisa parecida. A exemplo disso, em 2014 foi feito um levantamento na Paraíba que atestou que apenas 7,21% das famílias dos presos recebiam auxílio-reclusão[3].

Não é como se estas mulheres sofressem respingos de uma violência despropositadamente. São mulheres pobres e pretas que, de uma forma ou de outra, também são vítimas diretas do projeto político que utiliza o cárcere como controle social e populacional. São essas mulheres que correm para as portas das unidades quando ouvem notícia de uma rebelião e só saem de lá quando têm a certeza que seus filhos e maridos estão vivos[4]. São essas mulheres que desafiam diretores dos estabelecimentos prisionais para que seus familiares tenham atendimento médico. São essas mulheres que acordam cedo e se deslocam até o Fórum da Barra Funda para conseguir informações processuais. São essas mulheres que no último dia 28 de fevereiro lotaram o auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo para denunciar os abusos dos Grupos de Intervenção Rápida (tropas de choque que adentram os presídios) para quem quisesse ouvir. São essas mulheres que precisam fazer com que o dinheiro que ganham dê conta do sustento de casa e do sustento de quem está preso. E são essas mulheres, muitas vezes invisibilizadas, que o movimento feminista precisa começar a pautar quando se fala de cárcere.

E são essas mulheres que nos dias 9, 10 e 11 de março, junto com diversas entidades que atuam no cárcere, vão para as portas das unidades prisionais exigir o fim dos massacres e o fim do sistema prisional e te convidam para fazer o mesmo.

[1] Dados retirados da tese de doutorado de Rafael Godoi, “Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos”.
[2] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83819-carmen-lucia-diz-que-preso-custa-13-vezes-mais-do-que-um-estudante-no-brasil
[3] http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/10/auxilio-reclusao-beneficia-721-das-familias-de-apenados-da-paraiba.html
[4] https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/familiares-de-presos-no-cdp-pinheiros-fecham-pista-marginal-em-protesto-por-informacoes.ghtml

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