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Cadernos Negros: “A gente pode falar da nossa afetividade”

14 de novembro de 2018

Existente no cenário nacional desde 1977, os Cadernos Negros foram tema de debate durante a Festa Literária das Periferias (FLUP)

Texto / Pedro Borges
Imagem / Francisco Costa

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O “Cadernos Negros” segue com uma publicação anual de escritoras e escritores negros desde 1977. A série, já traduzida para o inglês, e presente na lista de leituras obrigatórias do vestibular da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para as provas de 2012 e 2013, é a obra literária mais antiga e tradicional da comunidade negra.

A série foi tema de debate durante a Festa Literária das Periferias (FLUP), no dia 11 de Novembro, domingo, na Biblioteca Parque Estadual, Rio de Janeiro. O diálogo contou com a participação de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa, escritores e integrantes do Quilombhoje, grupo responsável pela organização da coletânea, e com Selma Maria da Silva, professora e pesquisadora sobre literatura negra.

A professora acredita que os Cadernos Negros são uma estratégia de luta da comunidade afro-brasileira, porque a escrita e a organização afrodescendente em uma sociedade racista exigem alto investimento humano.

“A força dos Cadernos Negros está neste fato. Para nós existirmos, nós precisamos combater a própria estrutura das editoras, que nunca querem nos publicar. Agora talvez queiram, porque agora interessa, mas a gente sempre teve um público leitor”.

Cadernos Negros Corpo 1

Esmeralda Ribeiro, uma das organizadoras dos Cadernos Negros (Foto: Francisco Costa)

Márcio Barbosa acredita que a publicação é algo diferente em meio à literatura nacional por possibilitar a voz ativa da comunidade negra.

“A gente pode colocar humanidade e falar da nossa afetividade. As escritoras negras podem ser sujeito da sua própria escrita e não precisam ser objeto dos outros. Nós homens negros também podemos ser sujeitos”.

Ele também acredita que os Cadernos Negros sejam uma possibilidade para renovar os nomes da literatura nacional. A coletânea, responsável por apresentar ao público figurass hoje consagradas como Conceição Evaristo, desde 2017 lança a obra “Jovem Afro”, com textos de novos nomes da literatura afro-brasileira.

“Cadernos negros é possibilidade inclusive de revelar autores, como a própria Conceição Evaristo, que surgiu no Cadernos Negros, e revelar autores jovens. Tem muitos autores jovens se interessando. Isso é bem legal, porque tem uma geração surgindo e a gente está vendo uma oportunidade de uma continuidade qualitativamente melhor”.

A história da coletânea

O estudo “Um pouco de História de Cadernos Negros” criado pelo Quilombhoje e pela pesquisadora Aline Costa, feito em homenagem aos 30 anos da coletânea, é uma fonte rica sobre a história da publicação.

A inspiração para o nome da coletânea veio de uma fatalidade, ocorrida em 13 de Fevereiro de 1977, a morte de Carolina Maria de Jesus. O nome foi então uma homenagem à escritora, uma das principais da história brasileira.

Os Cadernos Negros surgiram em 1977, criado por duas figuras, o escritor e poeta Cuti e o ativista e poeta Hugo Ferreira. A obra inaugural, feita de 52 páginas, foi a possibilidade, como conta Cuti, de enfrentar o apagamento da presença do negro enquanto sujeito da literatura brasileira.

O lançamento da obra ocorreu no Festival Comunitário Negro Zumbi (FECONEZU), realizado na cidade de Araraquara, em 1978, que reuniu cerca de 2 mil pessoas. Alguns dias depois, novo lançamento, na Livraria Teixeira, na Rua Marcondes, mas agora para outro público, para a elite paulistana, e para figuras como Florestan Fernandes.

A primeira edição, com poesias de Celinha, Oswaldo de Camargo, Eduardo de Oliveira e Oliveira, foi feita pelo poeta Cuti, quem reuniu os escritos, orçou o valor da publicação com uma gráfica, e juntou o dinheiro com os escritores para pagar a impressão.

Era ele quem cotava o valor das gráficas e se esforçava para reunir os poetas também nas publicações seguintes. Sônia Fátima cuidava da parte financeira do grupo, Oswaldo de Camargo editava os textos, e Marinete, a Nete, ajudava na organização dos eventos de lançamento e na busca de novos leitores da obra.

Cadernos Negros Capa

Mesa de debate sobre os Cadernos Negros durante a FLUP (Foto: Francisco Costa)

A continuidade da publicação desde então também é resultado de uma estratégia criada por Cuti, a de colocar o lançamento da próxima coletânea já naquela que seria publicada. Para ele, era a forma das pessoas assumirem um compromisso, e uma garantia da continuidade dos Cadernos Negros.

Os encontros para a constituição dos Cadernos Negros ocorriam na casa de Cuti, no bairro do Bixiga. Era lá que os poetas se encontravam para discutir os textos que seriam publicados, bem como a obra de autores consagrados, caso de Solano Trindade e Lima Barreto, textos também publicados nas páginas dos Cadernos Negros.

Dessas conversas surge o Quilombhoje, grupo que tinha o objetivo de discutir a presença do negro na literatura brasileira e o grupo passa a organizar e colaborar para a construção dos Cadernos Negros.

Logo no início, surge o primeiro afastamento do grupo, de Hugo Ferreira. Ele acreditava no potencial político do Cadernos Negros, e queria popularizar e democratizar a poesia, como forma de apresentar novas ferramentas políticas para a comunidade negra.

No início dos anos 80, o Quilombhoje recebe novos integrantes, figuras importantes para a literatura negra e para a continuidade dos Cadernos Negros, como Esmeralda Ribeiro, Márcio Barbosa, Oubí, e Miriam Alves.

A entrada desses novos integrantes ressuscita a discussão sobre a política. Queria-se saber se o Quilombhoje seria um espaço de discussão literária, ou um grupo de divulgação e ação política.

Naquele momento, a proposta defendida pelos mais jovens sai-se vitoriosa, e integrantes mais antigos, como Oswaldo de Camargo, se afastam do grupo, o que deixa Cuti em uma situação delicada. Ele foi obrigado a decidir entre o alinhamento com os amigos de longa data, do início da publicação, ou a continuidade com os jovens, muito interessados pela divulgação da literatura.

Opta por seguir no grupo com os jovens.

“Foi bom porque a partir daí os Cadernos Negros evoluíram, pois o trabalho em equipe dá muito mais resultado”, conta Cuti.

Da década de 1980 para cá, uma série de mudanças ocorreram na composição dos Cadernos Negros.

Cuti, por problemas pessoais, se afasta do Quilombhoje em 1983, mas continua a publicar nos Cadernos Negros. Em 1999, novas saídas e a continuidade da presença de figuras como Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa, as mais antigas a frente do grupo.

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