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Menino de 10 anos viu momento que Guilherme Guedes foi sequestrado por PM e ex-PM

Documentário produzido por estudante da USP revela que uma criança testemunhou o momento em que o adolescente negro foi dominado e colocado dentro de um carro na Zona Sul de São Paulo, em junho de 2020

Texto: Marcelo Oliveira, especial para Alma Preta Jornalismo | Edição: Nataly Simões | Imagem: Acervo Pessoal

Adolescente negro Guilherme Guedes, morto por PM e Ex-PM em junho de 2020

11 de junho de 2021

Um documentário feito por um estudante da USP (Universidade de São Paulo) sobre o caso do adolescente negro Guilherme Guedes, sequestrado, torturado e morto aos 15 anos, em 14 de junho de 2020, traz uma revelação até então inédita sobre o caso: um menino de 10 anos contou à família do jovem que viu o momento em que o adolescente foi dominado e sequestrado pelo ex-PM Gilberto Eric Rodrigues e pelo sargento da PM Adriano Fernandes de Campos.

O menino, cuja identidade não é revelada no documentário, estava escondido no córrego do Cordeiro, que fica entre a casa onde Guilherme morava com a avó paterna e suas tias e o parque linear localizado em uma de suas margens, local onde o adolescente estava quando foi sequestrado na madrugada de 14 de junho.

O menino contou à família de Guilherme que o adolescente, após ser dominado por Gilberto, foi colocado à força em um carro dirigido por Adriano. Segundo narram Joyce Santos, mãe de Guilherme, e Vera Rodrigues, avó paterna do adolescente, a criança viu que o adolescente se desesperou com o sequestro e pressentia que seria morto pelo policial e pelo ex-PM, que viveu seis anos foragido da Justiça, desde que fugiu, em 2015, do presídio Romão Gomes, onde estava preso acusado de participação na chacina do Jardim Rosana, em 2013, que deixou sete mortos.

“O Gui falava: ‘não me mata não, pelo amor de Deus”, conta Vera. “O menino viu tudo”, afirma Joyce, que narra que a criança contou que o filho dela resistiu, colocando os dois pés e as mãos no carro na tentativa de não ser jogado dentro do veículo, porém sem sucesso. Em seguida, relata a avó, o menino ouviu uma pancada vinda de dentro do carro e afirmou que acredita que Guilherme tenha sido dominado com violência pelo policial e pelo ex-PM. “Pelo estado que o Gui estava, bateram nele”, afirma a avó. Guilherme, além dos ferimentos dos tiros que os mataram, tinha no corpo marcas de tortura.

A revelação inédita da existência de uma criança que viu o crime está no documentário “Guilherme – Amor Além da Vida”, do jornalista Marcos Hermanson Pomar, apresentado no dia 4 de junho de 2021 como trabalho de conclusão de curso de jornalismo da USP e que lhe garantiu a aprovação com nota máxima. Pomar resolveu contar a história de Guilherme, pois vivia na época a cinco minutos da Vila Clara, bairro da periferia da Zona Sul de São Paulo, entre Americanópolis e a cidade de Diadema, Grande SP, e se impressionou com os protestos ligados ao caso.

O documentário, além de revelar aspectos pouco conhecidos do crime, mostra o lado humano de Guilherme, apresentando-o como um garoto muito querido pela família e pela sua comunidade e que só não teve a sua história apagada em virtude da luta das mulheres de sua família: a mãe Joyce, as avós Vera e Antonina, e suas tias. O muro da casa da avó paterna de Guilherme hoje tem uma pintura do rosto do menino.

Joyce Santos, mãe de Guilherme Guedes, em entrevista ao documentário produzido pelo aluno da USP e que revelou a nova informação sobre o assassinato d adolescente. | Foto: Reprodução/YoutubeJoyce Santos, mãe de Guilherme Guedes, em entrevista ao documentário produzido pelo aluno da USP e que revelou a nova informação sobre o assassinato d adolescente. | Foto: Reprodução/Youtube

Ouvida pela reportagem da Alma Preta Jornalismo sobre o documentário, a mãe de Guilherme afirma que a versão contada pela criança chegou ao conhecimento da Corregedoria da PM, que também investigou o crime, esclarecido pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil). “Policiais da corregedoria conversaram com o menino na casa da dona Vera [avó materna de Guilherme]”, conta Joyce.

O documentário mostra também como o episódio mudou a visão que a família de Guilherme tinha da polícia. “Para mim os bandidos agora são da polícia, não são os bandidos da rua”, afirma no documentário Antonina Arcanja da Silva, avó materna do adolescente morto.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) informou que desconhecia a existência dessa testemunha, mas o promotor Neudival Mascarenhas Filho pedirá a inclusão do documentário no processo.

A reportagem também tentou ouvir a Corregedoria da PM e o DHPP para questionar se as corporações sabiam da existência de tal testemunha. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) não respondeu às perguntas até a publicação deste texto.

O caso Guilherme

Guilherme foi sequestrado na madrugada de 14 de junho de 2020, um domingo. Um vídeo descoberto pela família do jovem foi decisivo na investigação. As imagens mostram que ele conversava com um amigo na entrada do parque linear ao lado da casa de sua avó à 1h55. Esse amigo se despede, e, em seguida, aparecem dois homens, que a polícia identificou como Adriano e Gilberto. A partir de então, Guilherme não é mais visto.

Segundo apurado pela família e confirmado pela investigação do DHPP, um grupo de jovens do bairro havia entrado no terreno administrado pela empresa Globalsan, conhecido na região como o terreno da Sabesp, para, dali, acessar os fundos de um supermercado atacadista, onde ficava um contêiner de comida vencida, descartada pelo estabelecimento.

Nada foi roubado, mas um segurança do terreno, ao ver a movimentação, se assustou e, pensando se tratar de um furto, acionou Adriano, dono da empresa de segurança que atendia a Globalsan. Segundo o depoimento desse segurança, que está no programa de proteção a testemunhas, Adriano disse que resolveria o problema.

A polícia suspeita que Guilherme foi sequestrado, torturado e morto por engano ou para intimidar que moradores do bairro entrassem novamente no terreno da Globalsan. Segundo a polícia, Guilherme não tem qualquer relação com a invasão. O menino que viu o sequestro de Guilherme participou da invasão, segundo a mãe da vítima.

O corpo de Guilherme foi encontrado na segunda-feira, 15 de junho. Logo, a notícia da morte de um inocente negro e querido pela comunidade se espalhou e desencadeou uma onda de protestos. Vários ônibus foram incendiados nos dias 15 e 16 daquele mês.

Protesto realizado por amigos e familiares de Guilherme Guedes no dia da missa de 7° dia, em 21 de junho de 2020. | Foto: Pedro Borges/Alma Preta JornalismoProtesto realizado por amigos e familiares de Guilherme Guedes no dia da missa de 7° dia, em 21 de junho de 2020. | Foto: Pedro Borges/Alma Preta Jornalismo

Após os protestos, o caso, inicialmente ignorado pelas autoridades, foi rapidamente solucionado pelo DHPP, com apoio da corregedoria da PM. O sargento Adriano foi preso em junho de 2020.

Em agosto do ano passado, Adriano e Gilberto foram denunciados pelo MP por homicídio duplamente qualificado e ambos tornaram-se réus em decisão judicial do mesmo mês, que também determinou a prisão preventiva de ambos. Faltava, contudo, a prisão de Gilberto, o que ocorreu no último dia 13 de maio, em Peruíbe, Litoral Sul de São Paulo.

Os advogados de Adriano afirmam que o sargento admite ser um dos homens que aparece no vídeo, mas que ele nega a autoria do crime. A defesa de Gilberto Eric não foi localizada. Segundo o DHPP, ele é suspeito de outros 49 homicídios.

Para fontes ligadas à investigação do caso, a prova é farta para a obtenção da condenação e não será necessário chamar a criança para depor no julgamento. Além do vídeo e do depoimento da testemunha sob proteção, a perícia técnica localizou impressões digitais de Gilberto em um veículo em nome do filho de Adriano, usado pelo sargento na noite do crime.

Em março, a Justiça de São Paulo definiu que Adriano será submetido a júri popular. O julgamento está marcado para o dia 13 de outubro, no Fórum da Barra Funda, em São Paulo, e a Justiça reservou dois dias para o júri. O processo de Gilberto foi separado do de Adriano em virtude do período em que ele ficou foragido. O caso dele ainda não chegou à fase de pronúncia, na qual é definido se o réu irá ou não à júri popular.

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