A Batalha da Matrix é um evento de destaque na cultura negra e periférica de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. O evento reúne centenas de jovens, sendo a maioria negros, para ouvir as disputas de rimas que acontecem às terças-feiras à noite, na praça da Matriz.
Mesmo existindo desde 2013, com um hiato apenas no período da pandemia de Covid-19, a Batalha da Matrix ainda enfrenta uma disputa com a prefeitura para seguir em frente, segundo os organizadores.
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“Não foi à toa que a prefeitura de São Bernardo do Campo escolheu criminalizar os organizadores e frequentadores da Batalha da Matrix. Há nove anos, a Batalha representa uma forma de ocupação do espaço público com arte e de garantia do direito à cidade para a juventude negra e periférica, que sofre com a escassez de equipamentos públicos de lazer e cultura na cidade”, pontua Paula Nunes, militante do movimento negro e vereadora da Bancada Feminista do PSOL, na Câmara Municipal de São Paulo.
Um dos marcos mais recentes dessa perseguição foi a aplicação de duas multas que somam pouco mais de 15 mil reais, por conta do volume do som.
“Eles alegam que estamos ‘ultrapassando o barulho permitido para o horário’. Porém, não apresentaram nenhum laudo comprovando isso”, explica Lucas do Vale, organizador do encontro, que recebeu as multas.
Desde abril deste ano, quando a Batalha voltou a ser realizada, a Guarda Civil Metropolitana estaria promovendo ações que visam coibir a realização do evento. Os organizadores relatam que não podem mais utilizar as tomadas de energia elétrica da praça para ligar o equipamento de som.
“O Prefeito Orlando Morando (PSDB-SP) percebeu que não vai conseguir acabar com a Batalha com bombas e dispersão, então agora tenta relacionar o movimento ao distúrbio sonoro e ao uso abusivo de álcool e drogas por adolescentes. Nada disso é verdade! O maior medo dele é mostrar que São Bernardo é uma cidade que produz cultura periférica, que forma jovens dispostos a mostrar para o mundo a sua arte contestadora, a ser uma pedra no sapato de uma sociedade racista e elitista”, defende Paula.
A Batalha da Matrix foi tema do livro do pesquisador e cientista social Felipe Oliveira Campos, com mestrado pela USP (Universidade de São Paulo). Ele conta que o movimento foi importante inclusive para a evolução da identidade do rap nacional.
“As batalhas de rap formam um circuito nacional presente nos 26 estados e no Distrito Federal, no qual também está inserida a Batalha da Matrix. Essas manifestação cultural popular acabou influenciando a forma como os raps passaram a ser gravados no Brasil”, explica Campos, autor do livro “Rap, cultura e política: Batalha da Matrix e a estética da superação empreendedora”.
De acordo com Campos, os frequentadores da batalha são descendentes dos trabalhadores que participaram do processo de industrialização de São Bernardo. Essa origem na classe trabalhadora, que se opôs à Ditadura Militar, tem influência na politização e consciência racial dos jovens. “Cerca de 60% dos frequentadores se declaram pretos ou pardos. Enquanto na cidade, são 30% os que se declaram negros. Isso chama a atenção de como a Batalha da Matrix assume esse caráter do rap como uma cultura negra”, aponta o pesquisador.
A Alma Preta Jornalismo procurou a Prefeitura de São Bernardo que, em nota, informou que “a utilização de praças é livre a qualquer cidadão. A realização de eventos, no entanto, depende da autorização da administração municipal, conforme previsto em lei. Sobre o evento Batalha da Matrix, que ocorre há anos na cidade, a Prefeitura presta apoio, por meio da Guarda Civil Municipal (GCM), com intuito de evitar o consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade e o uso de drogas, como ocorria no passado”.
Sobre as multas aplicadas aos organizadores, a Prefeitura diz que “a GCM não autoriza a utilização de equipamentos de som, como forma de evitar transtornos aos moradores do entorno, conforme prevê a Lei Municipal nº 6.323/2013. A multa aplicada se deu pelo descumprimento desta legislação”.
A Câmara dos Vereadores de São Bernardo do Campo respondeu em nota que “O caso em questão não chegou ao conhecimento dos vereadores da Câmara, logo, não temos uma posição”.