“Não é mito: os negros possuem características genéticas e morfológicas superiores para alguns esportes. Basta olhar os maiores vencedores do atletismo das últimas olimpíadas”, é o que diz o especialista em Medicina do Esporte, Guilherme Corradi.
O médico explica que esse fato se dá pelo desempenho atlético ser uma característica complexa, influenciada por fatores genéticos e ambientais. Muitos traços físicos, de acordo com o especialista, ajudam a determinar a capacidade atlética de um indivíduo, principalmente a força dos músculos usados para o movimento.
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Corradi avalia ainda que “o tipo predominante de fibras que compõem o esportista negro e, claro, sua herança genética é responsável por 30 a 70% da performance do atleta”, diz o médico. Ou seja, nos negros essa estrutura corporal é atrativa para algumas modalidades por gerar melhor performance atlética.
No entanto, o médico salienta a importância do preparo físico dos atletas negros e destaca a alimentação como primordial neste processo. Levando em consideração a subnutrição da população negra, Corradi ressalta que o esportista de alta performance precisa ter uma alimentação adequada em macronutrientes, proteínas, carboidratos e gorduras (calorias ideais), hidratação e suplementação de vitaminas para manter seu rendimento alto.
Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação, em tradução livre) apontam que 37,5 milhões de pessoas negras viviam uma situação de insegurança alimentar moderada no país no período entre 2014 e 2016. Entre 2017-2019, porém, esse número chegou a 43,1 milhões. Em termos percentuais, o número também subiu, de 18,3% para 20,6% em 2020. Já a pesquisa “Os efeitos da pandemia na alimentação e na situação de segurança alimentar no Brasil” acentua a insegurança e aponta que 59,3% – 125,2 milhões de pessoas – no país não comeram adequadamente devido às condições econômicas causadas pela crise sanitária do novo coronavírus.
“O impacto da condição social pode atrapalhar muito o preparo dos atletas negros, principalmente com o consumo de alimentos de baixo custo e alto valor nutricional como fontes de carboidratos simples, como arroz ou batata, e proteínas como ovo e carnes. A nutrição tem papel importante e insubstituível no preparo de um atleta”, avalia o especialista.
Negros não alcançam cargos de liderança no esporte
Atualmente, é comum ver atletas negros como destaques nos Jogos Olímpicos, como os esportistas Usain Bolt, Simone Biles, Kobe Bryant, Serena Williams e Michael Jordan. Porém, nem sempre foi assim. Nos primórdios das Olimpíadas, a competição era só para brancos e ricos. Foi só na terceira edição dos Jogos Olímpicos, em Saint Louis-1904, que os primeiros negros participaram do evento, de acordo com dados do site Olympics.
No futebol do Brasil, por exemplo, os negros são protagonistas no campo, mas não atingem postos de comando dentro da modalidade. É o que diz o levantamento do Superesportes, estudo que mostra que, em média, apenas três entre 100 dirigentes e treinadores são negros.
Para o sociólogo e professor universitário Tadeu Matheus, a valorização dos corpos negros nos esportes, lembrada principalmente na época das Olimpíadas, se dá a partir do racismo sistêmico, pilar do racismo estrutural que acomete o Brasil.
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“Há um interesse das elites do poder em que se destaquem os negros por uma questão de performance acima da média, fora da curva de rendimento de atletas de outras etnias. Por conta também de disputas, que vão gerar notoriedade para o país e, sobretudo, às entidades que gerenciam o esporte”, destaca o também Mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP).
O professor lembra que, em outras áreas, a desvalorização do negro acontece, principalmente como forma de alimentação do sistema racista estrutural, “que por sua vez, não tem no seu corpo diretivo, administrativo, postos de comando, e de decisão. As mesmas pessoas que representam o país em competições de destaque são preteridas de ocuparem postos importantes de comando e poder”, diz.
O que o sociólogo avalia condiz com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: nas empresas brasileiras, menos de 30% dos cargos de liderança são ocupados por pessoas negras. O percentual é baixo e ainda sofreu queda. Em 2019, os negros ou pardos ocupavam 29,9% dos cargos gerenciais. Em 2020, esse índice caiu para 29,5%.
Tadeu pondera ainda que, em resumo, há ambiguidade no assunto, pois as mesmas pessoas que trazem visibilidade ao Brasil por serem atletas de alta performance, são preteridas de ocuparem postos importantes de comando e poder, e/ou não acessam o grande capital.
“Essa ambiguidade é perversa. ‘A mesma mão que afaga é a mão que bate’. E essa mão não é tão invisível assim. Sabemos bem a quem pertence essa mão, sobretudo quando fazemos os recortes raciais dentro dos esportes”, avalia.