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Brasil vive nova epidemia de fome

Insegurança alimentar atinge majoritariamente os lares negros, chefiados por mulheres e das regiões Norte e Nordeste

Texto: Flávia Banastor | Imagem: Luiz Carlos Gomes/Oxfam Brasil

Imagem mostra um menino negro olhando para uma barraca de frutas, na feira

Imagem mostra um menino negro olhando para uma barraca de frutas, na feira

16 de outubro de 2021

A data do Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro, foi escolhida em 1945 para celebrar a criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem estar, principalmente quanto à alimentação.”. Este é o início do artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Desde a década de 1940 existe um debate mundial sobre a segurança alimentar e houve apenas um único momento na história do Brasil em que o Estado se comprometeu e foi capaz de assegurar esse direito, entre 2004 e 2013, quando políticas públicas de combate à miséria resultaram na exclusão do Brasil do Mapa da Fome da FAO.

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No país, quem determina o conceito de segurança alimentar e nutricional é a Lei orgânica de segurança alimentar e nutricional (LOSAN) de 2006, que diz o seguinte: “Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.”

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, criado em 2004 e extinto em 2019, realizou um estudo técnico no qual criou-se o principal indicador da insegurança alimentar no país: A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), através da qual dividiu-se o fenômeno nos níveis leve, moderado e grave. A escala seria capaz de medir a experiência física e psicológica da população com fome.

A fome provoca o adoecimento físico e psicológico, é um fenômeno tanto individual quanto coletivo (familiar) e social (comunitário), ligado diretamente à renda. Ele se instala quando a falta do alimento sai de uma preocupação individual e chega ao âmbito coletivo. Por exemplo, a preocupação com a alimentação atinge primeiramente os adultos de uma família, que reduzem suas refeições para que a comida renda e as crianças possam se alimentar por mais tempo e se agrava quando as crianças não comem por dias.

Leia também: A fome como política de morte, o Brasil como um quarto de despejo

Epidemia de fome

A crise sanitária da Covid-19 aprofundou a subalimentação do povo brasileiro. Mas não é de hoje que a fome voltou a assombrar a população, com base no “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil” realizado em 2020, mas que segue atual, desde 2018 a situação da fome voltou aos patamares de 2004.

Em apenas dois anos (2018-2020), o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Hoje, este número deve ter crescido e mais brasileiros passaram a experienciar a fome em seu dia a dia. De acordo com o nutricionista Osiyallê Akanni, é possível afirmar que tal quadro caracteriza uma epidemia da fome no Brasil.

Ainda segundo a pesquisa, a fome afeta principalmente os lares de pessoas pretas e pardas, chefiados por mulheres, de baixa escolaridade, das regiões Norte e Nordeste. Além da insegurança alimentar, existe ainda a insegurança hídrica, o que agrava a situação, pois a falta de água dificulta a produção e o preparo adequado de alimentos.

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‘Falar de alimentação não é só sobre escolher o que comer’

A negligência do estado em relação à garantia do direito à alimentação implica em um extermínio nutricional das populações mais vulneráveis, principalmente a negra. O fenômeno também é conhecido como Nutricídio, termo cunhado pelo médico estadunidense Llaila O. Afrika.

A cientista social Ana Paula Holanda analisa o tema em artigo sobre racismo alimentar publicado em coluna no site Negrê. “Hoje vejo de forma nítida que falar de alimentação não é só sobre escolher o que comer, mas principalmente não esquecer que existe o problema de quem não tem o que comer e quem come mal sem o direito à escolha. A questão racial interfere diretamente nisso a partir do momento em que pessoas negras e demais grupos não brancos são os mais atingidos pelo nutricídio, pela fome, pela insegurança alimentar”, afirma.

A autonomia alimentar dos negros está longe de ser atingida, até mesmo por quem está em segurança alimentar, tendo em vista que o ciclo da alimentação nos faz interdependentes de um processo, que começa na produção do alimento até que ele chegue no prato. É como dizem os movimentos campesinos: “Se o campo não planta a cidade não janta”.

Por isso, é impossível dissociar a alimentação nos centros urbanos da esfera social e política. Para reverter o cenário atual é necessário, no mínimo, um esforço comunitário (com hortas e cozinhas nos bairros) de retomada de antigas políticas de segurança alimentar. Além de avançar, popularizando o acesso à alimentação saudável, fortalecendo as agriculturas de base ecológica e o conhecimento sobre a educação alimentar, como disciplina de educação básica, principalmente dentro das escolas públicas, que é onde se concentra a maioria da população negra.

Desertos alimentares

Como se o cenário já não fosse bem ruim, famílias negras de baixa renda e periféricas muitas vezes têm seus domicílios situados em desertos alimentares. Ou seja, territórios onde é difícil o acesso aos alimentos de alto valor nutritivo. A permanência nestes locais tem impacto na saúde da população negra. Todas essas questões levam ao adoecimento crônico e até mesmo ao óbito dos atingidos por essa realidade.

O Inquérito também revelou que em dois anos houve um aumento significativo da insegurança alimentar leve. Reflexo da queda na renda da população, que teve como consequência a disparada no consumo de alimentos de baixo valor nutricional e até mesmo na procura por alimentos fora de condições sanitárias adequadas ao consumo humano, como foi o caso do caminhão de ossos e da alta no consumo do miojo.

Ainda em 2020, o presidente do conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Francisco Menezes, já afirmava que o Brasil estaria de volta ao Mapa da Fome devido à pandemia e ao desmonte de políticas públicas de segurança alimentar. Neste momento, em que o estado se ausentou de cumprir o seu papel, campanhas contra fome são importantes, mas não são o suficiente para deter a epidemia da fome. Sabemos que um dia fomos capazes de superá-la e que isso só foi possível quando o estado assumiu o seu papel de provedor.

Soluções possíveis

Segundo o Guia Alimentar para População Brasileira, livro desenvolvido pelo Ministério da Saúde em 2006, existem dez hábitos para uma alimentação adequada e saudável, dos quais destaca-se: Fazer de alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação; Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar; Limitar o consumo de alimentos processados; Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados; Fazer compras em locais que oferecem variedades de alimentos in natura ou minimamente processados; Desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias; Ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais.

Com a alta nos preços dos alimentos e a queda na renda, fica difícil para os habitantes das cidades seguirem essas orientações de consumir alimentos naturais ou minimamente processados, é mais fácil apelar para o consumo de processados e ultraprocessados. Mesmo assim, é preciso desmistificar a ideia de que “comida saudável custa caro”.

O nutricionista Osiyallê Akanni deu algumas dicas para adequar o cardápio a uma renda mais modesta: procurar frequentar mais as feiras ao invés do mercado, principalmente as feiras agroecológicas; buscar frutas da região e da estação, consumir mais raízes, pois trazem maior sensação de saciedade; e substituir a carne por ovos, como uma opção mais barata de proteína animal.

Conheça campanhas contra a fome:

Nacional

ActionAid no combate à fome | Auxílio Até o fim da Pandemia | Brasil Sem Fome | Comida na Mesa G10 Favelas | #CoronaNoParedão #FomeNão | Gente É pra Brilhar | Mães da Favela | Rede Solidária MLB | Tem Gente com Fome

Norte

Respira Xingu | Rio Negro, Nós cuidamos

Nordeste

SOS Periferia | União Bahia

Este conteúdo é resultado de uma parceria da Alma Preta com a Purpose e o Site Negrê para o Dia 16 de Outubro, Dia Mundial da Alimentação.

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