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“As violações cometidas pela polícia devem ser julgadas”, afirma comissária da CIDH

Em entrevista exclusiva para a Alma Preta, Margarette May Macaulay faz alerta sobre racismo, LGBTIfobia e violência policial e de gênero no Brasil

Imagem mostra Margarette May Macaulay, relatora sobre os Direitos das Pessoas Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial, da CIDH, em visita ao Brasil.

Foto: Imagem: Jheniffer Ribeiro

4 de agosto de 2022

Com agenda no Brasil até sexta-feira (5), Margarette May Macaulay, relatora sobre os Direitos das Pessoas Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), realiza visita ao Brasil junto ao seu gabinete institucional. A agenda da comissária contempla as cidades do Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA), cujo interesse está nos relatos sobre as denúncias de racismo religioso, violência policial, violência política de gênero e LGBTIfobia, relatadas nos últimos anos à CIDH.

A visita promocional de Macaulay é uma iniciativa do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) que junto às organizações da sociedade civil negras, quilombolas e LGBTQIA+, têm facilitado os encontros com lideranças e ativistas de direitos humanos, visando uma escuta ativa da Comissária sobre as violações dos direitos dessas populações no Brasil.

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Alma Preta Jornalismo: Em outubro, haverá a Assembleia Geral da OEA e apresentação da Comissão de Igualdade Racial, quais são suas expectativas em termos de encaminhamentos com o Brasil no âmbito de políticas públicas para justiça e reparação relacionadas a discriminação racial?

Margarette May Macaulay: Espero que tenha avanços e que tudo possa ocorrer por justiça. Mas, de todo modo, tenho algumas ressalvas em função do histórico e das falsas promessas que o Estado brasileiro tem feito em relação às questões raciais, principalmente no que diz respeito ao combate ao racismo. Tenho grande preocupação em relação aos assassinatos que ocorrem nas favelas, em operações policiais, me preocupo com a postura da polícia e com a integridade de mulheres, homens e crianças negras. Além disso, há também uma preocupação com a situação específica das mulheres transexuais no Brasil, pois elas têm sido historicamente brutalizadas. Espero que seja encaminhado durante a convenção a questão dos ataques e discriminação nas ruas contra a população negra e de transexuais e travestis. Desejo também que se olhe atentamente para a situação das pessoas idosas, no que diz respeito à aposentadoria e também para a renda das famílias pobres e negras. Junto a isso, espero que se tenha um olhar mais atento para a questão das mulheres transexuais e travestis idosas, que surpreendentemente conseguiram chegar à terceira idade, mas encontram barreiras adicionais de vulnerabilidade em decorrência da idade por terem vivido além da expectativa. A comissão estará monitorando essas violações para fazer o melhor trabalho possível.

APJ: O Brasil é o pior país da América com relação à letalidade policial. Há uma cultura muito forte de que segurança pública se faz com mais violência policial. No Rio de Janeiro, no período de um ano, tivemos três operações policiais que mataram mais de 70 pessoas. Como você entende que o estado brasileiro deve enfrentar essa questão?

MMM: Não é aceitável que esses casos sejam cometidos por agentes do estado. São inadmissíveis essas operações violentas com helicópteros e há um crescente estado de impunidade no Brasil, sobretudo no âmbito das ações policiais nas favelas. Um ponto muito importante nesse âmbito é que as investigações sejam concluídas, porque há um contínuo sinal de impunidade quando as investigações não vão adiante. É importante que a polícia saiba especificamente qual a função dos seus agentes e quais balas foram usadas para assassinar civis, crianças e a população jovem nesses territórios. As violações cometidas pela polícia contra a população mais vulnerável devem ser avaliadas, monitoradas e julgadas pela justiça civil, porque há um corporativismo na justiça militar. Além disso, o estado brasileiro tem que permitir que o acesso às informações sobre as operações seja livre, não deve ser tolerado sigilo e o Estado deve se manter vigilante com relação a isso, principalmente nos casos em que há civis mortos.

APJ: Os ataques a praticantes de religiões de matrizes africanas e aos povos de terreiro têm sido cada vez mais frequentes. Como podemos firmar acordos internacionais efetivos que assegurem a garantia de direitos a este grupo?

MMM: Tem ocorrido cada vez mais ataques às religiões de matrizes africanas, ano após ano, e é necessário que organizações e pessoas que sofrem esses tipos de ataques sigam o ritual processual em nível nacional e acionem as cortes e as instâncias jurídicas do país. Isso é essencial para que essas instituições possam se posicionar sobre esse tema com o objetivo de garantir a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, previstas nos documentos em que o Brasil é signatário. É importante também trazer esse tema à tona para a Comissão Interamericana caso o pedido tenha falhado nessas cortes a nível nacional, porque podemos oferecer uma resposta definitiva a esses casos. O papel da corte interamericana tem sido de trabalhar em parceria com as organizações e com as pessoas que foram violentadas e que são vítimas de racismo religioso. Estamos trabalhando assim porque entendemos que essas pessoas melhores do que ninguém podem nos levar informações precisas para darmos prosseguimento e construir ações de mitigação a esse tipo de violência.

APJ: Você esteve presente no Encontro Nacional da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Quais foram suas impressões e acúmulos sobre esse espaço? Como você avalia a violência contra pessoas trans no Brasil?

MMM: É muito grave a situação que as pessoas trans enfrentam no Brasil e não conheço outro país que tenha números tão elevados de violência contra essa população. Mesmo diante de tanta violência, no evento da Antra eu pude ver mulheres e homens incríveis, pessoas determinadas que têm vivido em busca de um sonho que é atingir suas metas de vida em busca do reconhecimento como cidadãs. O engendramento entre o racismo e as questões de orientação e identificação de gênero tem feito com que essas pessoas sejam alvos mais suscetíveis de uma violência específica que é intersecção entre o racismo e a transfobia. É inaceitável que essas pessoas sejam atacadas sistematicamente e o fato desses ataques terem ocorrido de maneira significativa tem colocado uma situação de risco particular às pessoas trans negras. O Estado brasileiro precisa aceitar a realidade para mudar esse cenário. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos pode funcionar como uma resposta a esse tipo de ataque e as pessoas trans podem e devem usar essa convenção para pressionar o Brasil a seguir as recomendações de garantias efetivas de bem viver as mulheres transexuais e travestis no Brasil.

Leia também: “O Brasil precisa dar atenção aos crimes cometidos contra a população negra”, diz comissária da CIDH

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