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“As periferias do Brasil podem ser consideradas como senzalas contemporâneas”, afirma pesquisadora

15 de setembro de 2018

Claudia Rosalina Adão em entrevista ao Alma Preta fala, entre outros assuntos, de como são vistos os territórios sob a lógica da necropolítica e do biopoder. “Os homicídios, a precária infraestrutura urbana, a escassez de equipamentos públicos e a violência policial podem ser considerados como mecanismos de controle e gestão da vida”, afirma

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Entrevista / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Domingos Peixoto – O Globo

Claudia Rosalina Adão, pesquisadora e autora da obra “Territórios de Morte: Homicídio, Raça e Vulnerabilidade Social na Cidade de São Paulo”, concedeu uma entrevista ao Alma Preta discorrendo sobre violência, política de armas, ações higienistas por parte do estado, déficit em segurança, saúde e educação em áreas que concentra o maior número de pessoas negras na cidade de São Paulo e encarceramento em massa. Também aborda necropolítica e biopoder para explicar racismo institucional. Parte do conteúdo serviu de fonte para uma reportagem do jornalista Amauri Eugênio Jr. sobre discurso conservador na política brasileira. Confira a discussão na íntegra.

Alma Preta: O índice de letalidade da PM de São Paulo atingiu o maior patamar de letalidade desde 2001, quando a SSP começou a tabular homicídios por arma de fogo. Esse indicador, aliado a declarações como a dada pelo comandante da Rota, sobre a abordagem da corporação ser diferente em bairros nobres e na periferia, mostra que há política higienista no braço armado do poder público? Por quais motivos?

Claudia Rosalina Adão: Essa pergunta me fez relembrar de uma questão que eu me perguntava quando iniciei a minha pesquisa de mestrado sobre o extermínio da juventude negra. Eu me perguntava por que quando eu trabalhava em Higienópolis, um dos bairros com menor índice de vulnerabilidade social da cidade de São Paulo, eu não encontrava no trajeto para o meu emprego jovens assassinados na rua como um dia encontrei em União de Vila Nova, local que trabalho atualmente.

A pergunta pode parecer inocente e a resposta, para muitos, pode até ser óbvia. Uma das possibilidades de resposta é de que a cidade de São Paulo e sua segurança pública foram construídas primeiro para garantir a vida e o patrimônio de quem vive nos territórios com menor percentual de pobres e negros. A vida de pobres e negros têm menor importância.

O Mapa da Violência 2014, ao fazer uma análise da evolução dos homicídios no Brasil de 2004 a 2014, apresenta os fatores que contribuem para compreender as altas taxas de homicídio nas regiões pobres e periféricas. O Mapa aponta o acesso às armas de fogo, o tráfico de drogas ilícitas e as disputas pelo controle dos pontos de distribuição e venda de drogas, o aumento de policiamento violento e repressivo; destaca a privatização dos serviços básicos como saúde, educação, previdência e segurança pública, no qual o Estado progressivamente se limita a oferecer para o conjunto da população, o mínimo de acesso a serviços sociais considerados básicos. No que diz respeito à segurança pública, o Atlas da Violência 2016 trata da distribuição desigual da cobertura de segurança pública nas diversas áreas geográficas, com a priorização de espaços que oferecem mais visibilidade política e impacto na opinião pública, desta forma os setores e áreas mais privilegiadas, geralmente brancas tem uma dupla segurança: a pública e a privada, enquanto os mais vulneráveis que vivem nas periferias preferencialmente os negros, tem que se contentar com o mínimo de segurança que o Estado oferece que geralmente é repressora e violenta.

AP: No caso de São Paulo, boa parte dos índices de criminalidade relacionados a homicídios e roubos teve redução no intervalo de uma década. A quais fatores esse fato pode ser creditado? Por quê?

CRA: A taxa de homicídio na cidade de São Paulo, segundo o Mapa da Violência de 2015, é de 12,6 por 100 mil habitantes. O número esteve abaixo da média nacional, que é de 21,9 por 100 mil habitantes, mas ainda assim a população negra, especialmente a sua juventude é a mais vitimada. Em um estudo do Instituto Sou da Paz de 2013 sobre a evolução de homicídios na cidade de São Paulo, demonstra que a taxa de vitimização de jovens negros é superior às do estado de São Paulo como um todo. As armas de fogo são responsáveis por 78% das mortes entre a população jovem negra na capital. Essas mortes concentram-se nos territórios mais vulneráveis da cidade, onde também concentra-se a população negra. Segundo o IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social), nas subprefeituras de Campo Limpo, Capela do Socorro, São Miguel e Parelheiros há a concentração dos grupos de alta e muito alta vulnerabilidade social, as mesmas subprefeituras nas quais concentram-se os homicídios e a maioria da população negra.

Mesmo em um cenário de redução dos índices de homicídios, a população negra continua a ser mais vitimizada.

Agora, respondendo a questão do porque houve a redução dos homicídios, é algo que eu ainda estou estudando, mas não entendo como algo atrelado a melhoria das políticas públicas, pois no estado de São Paulo nos últimos anos está havendo um enfraquecimento delas principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social, e nem com uma melhor atuação da polícia, que é responsável por 25% dos homicídios nos últimos anos. Eu tendo a me alinhar, mesmo reconhecendo que preciso me aprofundar mais com a pesquisa do Graham Willis da Universidade de Cambridge (Inglaterra), no qual ele argumenta que em geral, a queda de 73% nos homicídios no Estado desde 2001, é muito brusca para ser explicada por fatores de longo prazo como avanços socioeconômicos e mudanças na polícia, ele afirma o período de redução dos homicídios coincide com o momento que a estrutura do PCC se ramifica e chega a diversas regiões da cidade. O PCC seria um fator de regulação da violência, para mim, esse argumento faz sentido.

AP: Quais são as razões pelas quais corpos negros são vistos como potenciais signos de risco a serem eliminados? Como o racismo estrutural está relacionado a esse panorama?

CRA: Essa questão me remete ao conceito de Necropolítica criado pelo filósofo camaronês Achilles Mbembe. Necropolítica expande o conceito de Biopoder proposto por Foucault, aquele diz respeito à produção calculada e otimizada da vida, ao passo que aquela salienta o primado da morte, como estratégia de exercício do poder moderno em territórios e populações considerados como ameaça.

Uma das dimensões da Necropolítica refere-se à destruição material dos corpos e populações humanas, julgados como descartáveis e supérfluos, o que remete a uma vida matável e sem valor.

Mbembe sugere que os regimes políticos atuais obedecem ao esquema de fazer morrer e deixar viver que se dá pelas condições precárias de vida nas quais vive a população negra nas periferias, essa produção está relacionada com o racismo estrutural pois foi desencadeada pelas políticas de exclusão do pré e pós-abolição. A segregação urbana e racial atualmente é intensificada pelas políticas neoliberais que precarizam as políticas públicas, que são essenciais para a garantia da cidadania e melhoria das condições de vida, especialmente dos grupos historicamente marginalizados.

A sonegação de direitos básicos e as condições de vida mais precárias vivenciadas nas periferias por grande parte da população negra, principalmente a sua juventude, expôem parte significativa deste grupo à maior incidência de violência letal. Demonstrando dessa forma a articulação entre vulnerabilidade à morte, raça e território.

As periferias do Brasil, e também a periferia da cidade de São Paulo, podem ser consideradas como senzalas contemporâneas, territórios sob a lógica da necropolítica, os homicídios, a precária infraestrutura urbana, a escassez de equipamentos públicos e a violência policial podem ser considerados como mecanismos de controle e gestão da vida.

A produção da morte – “o fazer morrer e deixar viver”- foi desencadeada pela segregação urbana e racial e atualmente é intensificada pelas políticas neoliberais que precarizam as políticas públicas, que são essenciais para a garantia da cidadania e melhoria das condições de vida, especialmente dos grupos historicamente marginalizados.

Necropolítica expande o conceito de Biopoder proposto por Foucault, aquele diz respeito à produção calculada e otimizada da vida, ao passo que aquela salienta o primado da morte, como estratégia de exercício do poder moderno em territórios e populações considerados como ameaça.

Uma das dimensões da Necropolítica refere-se à destruição material dos corpos e populações humanas, julgados como descartáveis e supérfluos, o que remete a uma vida matável e sem valor (MBEMBE, 2011, P.135).

A guinada neoliberal rumo ao poder, pautando uma necessidade cada vez maior de exclusão social e eliminação física dos grupos que não se adaptam à agenda globalizante, potencializa os expedientes que vinham sendo cultivados desde o advento da República para o extermínio desse contingente populacional. As imagens e os números que cercam as condições de vida da população negra estampam essa dinâmica (FLAUZINA, 2008, p. 115).

AP: Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de SP, foram efetuadas 175,9 mil prisões em 2017, enquanto houve 103,7 mil detenções em 2007. Além disso, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, ao passo que 64% desse grupo é composto por pessoas negras. É possível dizer que tais medidas são reflexos de políticas conservadoras, punitivistas e até mesmo higienistas do poder público? Se sim, por quê?

CRA: Concordo contigo, essas medidas são reflexos de políticas conservadoras, punitivistas, higienistas e eu acrescento mais um item, racistas.

Tem uma autora que eu gosto muito, a Ana Luisa Flausina, ela escreveu uma obra Corpo Negro Caído no chão na qual aponta que na História do Brasil há uma programação criminalizante da população negra. Nesse livro a Ana demonstra como a política criminal do neoliberalismo atualiza a barbárie, impedindo rupturas com o passado escravocrata. O sistema penal brasileiro é produtor e reprodutor de nossas relações sociais violentas e racistas.

Eu também gostaria de destacar que o Estado que opera o sistema criminal não está dissociado do modo de produção do qual ele faz parte, nesse sentido no modo de produção capitalista seu papel fundamental é manter a ambiência social favorável à manutenção das relações capitalistas. Se o encarceramento em massa e o extermínio das populações mais vulneráveis como os jovens negros, pobres e da periferia colaboram para a essa ambiência favorável, então o Estado está fazendo o esperado. O encarceramento se insere na lógica de reprodução do capital. O encarceramento não pode ser compreendido de forma desarticulada com outras questões: racismo, pobreza, lógica privatista, estabelecendo uma outra lógica: a de “fazer prender e deixar morrer”.

AP: Como o discurso político de valorização da segurança pública em detrimento de políticas de bem-estar social evidenciam o crescimento do conservadorismo em âmbito social? Como esse aspecto tem impacto sobre a população periférica e, em maioria, negra? Por quais motivos?

CRA: O discurso político de valorização da segurança pública em detrimento de políticas de bem-estar social não considera a sonegação de direitos básicos e as condições de vida mais precárias vivenciadas nas periferias, por grande parte da população negra, principalmente a sua juventude, grupo que como já comentamos está mais exposto à violência letal. Essa realidade impõe a necessidade de medidas urgentes de reversão da condição de vulnerabilidade, a qual negros e negras estão submetidos, o que torna inconteste a necessidade de políticas públicas focalizadas nesses territórios, as políticas de bem-estar social.

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