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Beleza negra: a noite em que vi mais pessoas bonitas na vida

24 de janeiro de 2018

Concurso que elege Deusa do Ébano do bloco Ilê Aiyê de Salvador atrai público negro, empoderado e lindo

Texto / Guilherme Soares Dias
Imagem / Heitor Salatiel

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Talvez ninguém tenha te contado que esse evento existe. Ou se contaram não deram o tamanho da importância que ele tem. A Noite da Beleza Negra, concurso que elege todos os anos a Deusa do Ébano, do bloco afro Ilê Aiyê de Salvador é a grande celebração da beleza negra do país. Os mais belos dos belos negros estão na plateia assistindo com seus turbantes, blacks, camisas e peças de motivos africanos desfilando quase anonimamente seus reinados de príncipes, princesas, reis e rainhas africanos. Todos produzidos para fazer jus ao nome da festa.

Para ser um dos belos é preciso cruzar a cidade rumo ao Curuzu. Os carros te deixam no começo da ladeira famosa que hoje só pode ser acessada a pé. Quem é que sobe a ladeira? Os pretos de todas as regiões de Salvador. Nas casas, a comunidade está em festa. Churrasco, cerveja, música… Nesse cenário, a Senzala do Barro Preto, sede do Ilê, uma escola de sete andares, é imponente. No palco montado para a festa corpos negros dançam e desfilam com rostos pintados e motivos que lembram a África. “Representatividade importa sim”, brada Arany Santana, secretária de Cultura da Bahia, ex-diretora do Ilê e hoje apresentadora do evento.

Pela janela, casas se amontoam silenciosamente iluminadas morro adentro. E quando a percussão começa arrepia. O homenageado da noite e do carnaval deste ano é o ex-presidente sul africano e defensor dos direitos humanos Nelson Mandela. “Em todo preto bate um coração Mandela”, evoca Arany, lembrando que todos ali têm a responsabilidade de serem guerreiros e defensores dos direitos da população negra.

Um coral canta músicas africanas. O cheiro de Alfazema está no ar. As baianas surgem para uma coreografia que remete a um nascimento e fazem uma oferenda pela paz. De branco, elas carregam jarros e bacias d’água com ervas.

A maioria dos 1,5 mil presentes é negro. E isso surpreende. Afinal, os ingressos mais baratos custam R$ 50 e a cota de cortesias não é grande. É verdade que tinham alguns brancos fazendo branquice: fantasiados de cangaceiro, imperador e etc numa festa que não era carnaval, não era de fantasia. Era a celebração da beleza negra real.

Deusa do Ébano. Começa o concurso que vai eleger a rainha do Ilê Aiyê. Não é um concurso de miss, de beleza, de dança, mas de representatividade. Quem é a mulher que traduz a beleza negra e que vai reinar junto ao bloco neste carnaval? As 16 candidatas se apresentam com roupas afro, cabelos com penteados para cima, coroas, palhas, búzios, saias douradas e rodadas.

Apesar da generalização, cada uma produz suas próprias roupas ou tem seu estilista. Elas são anunciadas como sendo filhas de orixás. As de Iansã levam vantagem nos gritos. Muitas delas são mulheres com formas. Elas rodopiam, encurvam a coluna, estendem os braços para os lados e os movimentam para cima e para baixo em uma dança coordenada. Algumas entram com algemas e se libertam para bailar e mostrar a força da mulher negra.

Jéssica Nascimento a vencedora da noite. Entrou com sua coroa com um punho fechado em cima da cabeça e arrebatou o público. Moradora do Cabula, região periférica da capital baiana, a estudante de Informática de 19 anos dança desde os 11 e viu o concurso pela primeira vez aos 14. “Naquele momento eu disse: quero ser a deusa do ébano. Esse concurso é uma afirmação da nossa identidade. É um lugar de protagonismo que não é dado para nós”, afirma.

Ela lembra que a noite é da diversidade da beleza negra. “Não estão atrás de estética, mas de beleza. Tanto é que cada uma tem a sua, existe uma diversidade. É muito gratificante ser a deusa de uma entidade como o Ilê que leva uma consciência política combatendo racismo e discriminação. Esse é um concurso que trouxe empoderamento e auto estima da mulher negra. Nos fez pensar que podemos ser deusas”, disse, emocionada.

Resistência. O Ilê é um bloco de resistência e de suma importância para a comunidade baiana. Até hoje brancos não saem no bloco. O fundador Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Vovô, lembra que desde que o Ilê nasceu, em 1974, há concurso de beleza para escolha da rainha do bloco. Em 1980, foi criada a noite da beleza negra. “Começamos a procurar espaços fechados para a realização do concurso. Era uma dificuldade, já que todos os clubes eram dirigidos por brancos. Mesmo assim, não paramos mais e o concurso foi crescendo, passando por diversos espaços até construirmos a nossa sede”, diz. Pergunto como a noite ganhou as dimensões atuais e ele responde: “A negrada disse sim. O concurso mudou a autoestima da mulher negra. É uma ação afirmativa do ilê”, reforça. O bloco nasceu para combater a discriminação, já que a maior parte deles não aceitavam negros.

Vovô lembra que apesar de ser um dos maiores eventos pré-carnaval da cidade recebe pouco ou nenhum apoio e respaldo do poder público e da iniciativa privada. “Antes, os negros só saíam carregando alegoria ou tocando. Fizemos um bloco para ser protagonista e o destaque ser o povo negro. Sempre escolhemos temas negros para o carnaval. Esse ano é Mandela. Queremos reescrever história do povo preto pela nossa ótica. Por meio do carnaval contamos histórias de nações africanas para reforçar o orgulho de ser negro”.

 

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