Quem passa a virada de ano no litoral e escolhe a praia para celebrar a passagem com amigos e familiares costuma ter um ritual: ir para a beira do mar pular 7 ondas e pedir um desejo para cada uma delas.
O ato, uma homenagem à orixá do mar e das águas, Iemanjá, trata-se de uma cerimônia mais próxima ao culto da Umbanda, uma das religiões afro-brasileiras. O ritual é uma forma de desejar melhores momentos para o ano que se aproxima e deixar para o passado os problemas do ciclo que se encerra.
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Felipe Brito, Ebomi do Ilê Maroketu Axé Oxum (SP) e diretor geral da Ocupação Cultural Jeholu, recorda que o número 7 também tem uma relação direta com diversas tradições das religiões afro.
“Pensando na simbologia do número 7, que na Umbanda tem muito a ver com o universo das entidades chamadas de Exu, os guardiões, como 7 Encruzilhadas, 7 Pombagiras, 7 Saias, 7 Caldeiras, entre outras entidades, que cuidam dos caminhos e apresentam novas possibilidades e renovação”, explica.
O nome Iemanjá tem origem Iorubá, que é a soma das palavras yèyé, omo e ejá, que juntas significam a mãe cujos filhos são peixes. Iemanjá, a senhora das águas, dos rios e dos mares, é uma figura religiosa consagrada no Brasil, em especial por conta da devoção dos pescadores com essa divindade, que pediam para ela uma boa pesca.
A orixá é também responsável por trazer calma e tranquilidade ao Ori, que nas religiões de matriz africana é o nome utilizado para se referir à cabeça de cada sujeito.
“Iemanjá é aquela que cuida do Ori, aquela que acalma as cabeças que estão com alguma perturbação, que estão sofrendo de algum mal mental, emocional. Ela é sempre vista como a mãe de todos os orixás, como a grande mãe”, conta Felipe Brito.
Racismo Religioso
Questionado sobre o atual momento do país, de fortalecimento do fundamentalismo religioso evangélico e de ódio às religiões de matriz africana, Felipe Brito fez uma ressalva. “A questão do racismo em relação às comunidades de terreiro é um processo histórico e contínuo, que toma formas diferentes em cada época”.
Ele aponta, contudo, a existência de um momento conturbado no país, em especial no Rio de Janeiro, onde há um cenário de invasão dos terreiros.
“São muitas as violações de direito às comunidades de terreiro no Brasil. Com essa nova categoria que foi criada, se é que assim pode ser chamado, dos traficantes de jesus, os traficantes evangélicos. é um fenômeno brasileiro, que usa de um discurso de ódio e da força do crime organizado para expulsar os terreiros e as comunidades de matriz africana das comunidades fluminenses”.
De acordo com dados do Disque 100 apurados pelo Gênero e Número e pelo DataLabe, 59% de todos os casos de violência religiosa registrados entre 2011 e junho de 2018 eram destinadas às religiões de matriz africana, caso da umbanda e do candomblé. O Disque 100 é um canal, criado em 2011 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para receber denúncias de violação de direitos humanos no país.
Diante de números expressivos de ódio contra as religiões de matriz africana, Felipe Brito acredita que as pessoas aceitam pular as 7 ondas, uma tradição ligada à Umbanda, por entenderem figuras como Iemanjá como uma pessoa branca. Para ele, símbolos religiosos da comunidade negra foram “embranquecidos” pela cultura nacional.
“Quando procuramos entender como que em um país extremamente racista como o Brasil, essas pessoas conseguem ao final do ano pular 7 ondas, sendo que grande parcela da população repudia qualquer manifestação religiosa que não seja cristã, precisamos entender a partir um único aspecto: Iemanjá é branca na cabeça das pessoas”, afirma.
Para ele, em um cenário de ódio contra as religiões afro, o ritual de pular as 7 ondas não é uma referência à ancestralidade negra. “O pular 7 ondas não é um ato para a Iemanjá do povo Iorubá, africana, nigeriana, negra. Você está pulando para aquela Iemanjá idealizada branca do cabelo preto, escorrido, liso até a cintura, com o corpo fitness. Uma Iemanjá extremamente padronizada e eurocêntrica”, completa.