Considerado como um dos principais intelectuais do século 20, o pesquisador baiano Milton Santos é conhecido por suas contribuições nas pesquisas da Geografia. Com mais de 40 obras, Milton Santos se debruçava em questões que possibilitassem entender o comportamento da sociedade considerando seu espaço social. Diante da sua importância para a pesquisa brasileira e para a população baiana, uma campanha popular reinivindica o reconhecimento simbólico do intelectual com a alteração do nome da Avenida Adhemar de Barros (localizada em Salvador) para Milton Santos.
Lançada em setembro deste ano, a campanha ‘Avenida Milton Santos’ (@avmiltonsantos) defende que o nome de Adhemar de Barros seja substituído já que o político paulista não tem nenhuma relação com a cidade. Além disso, Adhemar, que já foi prefeito e governador de São Paulo, foi apoiador do regime militar e teve a carreira repleta de escândalos de corrupção. Inclusive, a expressão popular “rouba, mas faz” surgiu em referência ao político.
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Já Milton Santos se destaca por ser baiano, ter construído uma relação íntima com a cidade e ser um dos principais estudiosos no Brasil e no exterior. A avenida que faz parte da campanha também tem uma ligação forte com o geógrafo, já que no local está localizada a Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde Milton Santos se formou em Direito e atuou como professor de geografia.
“Não é só um nome em uma placa, tem toda uma questão simbólica que eu acho importante. Eu vejo que essa é uma questão que realmente está na cabeça de muita gente […] Agora é o momento em que esse tipo de pauta está muito mais presente na vida das pessoas”, disse Christiane Gurgel, jornalista e uma das idealizadoras da campanha, à Alma Preta Jornalismo.
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Christiane é moradora há 26 anos em uma rua transversal à Avenida Adhemar de Barros e conta que a campanha surgiu da necessidade de se questionar quem são as figuras que são homenageadas pela cidade. Apesar da atual campanha, o pedido para a mudança de nome é feito desde 2012.
“Hoje os tempos são outros. Representatividade é uma coisa que está muito em pauta. Salvador é uma cidade que, apesar de ter a maioria da população negra, quase não tem ruas de destaque em homenagem a representantes negros”.
O reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Salles, é um dos apoiadores da iniciativa. Em um vídeo publicado na rede social da campanha, Salles destaca a trajetória de Milton Santos e a importância de ter o nome do geógrafo na Avenida, onde está localizado um dos principais campus da UFBA.
“Nós sabemos bem a importância de uma pessoa em específico que é, – na origem da UFBA e do mundo, porque é uma referência internacional – no pensamento sobre o espaço, alguém que cuja trajetória representa uma das nossas lutas mais significativas: uma luta contra desigualdade, uma luta pelo respeito à diversidade, uma luta certamente por uma reflexão que pense no horizonte em uma sociedade profundamente democrática. Esse nome é Milton Santos, grande geógrafo cuja trajetória se associa à nossa universidade e é inspiradora para nossas pesquisas”.
Campanha pede aprovação de projeto de lei
A campanha ‘Avenida Milton Santos’ também lançou uma petição online que já se aproxima de 5 mil assinaturas e que pede a aprovação do Projeto de Lei 97/2021, apresentado em março deste ano na Câmara Municipal de Salvador pelo vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB). O PL defende a alteração do nome da avenida, considerada como uma das vias mais movimentadas da capital baiana. Segundo Augusto Vasconcelos, a mudança é uma maneira de promover reparação histórica.
“Nada mais justo do que fazer essa alteração. Enquanto isso, Adhemar de Barros foi um político ultraconservador, que ficou conhecido pela expressão popular ‘rouba mas faz’. Não é apenas o nome de uma rua, é reparação histórica que está em jogo”, pontuou o vereador durante a apresentação do projeto.
Como funciona o processo de alteração?
Conforme estabelecido pela lei federal, os nomes de ruas, monumentos e obras só podem homenagear pessoas falecidas que tenham prestado serviços relevantes para a comunidade e que não tenham relação com a exploração e defesa da escravidão. Cada município também pode propor a indicação dos nomes através de projeto de lei, que passa pela Câmara e depois segue para sanção da Prefeitura.
O projeto 97/2021, apresentado pelo vereador Augusto Vasconcelos, segue em tramitação na Câmara Municipal de Salvador. Em 2012, um PL semelhante chegou a ser apresentado pelo vereador Gilmar Santiago (PT). No entanto, o texto foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara sob o argumento de que uma rua no bairro da Canabrava, em Salvador, já leva o nome do geógrafo.
A mesma justificativa tem sido utilizada para o projeto apresentado neste ano, porém, Vasconcelos entrou com um recurso sob argumento que o pedido de nomeação é para a avenida e não para uma rua.
“Se não houver um movimento coletivo, a gente não consegue convencer os vereadores […] O que a gente precisa é que as pessoas que se envolvem, que acreditam nisso, que elas multipliquem. Para quem está participando da campanha o aprendizado que fica é de, realmente, ter essa consciência da força que a coletividade tem e a gente esquece disso muitas vezes”, completa Christiane.
Biografia
Nascido em maio de 1926 na cidade de Brotas de Macaúbas, na Bahia, Milton Almeida dos Santos foi ativista, geógrafo, advogado, jornalista e pesquisador considerado como um dos mais renomados intelectuais brasileiros do século 20.
Reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa em 20 universidades nacionais e internacionais, Milton Santos foi o único geógrafo brasileiro e latino-americano a conquistar o Prêmio Vautrin Lud, considerado o Nobel de Geografia.
Durante a sua carreira profissional, Milton Santos também foi vítima da Ditadura Militar, em 1964, chegando a ser preso e exilado para a França por ser favorável aos movimentos de esquerda.
Atuou como professor de geografia humana na Universidade Católica de Salvador; professor catedrático de geografia humana na UFBA; professor emérito da faculdade de Geografia da USP; jornalista e redator no jornal A Tarde, um dos mais antigos da Bahia e do Brasil; além de lecionar como professor convidado em universidades francesas, como Toulouse e Bordeaux; e americanas, como a Columbia University e Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Além da carreira acadêmica, Milton Santos também foi membro da Associação de Geógrafos Brasileiros, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), além de ter sido consultor de organizações, como a Organização dos Estados Americanos (OAE), e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Milton Santos morreu em 2001, aos 75 anos, vítima de um câncer de próstata que vinha tratando no Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo.