A Revolta dos Malês é uma das maiores insurreições de africanos escravizados no Brasil, mas que como outras, teve sua importância minimizada nos livros de História
Texto / Flávia Ribeiro | Edição / Lenne Ferreira | Imagem / Reprodução da internet
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A historiadora Beatriz Nascimento (1942-1995) disse que a “História do Brasil é uma história escrita por mãos brancas”. Isso explica a razão de a participação de pessoas negras terem sido historicamente invisibilizadas. Um exemplo disso é a Revolta dos Malês, ocorrida na Bahia, que completa 186 anos todo 25 de janeiro, e que recebe pouca visibilidade diante da importância que tem. “O fato do racismo ser estrutural, sistemático e ao mesmo tempo negado na sociedade brasileira (mito da democracia racial) faz com que haja o apagamento da história e cultura negra de resistência no Brasil. Houve um epistemicídio não apenas da cultura de resistência histórica do povo negro, mas também da produção intelectual de negras e negros nas mais diversas áreas do conhecimento”, explica Caroline Barroso, professora e historiadora.
“Malê” é um termo que designava os negros muçulmanos, que sabiam ler e escrever o árabe, que protagonizaram o movimento, com o objetivo de libertar seus companheiros islâmicos. “A Revolta dos Malês foi uma revolta pensada e feita por negras e negros africanos islâmicos escravizados – principalmente malês, mas também haussás – que sabiam ler e escrever e muitos eram também hábeis guerreiros. Foi, simplesmente, o maior movimento de insurreição, luta por liberdade e questionamento da ordem escravocrata em âmbito urbano, ocorreu em 1835, em Salvador. O historiador João José Reis afirma que a revolta começou a ser articulada, a princípio com a intenção de libertar o líder mulçumano Pacífico Licutan e acabou por ter como principal objetivo extinguir com a escravidão africana em Salvador” frisa a professora.
Se a participação de pessoas negras tem sido negada na História do Brasil, a de mulheres negras, mais ainda. Luiza Mahin foi uma das protagonistas do movimento, mas os vestígios historiográficos sobre ela são escassos. Segundo Caroline, o principal registo é uma carta, na qual, o abolicionista Luiz Gama, filho de Mahin, a cita como “uma negra africana livre, da Costa da Mina (Nagô de Nação) de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou batismo e doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva e geniosa, insofrida e vingativa(…) e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito. Era dotada de atividade. Em 1837, depois da revolução do dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou(…).”
A partir dessa carta, várias estudiosas e estudiosos, interpretaram, ao longo dos anos, que o citado envolvimento de Luiza Mahin em “insurreições de escravos, que não tiveram efeito” na Bahia como sendo a Revolta dos Malês. “A carta de Luiz Gama é uma fonte documental valiosíssima e importantíssima, já que é a única fonte histórica que cita diretamente aspectos da vivência histórica de sal mãe. Entendo que a imagem de Luiza Mahin está diretamente ligada a valorização da história do povo negro que é caracterizado pelo desejo e luta por libertação e de resistência as opressões estruturais. Agindo como um referencial simbólico que possa permitir a população negra brasileira se ver como sujeitas ativas da história e como protagonistas na sociedade que vivemos. Além disso, acredito que esse “imaginário” que se formou, ao longo do tempo, em torno da figura histórica de Luiza Mahin possibilita a formação de uma série de valores que constituem uma identidade e a representação social e histórica que compõem aspectos ligados ao empoderamento e a resistência coletivos das mulheres negras, e que também norteiam o ponto de vista feminista negro” pontua.
A revolta foi massacrada. No confronto, morreram sete integrantes das tropas oficiais e setenta do lado dos malês. Cerca de 200 escravizados foram levados aos tribunais e receberam condenações, como pena de morte, trabalhos forçados e os açoites. Todos foram barbaramente torturados. Ainda assim, é importante que se conheça mais das formas de resistências do povo negro durante a escravização, pois desfaz tanto o mito de que houve uma “boa escravidão” no Brasil e também de que escravizados aceitaram naturalmente essa situação.
“As pessoas, especialmente para as pessoas negras, não saberem que a Revolta dos Malês foi a maior revolta urbana de africanos contra escravidão negra no Brasil, é extremamente danosa, pois só reforça o apagamento histórico do povo negro e os aspectos racistas e estereotipados sobre as pessoas negras como apenas “descendentes de escravos”, sendo vistas sempre como vítimas, submissas e passivas no processo histórico. Tais estereótipos, que infelizmente, ainda são muito presentes nos livros didáticos de história, por exemplo. A História do Brasil é afetada diretamente, pois quando não problematiza historicamente o racismo estrutural não se pode promover uma educação histórica antirracista, algo que a meu ver é essencial para que se promova a justiça social e racial em nossa sociedade”, analisa Caroline.