No dia 24 de julho de 2021, Paulo Lima, conhecido como Galo de Luta, Danilo de Oliveira, conhecido como Biu, e Thiago Vieira participaram de uma manifestação política diante da estátua do bandeirante Borba Gato, com cerca de 50 pessoas. O ato, que consistiu em atear fogo no monumento, ganhou repercussão nacional e gerou um pedido de prisão temporária de Galo, Biu e Géssica Barbosa, costureira e companheira do ativista.
Pouco mais de um ano depois do fato, Galo, Biu e Thiago seguem com o processo em aberto e com uma audiência de instrução e julgamento marcada para o dia 8 de setembro, quinta-feira, às 14h, no Fórum Criminal da Barra Funda. O caso corre em sigilo de justiça. Os três são acusados de incêndio, danificação de patrimônio público, associação criminosa e adulteração de veículo.
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A expectativa é de que todas as testemunhas sejam ouvidas, que o Ministério Público apresente a acusação e os advogados façam a defesa dos manifestantes. Com isso, a justiça de São Paulo poderá emitir a sentença por escrito. André Lozano, advogado de defesa de Galo e Biu, não acredita no pedido de prisão dos dois ao fim da audiência.
“Não é provável que o Galo seja preso depois da audiência, porque ele tem cooperado com a justiça”, explica.
Ele refuta as acusações do Ministério Público e reafirma o desejo dos ativistas de abrir o debate público. “A expectativa é que fique provado que o Galo tentou se manifestar, como ocorreu em outros países, quando houve manifestações contra monumentos que homenageiam pessoas que violentaram pessoas negras e indígenas”.
Biu espera que a “justiça seja feita” e que haja uma compreensão do ato político feito pelos manifestantes. “A expectativa é que a justiça possa cumprir seu papel. A ideia da ação simbólica nunca foi de derrubar a estátua, de retirá-la, mas sempre de problematizar essa memória que foi colocada em cima dos bandeirantes”. Ele ficou três dias detido, depois de pedido de prisão temporária.
O Ministério Público recebeu uma denúncia contra Galo acerca de publicações feitas por ele nas redes sociais no dia 26 de julho de 2022, em que destaca um “não arrependimento por parte do ativista”. “Completou um ano e o julgamento se aproxima e eu continuo sem arrependimentos. Convicto de que organizar o ódio é o caminho. A luta de classes é a salvação”. O documento é assinado pela Promotora de Justiça Criminal Alexandra Milaré Santos, e direcionado no dia 28 de julho para Mariana Santos, Promotora de Justiça da 5a Vara Criminal e responsável pelo caso.
André Lozano refuta qualquer possibilidade de arrependimento por parte dos manifestantes. “O Galo nunca demonstrou arrependimento, porque o desejo era o de abrir uma discussão na sociedade sobre esse tipo de homenagem e esse objetivo foi atingido. Ele se arrependeria se alguém tivesse se machucado, o que não aconteceu. Foi uma manifestação pacífica e tudo ocorreu bem”.
Galo de Luta conta que toda a logística da manifestação foi pensada para que as pessoas não se machucassem. Uma fila de pneus foi colocada no cruzamento das ruas para impedir a passagem de carros.
O objetivo, de movimentar a discussão na sociedade sobre racismo e homenagem a figuras como os bandeirantes, foi atingido com sucesso, para ele. Um exemplo de que a tarefa foi cumprida ocorreu em uma escola.
“Tem uma escola particular em que a professora dividiu a sala em dois grupos e colocou os alunos que concordavam com a ação, com a queima do Borba Gato para a esquerda, e os alunos que não concordavam com a ação pra direita e criou um debate ali sobre a situação entre os alunos. Achei muito louco isso aí”.
Semanas depois da manifestação da Revolução Periférica, grupo que reivindicou o ato, a prefeitura de São Paulo anunciou a criação de cinco estátuas na cidade em homenagem a pessoas como Carolina Maria de Jesus, o cantor Itamar Assumpção, o músico Geraldo Filme, o atleta olímpico Adhemar Ferreira da Silva e a sambista Deolinda Madre.
A reportagem tentou contato com Thiago Vieira e o manifestante preferiu não se pronunciar.
A prisão
Galo de Luta, Biu e Thiago respondem em liberdade pelas acusações de incêndio, danificação de patrimônio público, associação criminosa e adulteração de veículo. Preso de maneira temporária no dia 28 de julho, Galo recebeu uma decisão liminar do Ministro Ribeiro Dantas, Superior Tribunal de Justiça (STJ), que pedia a liberdade do ativista por considerar a prisão ilegal.
Como resposta, o delegado Deglair Barcellos Júnior pediu a prisão preventiva em 5 de agosto, o que manteve o manifestante detido. O Tribunal de Justiça de São Paulo revogou a prisão preventiva no dia 10 de agosto, com a alegação de que todos nunca foram condenados, e pediu o arquivamento dos inquéritos contra Géssica Barbosa, que não estava presente no dia da manifestação.
O caso foi registrado no 11º DP de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Géssica Barbosa, costureira e companheira de Galo, foi presa porque o aparelho celular utilizado por Galo para organizar o ato estava no nome dela. Ela foi liberada no dia 30 de julho.
A depender do julgamento, Galo de Luta pode ser preso novamente. A dinâmica agitada do dia a dia, as muitas tarefas dentro e fora de casa, políticas e domésticas, não permitiram ao ativista pensar sobre o futuro.
“Tem um tempo que estou no modo automático. Eu acho que quanto mais for chegando perto, mais eu vou entrar no modo manual. E aí, quando eu entrar no modo manual de vez, eu vou descobrir como é que eu vou. Agora está difícil saber porque eu tenho os entregadores, a minha família, a minha quebrada”.
Independente do resultado da audiência, Galo de Luta voltará para o sistema penitenciário. Ele deseja dialogar com as pessoas encarceradas e os jovens em liberdade assistida.
“Eu vou voltar pra lá preso ou não. Eu vi coisas lá que eu não tenho como esquecer. Eu nunca fiz um trabalho de base tão efetivo como eu fiz lá”.
Na análise do ativista, o sistema carcerário é insuportável. “É impossível viver ali [cadeia] por muito tempo sem querer se matar, sem querer morrer”, completa. Galo ainda considera que a prisão só se torna um ambiente menos hostil pelo companheirismo encontrado nos demais detentos. “Você não tem um sabonete, nada. Você é jogado quase nu na cela. Daqui a pouco, outra pessoa presa vem e te oferece uma toalha, um sabonete, outro te dá um pedaço de pão, outro te dá um cobertor”, desabafa.
A cadeia e os efeitos da prisão não foram restritos para ele. O tempo preso engajou ainda mais Géssica em causas de caráter social, racial e de gênero.
“Ela está devorando o livro de um jeito. Géssica está lendo Gonzalez. Carolina Maria de Jesus, está lendo cada parada, cada ideia parece que está na cabeça. Eu acho que o melhor trabalho de base que existe é o próprio campo de batalha está ligado”. Os dois têm uma filha, uma menina de 4 anos.
Para o dia 8 de Setembro, Paulo de Lima, o Galo, clama pelo apoio das pessoas. O apelo não é pela sua prisão individual, mas pela possibilidade de se prender uma manifestação, como a que foi feita. Seguro do que fez, ele recorda o poeta que tanto o inspira. “Como fala o Mano Brown, a fúria negra ressuscita outra vez”.